Plano Diretor, a contrapartida da linha de transmissão de energia elétrica


José Venâncio de Resende


Linha de transmissão de energia elétrica corta quase ao meio o município. Torres foram montadas em diversos lugares da zona rural (foto Márcio Pinto)

Resende Costa vive um momento que merece toda a atenção da população. A “Linha de Transmissão 345 kV Itutinga–Jeceaba–Itabirito 2 e Subestações Associadas”, em fase final de implantação, corta o município quase ao meio. Como contrapartida, a empresa Mantiqueira Transmissora de Energia S.A., responsável pelo projeto, ofereceu a Resende Costa o “Plano Diretor Participativo”.

Em relação à linha, é importante ressaltar que (1) o licenciamento ambiental, conduzido pelo núcleo estadual do IBAMA, com base no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), foi uma decisão do Governo de Minas Gerais; (2) o modelo de Plano Diretor Participativo (PDP), a cargo da empresa Ultra Haus Strategic Solutions, é padrão para os 11 municípios cortados pela linha de transmissão.

Sobre a linha de transmissão, o município não teve papel ativo, por a decisão pertencer a nível superior de poder, no caso o estadual, e o projeto ser considerado de interesse social mais amplo. Quanto ao Plano Diretor Participativo, o próprio nome já indica: a população deve envolver-se na sua elaboração e acompanhar atentamente a sua execução; é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

 

A linha

As obras da linha estão na fase de instalação das torres de transmissão (estruturas metálicas que sustentam os cabos por onde passa a energia elétrica), de acordo com boletim informativo distribuído pela Mantiqueira. A previsão é de concluir logo, considerando que o prazo de duração é de 12 meses a partir da emissão da licença de instalação (abril de 2021).  

A linha tem uma extensão de 149,9km, com 320 torres, e atravessa 11 municípios: Itutinga, Nazareno, Conceição da Barra de Minas, Ritápolis, Resende Costa, Entre Rios de Minas, São Brás do Suaçuí, Jaceaba, Congonhas, Ouro Preto e Itabirito.

Ao longo da linha de transmissão, foi definida uma “faixa de servidão”, considerada “necessária para a segurança das pessoas que vivem próximas à linha e para a segurança do próprio setor elétrico”. A faixa possui largura de 48m (24m de cada lado a partir do eixo). A limpeza da faixa é de responsabilidade da empresa Mantiqueira.

Nessa faixa, permitem-se apenas culturas de baixo porte (mandioca, milho, feijão, abacaxi etc.); sistema de irrigação localizado (feito com tubos de PVC); cercas de arame seccionadas e aterradas, pastagens e porteiras; trânsito de pessoas e animais; circulação de veículos agrícolas (exceto nas áreas das torres).

 

O Plano Diretor

Pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257 de 2001), estão obrigados a elaborar Plano Diretor municípios com mais de 20 mil habitantes ou “inseridos em área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional”, além de outras condições. Resende Costa insere-se no segundo caso por conta da instalação da linha de transmissão.

O modelo de Plano Diretor Participativo, elaborado pela Ultra, que assessora a Mantiqueira, busca estimular o envolvimento da comunidade local, desde o início, “pois quem participa de todo o processo está mais preparado para acompanhar a gestão e implementação do Plano, contribuindo para a efetivação das propostas pactuadas na lei”, diz a cartilha, distribuída pela empresa na sua apresentação.

A mesma cartilha define o Plano Diretor como “uma lei municipal que representa o instrumento básico de planejamento territorial do município”, para “orientar a atuação do poder público e da iniciativa privada durante o processo de crescimento e transformação da cidade”. O objetivo final é “assegurar melhores condições de vida para a população, a preservação dos recursos naturais e do patrimônio histórico municipal”.

 

Participação

A elaboração do Plano Diretor pressupõe as seguintes etapas: sensibilização e mobilização da comunidade (audiências públicas, oficinas participativas, preenchimento de questionário e contribuições através do aplicativo “Meu Local” etc.); formação do núcleo gestor (representantes do poder público e da sociedade civil); diagnóstico do município; e redação de proposta de projeto de lei (a ser aprovado pela Câmara Municipal).

As demandas no município (lista de ações a serem desenvolvidas pelo poder público e pela iniciativa privada) serão transformadas em princípios e diretrizes. “Assim, selecionados os temas prioritários, deverão ser definidos os objetivos, instrumentos e estratégias que nortearão as ações a serem realizadas em prol do desenvolvimento do município.” Uma redação jurídica dos temas e propostas, levantados e apresentados à comunidade local e à administração municipal, serão encaminhados à Câmara Municipal para a aprovação da lei. O Plano Diretor será uma lei que deverá ser revista a cada dez anos.

 

A primeira oficina do Plano Diretor

Cerca de 30 pessoas participaram da primeira oficina do Plano Diretor Participativo (PDP), que aconteceu no dia 24 de fevereiro no auditório da Biblioteca Municipal de Resende Costa. Estavam presentes representantes da comunidade, de conselhos rurais, da Câmara Municipal, da Prefeitura, do Conselho de Segurança Pública e do núcleo gestor do Plano Diretor.

Durante a oficina, foi explicado o que é o Plano, a sua finalidade e como está sendo elaborado, disse Alexssander Pinto Lourdes, secretário de Agropecuária e Meio Ambiente. “Também foi feito um trabalho com mapas do município, em que as pessoas presentes marcavam pontos negativos e positivos em áreas como turismo, meio ambiente, educação e lazer, entre outros.”

O vereador Fernando Chaves, que participou da oficina, considerou “interessantes” os métodos utilizados, “mas ainda assim verifiquei a baixa presença da população”. Por isso, ele sugere à empresa Ultra e ao Executivo Municipal que façam consultas setoriais mais aprofundadas, principalmente através de grupos representativos da sociedade civil, que são os conselhos municipais e as associações. “Também acredito que os representantes dos diversos segmentos econômicos e empresariais devem estar mais envolvidos; afinal, é dos empreendimentos empresariais que decorrem muitos dos serviços prestados à comunidade e boa parte das transformações urbanas ao longo do tempo.”

Fernando também acha que os questionários usados pela Ultra são “longos e com algumas questões técnicas inapropriadas para o levantamento de dados junto à população em geral”. Tanto é que o índice de respostas e participação por parte da sociedade foi pequeno nessa etapa, conclui.

Quem também admitiu a complexidade do Plano Diretor Participativo foi o vereador Cleiton Afonso dos Santos, que é membro do núcleo gestor, ao lado de representantes dos poderes municipais, dos movimentos populares, da Emater, Copasa e organizações não-governamentais, no total de 12 integrantes. Ele admite, por isso, que “não é tão fácil conseguir a participação resende-costense”, quando, “para que o PDP contemple todas as necessidades atuais do município, ele deve ser o mais participativo possível e incluir os diferentes setores que integram a comunidade no processo de elaboração”.

Segundo Cleiton, o Plano está na fase de elaboração do diagnóstico municipal; ou seja, momento em que é feito o levantamento das informações necessárias e a sua caracterização, identificando vulnerabilidades e potencialidades. “Os integrantes do núcleo gestor auxiliaram na compreensão dessas informações do município, apresentando as principais demandas, anseios, projetos em curso e possibilidades vislumbradas.”

Todo o material disponível está sendo analisado pela equipe técnica responsável pela elaboração do PDP de Resende Costa, acrescenta. “O núcleo gestor irá avaliar o material construído e apresentado em audiência pública e, posteriormente, contribuir com a construção das propostas para o município”, o que se dará na próxima fase do processo.

 

O impacto ambiental da linha de transmissão

Para a implantação da nova linha de transmissão de energia elétrica, em Resende Costa, “houve supressão de vegetação nativa de Mata Atlântica (Floresta Estacional Semidecidual) e de eucalipto, além da travessia de áreas de pastagens”, diz Adriano Valério Resende, membro do Instituto Rio Santo Antônio (IRIS). Os impactos socioambientais ocorrem em duas etapas: na instalação, principalmente, e na operação da linha. “É preciso mencionar que essa é uma atividade cujos impactos são praticamente pontuais, ou seja, não se espalham muito para além da área diretamente afetada.”

Durante a fase de instalação das torres, os principais impactos são: supressão de árvores e outras espécies nativas (a madeira e a lenha devem ser aproveitadas); movimentação de máquinas causando ruídos, poeiras e tráfego nas estradas; morte ou danos a animais silvestres; possibilidade de erosão nas praças (áreas abertas para instalação das torres); carreamento de sólidos (terra) para os cursos dágua e aumento na movimentação de pessoas (operários) na zona rural.

Na fase de operação, os impactos são limitados a morte de animais que pousarem nos fios de alta tensão, a emissão de pequeno ruído devido à passagem da energia pelos cabos, a restrição de utilização das áreas de servidão para agricultura ou para construções e a questão visual (as torres alteram a paisagem natural), acrescenta Adriano. “Em contrapartida, tem-se uma indenização pela restrição de uso nas faixas de servidão, que devem ser mantidas sem grandes obstáculos e sem vegetação de grande porte.”

Uma das torres de transmissão foi instalada na propriedade Recanto Santa Maria, de Márcio Pinto, que fica na região da Água Limpa, próxima à ponte do Pinhão. Para isso, a Mantiqueira desapropriou 2,49 hectares ocupados por pastagens (1,49ha) e mata nativa (1,00ha) que fazia parte de uma área preservada (7ha). Assim, foi cortado o equivalente a 8,15m³ de madeira em toras e 24,494m³ de lenha.

Mas Márcio disse ser “totalmente favorável à obra”. “Sei que houve muito prejuízo ambiental, conforme ocorreu na minha mata. Mas sei também da necessidade dessa energia para atender pessoas e empresas que vão gerar empregos a várias famílias.” Ressaltou que a seriedade do trabalho resultou no “menor dano possível e também fui informado de que houve compensação ambiental para essa grande obra”.

No sítio do seu vizinho, Domingos André de Resende, foram instaladas duas torres de transmissão. A propriedade fica a cerca de 6,5km da cidade, no caminho do povoado do Ribeirão. Como as torres ficam longe da estrada principal, foi preciso abrir uma estrada para a passagem de caminhão com o material das torres. Embora não tenha fornecido números, Domingos disse que a chamada faixa de servidão ocupou uma parte da plantação de eucalipto, da roça de milho e do campo. 

Procurada pela reportagem, a Mantiqueira não quis fornecer informações detalhadas sobre a instalação da rede em Resende Costa, alegando questões de política interna e de compliance. Reportou ao “material gráfico informativo”, destinado ao público-alvo (proprietários/comunidades de terras interceptadas pela faixa de serviço, gestores públicos e demais instituições civis), e ao“Processo de Licenciamento Ambiental” (disponível em http://licenciamento.ibama.gov.br/LinhadeTransmissao/) cujos dados são anteriores à aprovação do IBAMA.

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