Por trás do abandono: a vida de um cão de rua


Vanuza Resende


As praças e ruas da cidade são os lares dos animais que são covardemente abandonados (Foto Vanuza Resende)

Recentemente, surgiu uma polêmica em Resende Costa sobre cães que estariam avançando em veículos e, consequentemente, causando prejuízos aos proprietários. Em vídeo divulgado no WhatsApp, um cidadão questionava o perigo que representam animais soltos nas ruas. A situação acabou levantando um problema de saúde pública que atinge Resende Costa, cidades vizinhas, Minas Gerais e outros 25 estados brasileiros. O abandono de animais se expande pelo mundo todo e parece ser um mal impossível de ser erradicado.

Nos primeiros dias de dezembro de 2017, algumas pessoas de Resende Costa relataram que dois cachorros pretos estavam avançando sobre carros, furando pneus e colocando em risco pessoas que transitam pela cidade.  Bráulio Almeida foi uma das pessoas que tiveram os pneus do seu veículo danificados e é o autor do vídeo que circulou pelas redes sociais. Ele disse que a sua intenção era alertar a comunidade resende-costense sobre os riscos que representam os cães soltos nas ruas. “No mesmo dia, em questão de minutos, três veículos foram danificados e quatro pneus inutilizados, sendo que outros veículos já haviam sido atacados em dias anteriores”. De acordo com ele, a intenção de gravar o vídeo foi para que outras pessoas, que também passaram pela mesma situação, relatassem o ocorrido, a fim de que fosse possível quantificar o número de casos e as autoridades locais se mobilizassem.

Os cachorros que avançaram nos carros não foram mais vistos e os relatos cessaram. No entanto, de acordo com a Associação RC Animais e a veterinária Leidiane Rodrigues, que atende a inúmeros casos de animais abandonados, ainda há relatos de maus-tratos aos animais. “Eu atendi, há pouco tempo, um cachorro que passou por uma ‘cirurgia’ de castração sem anestesia. O cachorro fugiu e, quando chegou até mim, ele estava com os testículos expostos”, informa a veterinária.

Esse é apenas um dos relatos de maus-tratos que Leidiane presenciou. Ela atende há cinco anos na cidade e fala sobre as principais consequências causadas por animais que são abandonados nas ruas. “As doenças são o maior perigo, inclusive zoonoses, doenças que são transmitidas ao ser humano e a outros cães. Além disso, existe o risco de violência. Aqueles cachorros que já nascem na rua não são o perigo maior. Já aqueles que são soltos depois de grandes, por proprietários que adotam e depois não querem mais, podem ser perigosos. O caso de abandono acontece principalmente com cachorro sem raça, porque a pessoa adota filhotinho pequeno e quando o animal cresce não quer mais e solta”.

Vice-presidente da RC Animais, Kelly Ramos destaca a irresponsabilidade de algumas pessoas: “Há aquelas pessoas que deixam seus animais de estimação dar a famosa voltinha. Eles sofrem acidentes e, quando estão no cio, mais crias indesejadas e mais animais nas ruas”. Kelly chamou atenção sobre as limitações que a associação enfrenta: “Alguns áudios divulgados no WhatsApp durante a polêmica nos ofenderam muito, nos jogando toda a responsabilidade sobre os animais nas ruas. Não temos esse controle e nem a prefeitura. Só pedimos que as pessoas da cidade continuem alimentando e dando muito carinho, pois os animais não têm culpa de terem sido abandonados”.

Kelly Ramos repudia a ideia de pessoas serem penalizadas por estarem alimentando os animais abandonados nas ruas. “Em um dos áudios diz-se: ‘filmar quem alimenta os animais’. Ótimo! Essa mesma pessoa, que gravou o áudio, foi filmada na semana seguinte jogando pedra em um cão que estava deitado no passeio. Se for para julgar quem está errado: aquele que alimenta ou aquele que joga pedra? Se não gosta, apenas respeite. É preciso que se tenha compaixão pelo próximo, por menor que seja esse ser. O mundo precisa disso, exemplo de bem”, afirma.

 

Soluções

Na tentativa de solucionar o problema, a Câmara Municipal aprovou um repasse no valor de R$15 mil para a Associação de Proteção e Defesa dos Animais de Resende Costa – RC Animais. Serão beneficiados cães de rua, que poderão ser adotados. A adoção é uma medida que no médio ou longo prazo poderá contribuir com o controle da população de animais soltos nas ruas. O vereador Paulo Daher explicou que o projeto foi datado em 24 de novembro de 2017, data anterior às polêmicas que circularam pela cidade. “Aprovamos quinze mil reais para essa finalidade (castração de animais). Até em países desenvolvidos existem essa preocupação com cachorros de rua. Não podemos sacrificar esses animais. O que precisa ser feito são iniciativas como a desse projeto”, defende o vereador.

Leidiane acredita que essa seja a solução mais eficiente: “O que existe de mais ético para se fazer, pensando no animal e na população, é a castração. Com a castração você elimina a proliferação dos animais. Por mais que existam animais nas ruas, se estiverem castrados evita que outros animais nasçam e fiquem na mesma situação. Uma fêmea tem muitos filhotes durante a vida reprodutiva, que pode ir até os 15 anos de idade. Cada cria de uma cadela, sem raça, dá em média 10 cachorrinhos, e esses 10 vão dar mais 10, só aumentando a população”.

Para a vice-presidente da RC Animais, a castração e a conscientização da população são os caminhos mais efetivos. Kelly não é favorável à construção de um canil na cidade. “Não somos a favor da construção de canil, como alguns sugerem. Não é a solução criar um depósito de animais, onde eles teriam que contar com cuidados diários. As pessoas pensam em ‘tirar o problema das suas portas’, porém, manter um local assim exigiria muita gente disposta a trabalhar voluntariamente com ações diárias como: alimento, limpeza, veterinário, saber lidar com zoonoses, enfim, é irreal. Melhor é tentar conscientizar a população”. Segundo ela, “o pior problema, hoje, são pessoas que soltam seus animais nas ruas”.

De acordo com o prefeito municipal Aurélio Suenes, no início da sua gestão, ele cogitou a possibilidade de construir um canil regional. No entanto, a sua ideia não contou com a adesão dos municípios que fazem parte da AMVER (Associação dos Municípios da Microrregião do Campo das Vertentes). “Nós apresentamos na campanha de 2012 a possibilidade de propor junto a AMVER a união dos 18 municípios que compõem a associação para juntos construirmos um canil regional. Ou seja, os municípios fariam a contribuição e o custo seria compartilhado por todos. Mas quando foi feita a proposta, alguns prefeitos disseram que não se interessavam porque as cidades deles não tinham problemas com cachorro. Então, a ideia morreu por aí”, justifica o prefeito.

 

Punições/denúncias

Segundo Aurélio, o município de Resende Costa não possui ainda nenhuma legislação que normatize a situação dos animais soltos nas ruas. Porém, ele não descarta a possibilidade de apresentar um projeto de lei para tal finalidade. “Essa é uma falha do município, porque não temos uma legislação que fiscalize e combata os maus-tratos aos animais. É uma situação que precisa ser estudada, junto com a RC Animais e a sociedade, para vermos o que pode ser feito. Precisamos chegar a um consenso, porque não adianta aprovar uma lei, mas não ter como praticá-la”, pondera o prefeito.

O abandono e o número de cachorros soltos nas ruas aumentam a cada dia. Para Kelly Ramos, o melhor caminho é a denúncia: “A única solução para tal problema é a população, ao ver cenas de abandono de animais nas ruas, denunciar e chamar a polícia”.

A Polícia Militar informou que recebe poucas denúncias sobre abandono de animais, principalmente relacionado a cães e gatos. Mas afirma que as denúncias devem ser feitas, para que sejam tomadas providências. “Deslocamos para o local do ocorrido, levamos o animal que está sofrendo algum dano para locais adequados e o cidadão para responder pelos seus atos”, esclarece a PM.

O governo de Minas Gerais regulamentou, em decreto publicado no dia 16 de dezembro de 2017, uma lei que pune quem pratica maus-tratos contra os animais no estado. De acordo com o previsto na legislação, quem maltratar animais poderá responder a sanções penais, além de ter que pagar multa no valor de até R$ 3 mil. Enquadram-se em maus-tratos aos animais: lesar, agredir e abandonar.

A multa será de R$ 975 para maus-tratos que não acarretem lesão ou óbito; R$ 1.625 para quem provocar lesão e R$ 3.250 para quem causar a morte do animal. Os infratores que maltratarem animais, além de sofrerem as penalidades, terão que arcar também com os cuidados veterinários.

 

Sua ajuda vale muito: vale lambidas e rabo balançando!

A triste história do cachorro submetido a uma castração sem nenhum preparo veterinário vai terminar com um final bem feliz. Hoje, o “Negão”, nome escolhido pelas suas protetoras, foi adotado e vive no município de Tiradentes. Mas, assim como ele, existem vários outros animais que precisam de ajuda. Para doar ou oferecer lar temporário aos animais abandonados é só entrar em contato com a RC Animais, através do Facebook. Doações podem ser deixadas no Empório Animal, à Rua Pérsio Babo de Resende, 24, centro de Resende Costa.

Vale lembrar-se de que adotar com responsabilidade é o primeiro gesto de amor pelo animalzinho. Não compre cachorros, influenciado somente pela raça. O companheirismo do seu animal de estimação será o mesmo, seja ele de língua roxa, pintas pelo corpo ou qualquer outra característica dos que estão no Pet-shop. 

Dias melhores para a sociedade podem estar a caminho. Conscientização, denúncias, apoio do poder público podem diminuir o sofrimento dos animais nas ruas e colaborar com a saúde pública. “Vemos crianças contando que ajudam, alimentam e colocam água para animais famintos nas ruas, isso nos alegra. Sinal de que a nova geração está mais consciente”, conclui Kelly Ramos.

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