Portugal: empreendedorismo faz lembrar o espírito dos descobridores


Entrevistas

José Venâncio de Resende 0

fotoJoão Koehler, presidente da ANJE, com sede na cidade do Porto.

Portugal foi, recentemente, elogiado pela conceituada revista norte-americana de negéocios e economia Forbes devido ao estímulo ao empreendedorismo. O país foi definido como “famoso pelos descobrimentos marítimos, pela riqueza histórica e cultural e, agora, pelo seu investimento no empreendedorismo”. Para a Forbes, o que diferencia o sucesso português, em relação aos restantes países europeus, é o apoio do governo (Jornal Observador.pt, 24/8/2015).

Nesta entrevista, João Rafael Monteiro Koehler - presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) que reúne 5000 sócios -, embora admita a especial atenção do Governo às empresas, é taxativo: "O crescimento do empreendedorismo em Portugal deve-se, antes de mais, à capacidade de iniciativa, resiliência e visão estratégica dos nossos empresários, nomeadamente das gerações mais novas".

Licenciado em Direito (área jurídico-econômica) pela Universidade Católica (Porto), com pós-graduação e um mestrado em Relações Internacionais, João Rafael é administrador executivo da Colquímica - empresa familiar fundada em 1953, pioneira na produção de colas de base aquosa e de colas “hot melt”, que exporta 90% da sua produção e está presente em 45 países. É também sócio e administrador da Colquímica Polska.

Está ainda envolvido em vários projetos industriais, destacando-se a criação da Elastictek, e finalizou recentemente o fund raising de 15 M. de euros para a produção de Polietileno e Elástico na zona centro de Portugal. Detém participações em startups, como a Imaginew, e várias empresas early stage, envolvidas em projetos de tecnologia autossustentável e de base tecnológica. Detém igualmente participações em patentes (smatcam).

É também Presidente da Direção do Portugal Fashion, maior evento de moda em Portugal.

A ANJE concorda com a revista Forbes?

O crescimento do empreendedorismo em Portugal deve-se, antes de mais, à capacidade de iniciativa, resiliência e visão estratégica dos nossos empresários, nomeadamente das gerações mais novas. Também é verdade que o Governo português tem dedicado especial atenção às empresas e, pela primeira vez na nossa democracia, criou uma Secretaria de Estado do Empreendedorismo (hoje da Inovação, Investimento e Competitividade). Foram, aliás, implementadas várias iniciativas políticas promotoras da atividade empresarial, como o Programa Estratégico para o Empreendedorismo e Inovação, a descida do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), a isenção de IRC para startups, o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de caixa, as linhas de crédito às empresas, a orientação do novo quadro comunitário (Portugal 2020) para o investimento, entre outras.

Que outras ações têm contribuído para este sucesso no empreendedorismo?

Diversos estudos recentes revelam uma crescente apetência dos portugueses, em particular os mais jovens, pelo empreendedorismo, independentemente da situação laboral e econômica de cada um. De resto, os ecossistemas de empreendedorismo (instituições do ensino superior, centros de incubação, institutos de I&D+i, parques de ciência e tecnologia, associações empresariais, etc.,) registaram uma notável subida do número de empreendedores, de projetos de inovação, de startups inovadoras e de spin-offs universitários (quando uma tecnologia deriva de outras já existentes). Por outro lado, a retração do mercado de trabalho levou muitos portugueses a investirem na criação do seu próprio emprego. O empreendedorismo passou a ser visto como uma forma de contornar o desemprego, quer por indivíduos pouco qualificados e sem grandes alternativas na economia do conhecimento, quer por indivíduos muito qualificados que o nosso tecido econômico não consegue absorver. Penso, pois, que o empreendedorismo é hoje transversal à sociedade portuguesa, embora haja ainda um trabalho de formação e mentalização a fazer nesta área junto dos estudantes do ensino básico e secundário.

O senhor pode citar exemplos desse esforço?

A ANJE apresentou em Junho o “Estudo Internacional de Empreendedorismo”, com base em estudos de caso, nomeadamente casos de sucesso de startups nacionais. Mais do que um diagnóstico do empreendedorismo na atualidade, o estudo define tendências ao nível da iniciativa empresarial inovadora. O documento inclui um conjunto de 24 working papers de acadêmicos (12 da Universidade do Minho e outros 12 da Universidade do Porto), principalmente especialistas em transferência de conhecimento, selecionados de forma a assegurar uma representação multissetorial. São, portanto, especialistas oriundos de diferentes clusters, que dão uma visão prática dos trabalhos científicos e uma opinião concreta sobre o potencial de aplicação econômica dos mesmos. Esta componente do estudo promove a aproximação entre o mundo acadêmico e a economia real, indo assim ao encontro de um dos grandes propósitos do quadro comunitário Portugal 2020. No estudo, reconhece-se que, nos últimos anos, o país fez um esforço muito considerável em infraestruturas para acolhimento de iniciativas empresariais, de iniciativa pública e privada, existindo uma multiplicidade de incubadoras, espaços de coworking, centros de transferência de tecnologia e parques tecnológicos. Falta agora acompanhar este enorme salto que foi dado em equipamentos com um esforço complementar na sua capacidade de gestão. Os estudos de caso efetuados evidenciam como o retorno do investimento é multiplicado sempre que as competências de gestão permitem criar uma atmosfera empreendedora numa infraestrutura de incubação, ou seja, a taxa de sobrevivência das empresas, os postos de trabalho criados, os volumes de investimento captados aumentam significativamente.

Que outra conclusão o estudo fornece?

Outra conclusão é a de que a valorização econômica do conhecimento pelas instituições científicas e tecnológicas portuguesas é ainda insuficiente. Por um lado, as universidades orientam parte significativa do seu esforço para questões com pouca aplicação prática; por outro lado, as empresas não utilizam o conhecimento científico para resolver problemas práticos e não valorizam economicamente o esforço intelectual. Depois de nos últimos anos se ter feito um esforço reconhecidamente bem-sucedido na formação de pessoas com graus acadêmicos de mestrado e doutoramento e da entrada de recursos muito valorizados na carreira de investigação, é agora tempo de estimular o encontro entre ciência e tecnologia com capacidade empresarial para inovar.

Como fazer isso?

Para tanto, defende o estudo, é necessário promover uma cultura para a iniciativa; valorizar o Sistema Científico e Tecnológico Nacional como fonte originadora de projetos com elevado potencial de crescimento; dinamizar uma política pública que interligue o conhecimento residente nas universidades, os centros de transferência de tecnologia e as necessidades de inovação das empresas; valorizar as redes formais e informais que estas entidades desenvolvem; dinamizar os processos de inovação aberta nas empresas. Uma boa parte do sucesso do processo de crescimento das startups está relacionada com a capacidade de captar recursos financeiros, técnicos e humanos. Por isso, o estudo considera que o aumento do capital disponível para investimento é crucial para uma cultura de valorização do risco, na medida em que fundos de pequena dimensão dão origem a carteiras pouco receptivas às propostas disruptivas, que podem ser mais arriscadas mas também game changers. Um outro aspecto que precisa de ser reforçado é a capacidade de acompanhar, com valores de investimento significativos, projetos escaláveis com uma forte orientação internacional. Estes são os casos que todos os agentes do sistema financeiro de apoio ao empreendedorismo procuram, mas poucos são os operadores com capacidade para acompanhar segundas e terceiras rondas de investimento. Importa, pois, criar uma nova cultura de análise de viabilidade de projetos empreendedores.

E o papel das políticas públicas?

O estudo dá também particular destaque à criação, promoção e desenvolvimento dos ecossistemas empreendedores. A este respeito, os autores do documento concluíram que nos ecossistemas estudados há, por detrás de toda a dinâmica dos agentes, a “mão visível” das políticas públicas de base local, regional ou nacional. Políticas, essas, que criam condições favoráveis à dinamização da iniciativa empresarial, através da gestão de uma agenda de desenvolvimento. Esta agenda pretende estimular um maior conhecimento dos membros da rede; a articulação dos intervenientes e a gestão de efeitos de difusão do conhecimento; a criação e retenção de talentos; a valorização das compras públicas como aspeto importante da prova de conceitos e do financiamento; a promoção de incentivos fiscais ao investimento e ao reinvestimento em startups; a interligação entre novos empreendedores e os seus projetos inovadores com as grandes empresas.

Fale um pouco do papel da ANJE...

Com o alto patrocínio do então Presidente da República, Jorge Sampaio, e o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), foi criada pela ANJE em 1997 a Academia doos Empreendedores. Desde aí desenvolve uma ação inovadora e multifacetada de promoção do empreendedorismo jovem, em particular de base tecnológica, científica e criativa. Até hoje, mais de 2,7 milhões de jovens estiveram envolvidos em ações da Academia dos Empreendedores. Com a Academia dos Empreendedores, a ANJE passou a desenvolver um conjunto de atividades e serviços de promoção do empreendedorismo numa lógica estrutural. Ou seja, procurou criar as bases para a expansão e enraizamento de um movimento empreendedor na sociedade portuguesa, de forma a mitigar a debilidade que a iniciativa privada revelava ainda no nosso país. Neste sentido, a Academia dos Empreendedores promoveu uma cultura de risco associada à iniciativa empresarial que, aos poucos, foi contagiando uma geração de jovens qualificados.

E como foi o processo de sensibilização?

Num primeiro nível de sensibilização para o empreendedorismo, a Academia desenvolve um conjunto de ações dirigidas a um público juvenil e realizadas nos próprios estabelecimentos de ensino. Referimo-nos, por exemplo, a roadshows de empreendedorismo, a concursos de ideias de negócio, a ações de pitch, coaching e mentoring, a prêmios escolares e a bolsas para estudantes e empreendedores com potencial. A Academia dos Empreendedores é também responsável por três dos mais emblemáticos eventos portugueses de apoio à iniciativa empresarial dos jovens: o Concurso Nacional de Ideias de Negócio, que até hoje recebeu mais de 8 mil projetos empresariais; o Prêmio do Jovem Empreendedor, que desde 1998 reuniu mais de três mil candidaturas; e a Feira do Empreendedor, que somou cerca de 255 mil empreendedores no total das edições (e reuniu mais de 1700 jovens empresas).

Que apoio a ANJE presta aos jovens empreendedores?

Para atuais e potenciais jovens empreendedores, a ANJE presta dois tipos de apoios: Apoio à Criação da Empresa – Da Ideia ao Negócio e Apoio aos Empresários – Consultoria de Gestão. No primeiro caso, os técnicos da ANJE auxiliam os jovens empreendedores na concepção da ideia de negócio, na elaboração do plano de negócios, na prospeção do mercado, no acesso a financiamento, na constituição da sociedade e eventualmente na incubação da startup.  Na área do Apoio aos Empresários, a ANJE desenvolve essencialmente consultoria de gestão, o que compreende a organização, auditoria e qualidade, o corporate finance e recovery, a gestão dos recursos humanos, a gestão estratégica, a assessoria fiscal, os instrumentos de financiamento e sistemas de incentivo e ainda a internacionalização. Destaque, neste âmbito, para a Linha de Crédito ANJE/Caixa Geral de Depósitos, que disponibiliza até 50 mil euros para criar ou desenvolver empresas.

Que outras iniciativas merecem menção?

As Lojas do Empreendedor que concentram, agilizam e aprofundam serviços de consultoria dirigidos a jovens empresários (cerca de 1.200 pessoas recorreram já aos serviços das Lojas do Empreendedor e, no âmbito deste projeto, foram criadas 50 novas empresas, que representam 60 postos de trabalho), e o TEC-EMPREENDE –  Programa de Empreendedorismo Tecnológico (desenvolvido em conjunto com INESC/Porto – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores). A ANJE disponibiliza ainda um vasto conjunto de ferramentas de apoio à atividade empreendedora, que inclui informação especializada; ações de formação avançada; programas de aceleração; eventos de networking; 13 centros empresariais (com serviço de incubação) espalhados pelo país; e iniciativas de promoção da internacionalização (missões empresariais, workshops sobre mercados externos, parcerias com câmaras do comércio, etc.).

Quais os principais setores onde o empreendedorismo mais avançou?

Em Portugal, verificou-se o crescimento do empreendedorismo de base tecnológica, científica e criativa. A partir do conhecimento adquirido no ensino superior, muitos jovens estão a criar startups inovadoras, orientadas para o mercado global e capazes de competir em segmentos de elevado valor acrescentado. Entre estas startups inovadoras, avultam negócios nas áreas das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), do software, das telecomunicações, da biotecnologia, da indústria farmacêutica, da energia, da robótica, do turismo e das indústrias criativas.

Como o empreendedorismo tem contribuído para o país sair da crise?

O crescimento do empreendedorismo tem tido efeitos muito positivos sobre a atividade econômica em Portugal, além de contribuir para o bem-estar social do país. Com a criação de empresas, nomeadamente em setores de elevado valor acrescentado, os empreendedores portugueses estão a promover a renovação do tecido empresarial, a produzir riqueza para o país, a fazer crescer o investimento, a estimular a competitividade e a gerar novos postos de trabalho.

Quais são as principais parcerias da ANJE e como contribuem para as ações da entidade?

A ANJE tem parcerias com entidades públicas de apoio empresarial (como o IEFP, o IAPMEI-Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação ou a AICEP) para a promoção do empreendedorismo e da internacionalização; com instituições bancárias (como a CGD-Caixa Geral de Depósitos ou o Novo Banco) para o financiamento de ideias de negócio; com câmaras de comércio para a promoção de iniciativas de networking; com instituições do ensino superior para a organização de ações de formação e com autarquias para a gestão de centros de incubação. Importa destacar as parcerias da ANJE com o Instituto Universitário da Maia (ISMAI) e com a Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho (através do seu projeto de formação de executivos, o UMinho Exec), no âmbito das quais são lecionados programas de formação avançada (pós-graduações e masters) em áreas de interesse para a atividade empresarial. Naturalmente que todas estas parcerias reforçam a capacidade da ANJE para cumprir a sua missão institucional, que, no essencial, consiste na defesa dos interesses dos jovens empresários, na promoção pública do empreendedorismo e no apoio à criação de empresas.

Qual tem sido o papel da inovação tecnológica no desenvolvimento do empreendedorismo em Portugal?

A inovação é um fator determinante para o sucesso dos projetos de empreendedorismo, na medida em que permite a criação de novos bens e serviços, a adoção de estruturas organizacionais mais profícuas, a introdução de processos produtivos mais sofisticados e a elaboração de modelos de relacionamento mais eficazes entre a organização e o consumidor. Neste sentido, a competitividade da economia portuguesa está a ser reforçada, já não tanto a partir de fatores tradicionais como o capital ou o custo do trabalho, mas sim pela intensidade de inovação, pelas atividades de Investigação e Desenvolvimento (I&D), pela transferência de tecnologia e pela qualificação do capital humano. Ao contrário do que acontecia no passado, Portugal já não compete internacionalmente com base em preços baixos, mão de obra barata e produtos de baixo valor acrescentado.

Quais entidades (públicas e privadas) trabalham com (ou apoiam o) empreendedorismo em Portugal?

Felizmente, há em Portugal uma enorme variedade de entidades públicas e privadas de promoção do empreendedorismo, como o IAPMEI, o IEFP, o Instituto Português do Desporto e Juventude, a COTEC Portugal - Associação Empresarial para a Inovação, as associações empresariais (CIP, AEP, ANJE, etc.), os parques de ciência e tecnologia (UPTEC, Instituto Pedro Nunes, TEC Labs, etc), as incubadoras e aceleradores (Beta-i, Startup Lisboa, Startup Braga, etc), os gabinetes municipais de apoio a empreendedores… Paralelamente, também não faltam apoios ao empreendedorismo, desde as iniciativas contidas no Programa Estratégico para o Empreendedorismo e Inovação aos apoios do IEFP e IAPMEI (programas Empreender + e FINICIA, respetivamente), passando pelas Iniciativas Locais de Emprego e pelos Sistemas de Incentivos às Empresas. Além disso, há as linhas de crédito com garantia pública, os incentivos comunitários no âmbito do Portugal 2020 ou do Horizonte 2020 e o capital de risco público (IAPMEI e Portugal Ventures). No essencial, estes instrumentos traduzem-se em soluções de financiamento (incentivos financeiros, capital de risco, empréstimos, linhas de crédito, microcrédito, etc.), apoio técnico e à gestão, formação, ações de consultoria, benefícios fiscais, apoios comunitários, prêmios de empreendedorismo, incentivos à criação de emprego e programas de incubação/aceleração.  

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