Que independência?


Editorial

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Em 1822, livre de Portugal, o Brasil almejava a construção de uma identidade nacional mesmo em meio a conflitos políticos, rebeliões e interesses econômicos de uma elite poderosa que não demonstrava querer abrir mão dos seus privilégios. A Independência do Brasil, comemorada no dia 7 de Setembro, foi um marco decisivo para que o país enfim assumisse a tutela de sua história e construísse o seu futuro sem ter que beijar as mãos das Cortes Portuguesas.

No entanto, os conflitos que surgiram nas províncias logo após a proclamação da Independência revelam que o ato corajoso de Dom Pedro I não apaziguou as tensões e divisões que agitavam o Brasil e, com isso, o império recém-criado não conseguiu estabelecer a unidade nacional almejada, mesmo sob o cetro firme do imperador que, enquanto teve apoio, não abdicou de seus poderes.

Quase dois séculos se passaram desde o Grito do Ipiranga e ainda estamos em busca de uma identidade capaz de nos unir enquanto nação que sabe aonde quer chegar. Graves problemas vêm impedindo o Brasil de se consolidar enquanto nação desenvolvida e civilizada: desigualdade social, saúde e educação precárias, violência, pobreza e corrupção. Esses são apenas alguns dos entraves que nos distanciam das nações desenvolvidas.

Avanços e retrocessos fazem parte da construção de uma nação. Assustamos porém quando vemos que no Brasil os retrocessos são preponderantes. A história nos mostra a dificuldade que o país tem de impedir o surgimento de líderes políticos populistas com vocação autoritária, que colocam sempre em risco a nossa ainda frágil democracia.

Entre os inúmeros exemplos recentes de escândalos político-financeiros vindos a público, no início deste mês, a Polícia Federal realizou a operação Tesouro Perdido e ‘estourou’ o ‘bunker’ do ex-ministro do governo Temer Geddel Vieira Lima. No interior do apartamento localizado em um bairro nobre de Salvador (BA), a PF encontrou R$ 51.030.866,40 – divididos em R$ 42.643.500 e US$ 2.688.000,00, que na cotação atual equivale a R$ 8.387.366,40. O dinheiro estava armazenado em caixas e malas. Foi a maior apreensão de dinheiro vivo da história do país – os piratas que assaltavam as caravelas que cruzavam o Atlântico ficariam com inveja da audácia dos nossos ‘piratas políticos’ contemporâneos. A quantia vultosa de dinheiro descoberta no ‘bunker’ do Geddel é provavelmente oriunda de esquemas de corrupção, essa praga que se prolifera como um vírus nas entranhas do poder público, dos partidos políticos e instituições financeiras no Brasil.

Diante de tantos problemas que se perpetuam há séculos, o que podemos comemorar no glorioso mês de setembro? Que independência celebrar se ainda somos escravos dos interesses políticos e econômicos das elites corruptas que governam o Brasil desde as caravelas de Cabral, se pacientes ainda morrem nas filas de hospitais públicos, se ainda há 12,9 milhões de analfabetos no país? O que festejar se a violência ainda faz centenas de vítimas todos os dias, sendo a maioria negra? A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, segundo o Atlas da Violência 2017 divulgado pelo IPEA.

O grito de Dom Pedro I nas margens do riacho Ipiranga em 7 de Setembro de 1822 nos livrou da tutela de Portugal, que desejava que permanecêssemos Colônia, mas não nos libertou das nossas próprias mazelas. Ganhamos a liberdade, porém ainda não aprendemos a lidar com ela. Não nos libertamos das elites sanguessugas que se mantêm sedentas por garantir seus privilégios, saqueando inescrupulosamente o Brasil e os brasileiros.

Seremos de fato um país independente quando a nossa democracia amadurecer, conseguirmos melhorar o sistema político representativo, expulsar de vez da vida política as velhas raposas corruptas e ao assumirmos, enquanto cidadãos conscientes, a construção de um país que não compactua com a corrupção e com a mediocridade.

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