Qualidade de vida é uma escolha de cada um


Entrevistas

André Eustáquio0

Dr. Paulo Cezar (Foto André Eustáquio)

No dia 17 de outubro de 1977, o jovem médico Paulo Cezar Fortuna Dias, natural de Alto Rio Doce (MG), chegou a Resende Costa e foi recebido na escadaria do antigo Hospital Nossa Senhora do Rosário pela saudosa irmã Paulina, da Congregação das Filhas de São Camilo, iniciando ali uma longa carreira como médico na cidade. Hoje, aos 64 anos, doutor Paulo conhece cada família da cidade e os males que levam as pessoas a procurar atendimento médico no hospital e em seu consultório. Nesta entrevista, concedida em seu consultório na praça Rosa Penido, o clínico geral fala sobre suicídio, câncer de mama e de próstata, que estimularam a criação de programas preventivos como o Setembro Amarelo, o Outubro Rosa e o Novembro Azul.

O mês de setembro, mundialmente conhecido como Setembro Amarelo, despertou a reflexão sobre o suicídio, suas causas e prevenções. Quais são os principais fatores que levam uma pessoa a pensar e tentar o suicídio? São vários fatores. Os principais são geralmente relacionados à área psicológica da pessoa. Uma pessoa 100% normal dificilmente pensa no suicídio como uma solução para os seus problemas. Ainda existe um grande tabu sobre o assunto. Você não vê ninguém conversar sobre suicídio, principalmente nas famílias onde ocorreu algum fato. Geralmente as pessoas escondem o assunto e com isso deixam de observar alguns sinais. O suicida deixa alguns sinais para a gente. É aquela pessoa que só fala em morte, só fala em dificuldades, mostra desgosto pela vida, fica relembrando pessoas que já se foram, aquele saudosismo exagerado. Muitas vezes, a gente deixa passar esses sinais, que são importantíssimos e devem ser observados no comportamento das pessoas. Por isso foi criado o Setembro Amarelo - especificamente no dia 10 de setembro - uma data comemorada no mundo inteiro, como dia mundial da prevenção do suicídio. O Setembro Amarelo foi criado com o objetivo de quebrar tabus, ou seja, levar as pessoas a falar mais sobre o suicídio, sobre o risco do suicídio, sobre os sinais que podem ser observados na mudança de comportamento de uma pessoa. Sinais estes que podem levar uma pessoa ao autoextermínio.

Em nosso círculo de convivências, não é raro nos depararmos com pessoas que têm uma visão exageradamente pessimista da vida. Trata-se de um sinal para uma provável tentativa de suicídio? Claro que sim. Geralmente, o autoextermínio está relacionado a uma psicopatologia. A pessoa depressiva, que tem pânico de doença, ou alguma doença que pode ser considerada tabu, como a Aids, se inclui nos fatores de risco. Certos problemas psicológicos, como por exemplo, dificuldades sexuais, dificuldade de relacionamento, dificuldade de se apresentar, ou seja, pessoas extremamente introvertidas e fechadas em si mesmas e que têm dificuldades de enxergar as maravilhas que esse mundo tem, devem ser observadas e ajudadas. O suicídio está quase sempre relacionado a uma depressão ou a uma situação momentânea na vida de uma pessoa.

Como evitar que uma pessoa cometa suicídio? Muitas vezes a gente pode evitar que a pessoa cometa suicídio quebrando tabus. Hoje, acontece o mesmo que antigamente, quando as pessoas falavam: “ah, o fulano está com câncer, ou está com Aids”. Antigamente era tudo escondido, não se falava. Hoje, fala-se abertamente e, por isso, melhorou muito a prevenção. Você consegue a recuperação dessas pessoas, porque você quebrou essas barreiras.

Mas ainda existem barreiras. Sim. A família esconde, quando leva ao médico pede sigilo... A gente tem que se atentar a isso, passar a falar sobre isso e quando tiver uma pessoa próxima que mudou o comportamento, que está atravessando um momento difícil, como negativismo intenso, devemos ajudar essa pessoa, acompanhá-la a um tratamento psicológico ou até mesmo psiquiátrico. Muitas vezes a pessoa precisa de um tratamento medicamentoso, porque senão fatalmente ela vai se encaminhar para cometer uma bobagem.

O uso abusivo de drogas, como o álcool, é também um fator que pode levar uma pessoa ao suicídio? Não só o álcool, mas outras drogas mais pesadas. A pessoa vai ficando dependente, não consegue sair daquele vício e caminha para um quadro de depressão, onde ela precisa cada vez mais de drogas. Não conseguindo sair dessa situação de dependência, a pessoa pode procurar um desfecho final, o autoextermínio, para sair daquela situação. O alcoolismo é um dos maiores fatores, junto ao uso de drogas e às doenças psicológicas.

Como a depressão? A depressão é o fator mais intenso. É muito problemático tratar uma pessoa depressiva. O que você usa no tratamento da depressão? Substâncias que estimulam a pessoa a ter mais prazer pela vida. Mas, é preciso cuidado porque ao estimulá-la, você pode também encorajá-la a praticar o suicídio. Por isso, a importância de um bom acompanhamento psicológico e até mesmo psiquiátrico em muitos casos.

Há casos de pessoas que a gente jamais imaginava que tentariam o suicídio, mas devido a uma situação momentânea na vida chegaram a essa atitude extrema. Todos nós conhecemos casos assim. Uma pessoa, por exemplo, levanta da cama de manhã, toma atitudes normais e corriqueiras no decorrer do dia, e aí você depois se depara com essa pessoa já tendo cometido esse ato impensado. Trata-se de uma coisa imprevisível. O limiar entre o ato e o fato é muito pequeno. Então, é preciso que quem convive com pessoas que possuem problemas com álcool, drogas,  e que têm problemas psiquiátricos, tenha cuidado constante. Estima-se que no Brasil ocorram 32 óbitos por suicídio por dia. É muito! Em cada dez casos de pessoas com potencial suicida, se você observar atentamente as mudanças de comportamento e encaminhar essas pessoas, levá-las para serem tratadas, você consegue evitar nove casos em dez.

A gente tende a não levar a sério aquela pessoa que diz que vai cometer suicídio. Muitas vezes essa pessoa pode está pedindo socorro. Exatamente. A gente costuma dizer que ‘cachorro que late não morde’ ou ‘quem anuncia não faz’. Isso não existe. Ninguém brinca com isso. Aquela pessoa está talvez sem coragem de praticar o ato. Mas a qualquer momento em que a situação se apresentar desfavorável, pode aumentar o desejo de se autoexterminar e conseguir. Então, essas pessoas precisam ser acompanhadas, tratadas, pois ninguém brinca com a vida. A vida é um dom que a gente tem e todo mundo quer aproveitá-la ao máximo, pois algum dia a gente vai partir mesmo. Mas, você não pode partir precipitadamente porque tem algum problema psicológico.

Muitas pessoas se assustam com o número de casos de suicídio em Resende Costa. A nossa estatística é alta quando comparada a de outros municípios? Não. A gente convive muito com pacientes de outras cidades que frequentam Resende Costa, principalmente a parte hospitalar. E por isso temos notícias de que se trata de um problema geral. Por exemplo, em Lagoa Dourada há um alto índice. A forma que a pessoa utiliza para praticar o suicídio varia muito. Muitos tomam remédio, outros usam arma de fogo, enforcamento, afogamento. Essa média não é exclusiva de Resende Costa. O que faz com que a média pareça ser alta para nós é porque a cidade é pequena. Quando acontece um caso todo mundo fica sabendo. Em São Paulo quando um cara suicida ninguém fica sabendo. É a facilidade de difusão da notícia que faz parecer que o índice de suicídio seja alto aqui.

Já houve diversas tentativas de explicações sobre o suposto alto índice de suicídio na cidade... Resende Costa tem muitos hipertensos, muitas pessoas que têm problemas psiquiátricos e que estão fazendo tratamento especifico. É lógico que numa cidade menor o casamento entre consanguíneos acontece com certa frequência. Isso leva a uma maior possibilidade de manifestação dos genes recessivos, ou seja, aqueles genes causadores de doenças. Então, devido a esta situação, podemos dizer que o índice de problemas psicológicos, de hipertensão, de diabetes na cidade, é alto e tem relação com a consanguinidade.

O que a pessoa pode fazer para ter uma vida psicologicamente saudável? Primeira coisa é se sentir bem em seu ambiente de vida, ou seja, estar num lugar agradável, procurar estar em situações favoráveis, ter uma boa situação familiar e de emprego, uma boa situação afetiva e de relacionamentos, inclusive sexual. Importante também ter uma vida religiosa e de espiritualidade. Procurar, enfim, fazer coisas que nos trazem felicidade.

Sobre a saúde da mulher e do homem. Quando e onde começaram o Outubro Rosa e o Novembro Azul? Foi uma coisa muito bem pensada, criar o mês de outubro como o mês de prevenção do câncer de mama e o mês de novembro como o mês de prevenção do câncer de próstata. Essas campanhas não são realizadas somente aqui. O outubro rosa foi iniciado em Nova Iorque e ganhou espaço no mundo inteiro. Devido a essas campanhas, as pessoas estão procurando mais fazer o diagnóstico e se prevenir. Qualquer câncer é curável, desde que descoberto numa fase onde ele não tenha invadido outros órgãos. Antigamente, a doença ficava escondida, ou seja, quando a pessoa procurava o médico, muitas vezes já não tinha mais o que fazer.

As pessoas tinham medo de falar em câncer... Muita gente morria sem saber o motivo. Com essas campanhas (outubro rosa e novembro azul) aumentou muito o número de descobertas de casos. Não foi o número de casos que aumentou, mas o número de diagnósticos precoce, em fase inicial. Isso facilita o tratamento e até a cura total das pessoas. Nós conhecemos muitas pessoas que se curaram plenamente e hoje levam uma vida normal. Se curaram porque se cuidaram.

Mas ainda existem pessoas que não se cuidam... Hoje, o maior tabu, que precisa ser superado, é em relação aos homens. As mulheres, de maneira geral, aceitam com mais facilidade e se preocupam muito mais em cuidar da saúde, em fazer a prevenção. É importante dizer que a prevenção, no caso da mulher, não é só da mama, mas há também o câncer de colo uterino.

E quanto ao homem? Muitos homens não admitem fazer uma prevenção adequada ou faz uma vez e passa anos sem fazer de novo. Existe uma questão machista que faz os homens se sentirem diminuídos, envergonhados. Por isso, muitas vezes, quando procuram o médico o câncer já está em estado avançado.

Como o homem pode se prevenir? Todo homem a partir de 45 anos tem que submeter-se ao exame de sangue (PSA), ao exame de ultrassonografia para acompanhar o desenvolvimento da próstata e ao toque, que é o exame ouro, ou seja, o exame mais eficaz para detectar se há uma lesão cancerígena na próstata. O toque supera até o ultrassom transretal com biópsia.

No início, o câncer pode ser uma doença silenciosa, que não dá nenhum sinal. Se o câncer fosse como uma infecção de garganta ou uma pneumonia, daria sinais. Porém, muitas vezes o sinal é lento e a doença vai aparecer ao longo de anos. Por isso a importância da prevenção.

Existem situações nas quais o homem e a mulher devem fazer exames preventivos antes dos 45 e dos 35 anos de idade, respectivamente? Claro que sim. O câncer não é hereditário, mas ele tem uma relação genética muito importante. Famílias onde há incidências de determinados tipos de câncer, os descendentes têm maior propensão a ter a doença. Portanto, a prevenção tem que começar a ser feita mais cedo. Uma mocinha de 20 anos que percebe um nódulo no seio não vai esperar chegar aos 35 anos para fazer a investigação. O homem que percebe alguma alteração na sua frequência urinária ou na sua vida sexual, não vai esperar chegar aos 45 anos para fazer a prevenção. Existem casos de câncer de próstata que começa com 20 ou 30 anos de idade.

A alimentação e o estilo de vida da pessoa podem influir no surgimento de câncer? Sim, influi muito, principalmente o alcoolismo, o tabagismo e dietas inadequadas propiciam que a pessoa tenha propensão a ter algum tipo de câncer, não só de mama ou de próstata. Por exemplo, uma dieta pobre em fibras pode favorecer o aparecimento de câncer no intestino. Há vários fatores que podem expor uma pessoa a desenvolver algum tipo de câncer. Por isso, a importância da prevenção e evitar os fatores de risco.

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