Queijo minas artesanal produzido em Resende Costa pelo Casal Gastrô foi premiado em concurso internacional


André Eustáquio


fotoCláudio Ruas e Amana Castelo Branco, o Casal Gastrô (Foto arquivo pessoal)

Há dois anos, o casal Cláudio Ruas, o Cacau, e Amana Castelo Branco decidiu deixar Belo Horizonte para viver na roça, em Resende Costa, mais especificamente no Sítio da Pimenta. Ele, advogado, e ela, formada em viticultura e enologia, seguiram a paixão pela gastronomia e iniciaram uma nova e desafiadora etapa em suas vidas. Cacau e Amana, o “Casal Gastrô”, produzem na roça, de forma artesanal, queijo, derivados do leite, pães, entre outros produtos. Recentemente, o queijo minas artesanal produzido por eles foi premiado, com medalha de bronze, no Concurso Mundial do Queijo no Brasil.

Leia abaixo a entrevista que o Casal Gastrô concedeu ao JL.

 

Falem sobre o Concurso Mundial do Queijo no Brasil, no qual o queijo minas artesanal produzido pelo Casal Gastrô foi premiado com medalha de bronze. Foi a primeira edição de um concurso internacional de grande porte no Brasil. Mais de 1.200 queijos inscritos, de diversos países, com predominância de queijos brasileiros e mineiros. Esses queijos foram divididos em diversas categorias e premiados com medalhas de bronze, prata, ouro e super ouro. Não há premiação em dinheiro, mas sim através do reconhecimento que a medalha proporciona.

O que motivou o Casal Gastrô a produzir queijos? Sempre fomos apaixonados por queijos. Não só pelo sabor, mas pela magia da transformação do leite e por todo aspecto cultural envolvido nesse tipo de produção. Além disso, sempre acreditamos na necessidade de se agregar valor ao leite produzido na propriedade da família. Produzir leite envolve muito custo e trabalho e vendê-lo a preço de água para laticínios é inviável. Ainda mais numa região propícia para produção de queijos, como a nossa.

Então Resende Costa possui condições favoráveis à produção de queijo? Quais seriam essas características presentes em nosso município? Com certeza! Temos montanhas, grotas, baixadas e água. Altitude elevada, clima ameno e, além disso, a cultura de criação de gado de leite e o saber fazer herdado dos portugueses. Não é à toa que eles se dedicaram a fazer queijo logo que chegaram aqui.

Em Resende Costa, assim como em diversas cidades de Minas, há muitos produtores de queijo. Há aqueles que vendem o chamado queijo “branco”, fresco, de porta em porta, ou nos supermercados. O queijo premiado produzido por vocês se encaixa nessa mesma categoria? Nosso município sempre teve muitos produtores de queijos. Mas hoje só vemos no mercado esse queijo “branco”, espécie de queijo frescal feito com leite cru, vendido resfriado dentro de um saquinho. O queijo da nossa propriedade é outro tipo de queijo, embora muito parecido. Sua denominação técnica é “queijo minas artesanal”, que pressupõe o uso do leite cru, coalho e sal grosso – com salga somente por cima, e não na massa. Porém, com acréscimo do “pingo” e também do processo de maturação/cura por alguns dias, em temperatura ambiente.

Mas o que seria esse “pingo”? Ele nada mais é do que um fermento lácteo natural, extraído da produção do dia anterior. Após a viragem e nova salga do queijo, começa-se a colher o soro que pinga a partir desse momento, até o outro dia, quando então é misturado ao leite antes do coalho, numa proporção que gira em torno de 50ml para cada 10 litros de leite. O uso do pingo é um grande diferencial, é o “pulo do gato”. Além de ajudar no processo de fermentação, combatendo as bactérias indesejáveis, deixa o queijo mais firme e confere sabor e aroma. Além disso o pingo reúne e carrega todas as características da propriedade (água, solo e bactérias benéficas daquele lugar), o que confere ao queijo daquela fazenda a sua identidade. É através do uso do pingo que se consegue também uma boa maturação do queijo. Sem ele o queijo não cura direito, ou “esborracha”, ou então fica com gosto forte, desagradável, “ardido”.

Na opinião de vocês, o momento atual é favorável aos produtores rurais da região que produzem ou pretendem produzir queijo? Sim, principalmente o queijo minas artesanal. É a esse queijo que o mercado tem dado o devido valor, graças ao uso do pingo e da maturação. E também de outros fatores, como boas práticas de ordenha e de fabricação, controle sanitário do rebanho etc. Não se consegue produzir um queijo minas artesanal de qualidade sem a presença desses fatores. Higiene rigorosa e processo de maturação aumentam o trabalho e os custos numa queijaria. Mas o resultado final, o preço do produto e o reconhecimento do consumidor compensam. Vale a pena sim, sobretudo na nossa região, que é reconhecida legalmente como região do queijo minas artesanal.

E qual a diferença para o chamado “queijo canastra”? Na verdade, somente a região onde ele é produzido. Nossa queijaria produz o queijo com a mesma receita da região da (Serra da) Canastra. E também das demais regiões queijeiras reconhecidos por lei como produtoras do autêntico queijo minas artesanal: Serro, Araxá, Cerrado, Triângulo e Serra do Salitre. A diferença está nas características que cada região dá ao seu produto, graças às variações de solo, clima, água e bactérias (o chamado “terruá”), além de algumas diferenças no processo (técnica de dessora e prensagem, tipo de fôrma etc.).

Então por que o queijo minas artesanal parece ser mais tradicional na região da Serra da Canastra? Porque lá ainda existem muitos produtores. As tradições foram guardadas e se perpetuaram. A distância de grandes centros ajudou a preservar a tradição, pois os produtores de leite não passaram a vender seu produto para os laticínios, como ocorreu no Campo das Vertentes. Nossa região era uma grande produtora de queijos. São João del-Rei era chamada antigamente de “São João dos Queijos”. Registros históricos apontam que o queijo minas artesanal começou aqui no Campo das Vertentes. Inclusive as famílias que começaram a fazer queijo na (região da) Canastra saíram daqui, em busca de terras baratas no sertão. Acharam condições boas para o queijo e eram obrigadas a maturá-lo para resistirem ao transporte em lombo de burro e carro de boi. Por aqui a história foi diferente e desaprendemos a fazer esse queijo.

A vinda de uma medalha de um concurso internacional para o município de Resende Costa pode servir de estímulo a outros produtores de queijo frescal e leite a buscarem uma alternativa de mercado? Com certeza. Estamos vivendo uma “revolução queijeira” em Minas e no Brasil. O mercado, a mídia e os políticos finalmente estão começando a dar mais valor ao produto artesanal, reconhecendo o esforço diário do produtor rural, dando visibilidade e possibilitando formas de se vender seu produto fora do seu entorno e por um preço justo. E o mundo está descobrindo que o Brasil está se transformando numa verdadeira potência queijeira. Mesmo com todas as dificuldades econômicas, sociais, científicas e burocráticas, estamos produzindo grandes queijos no mesmo patamar de países consagrados, como França, Itália e Suíça. No caso de Resende Costa, ainda temos um perfil de produtores de leite ideal para queijos incríveis: muitos produtores com vaca de pouco leite, criada a pasto, com ordenha só pela manhã e com pouco trato. E com gente que sabe lidar com gado de leite e fazer bons queijos. O que falta talvez seja uma pequena mudança na receita (uso de pingo, salga por cima e maturação) e mais incentivo e apoio das entidades (Emater, Associação e Sindicato Rural) e do poder público municipal.

Há quanto tempo vocês estão trabalhando na roça, aqui em Resende Costa, com a gastronomia? O que os motivou a desenvolver esse trabalho? Além do queijo minas artesanal, produzimos outros derivados de leite (iogurte natural, coalhada seca, creme fresco e manteiga), pães de fermentação natural, charcutaria (defumados, linguiças etc.), molhos, geleias e outros produtos sazonais derivados do que cultivamos na nossa roça. Tudo de forma artesanal, em pequena escala, sem veneno e de acordo com a disponibilidade da natureza. Trabalhamos também em parceria com outros pequenos produtores da região, levando seus produtos para as vendinhas que realizamos em Resende Costa e Belo Horizonte, bem como através de venda pela internet. Ainda promovemos cursos de culinária e vinhos, consultorias para estabelecimentos, além de vivência na nossa roça, para que as pessoas possam conhecer de perto todos os processos de fabricação. Acreditamos muito na força da roça e na riqueza da nossa região, tão linda, histórica e turística. E também na possibilidade de geração de renda e emprego no campo, com respeito à natureza e às tradições, mas com uso de tecnologia, informação e do trabalho em conjunto. É um trabalho duro, mas que nos faz sentido – ao contrário da vida que tínhamos na cidade grande. Estamos há dois anos nessa peleja diária. Já começamos a colher alguns frutos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário