Uma homenagem ao inesquecível tio Pituca


Homenagem Especial

André Eustáquio0

Entrevista com tio Pituca durantes os funerais do ex-prefeito Gilberto Pinto (Foto Emanuelle Ribeiro)

Já havia se tornado rotina. Era só vir a confirmação da gráfica de que o Jornal das Lajes estava pronto em Belo Horizonte que o telefone do tio Pituca tocava. Do outro lado da linha era o editor do jornal e seu sobrinho, confirmando o horário (19h) que nos encontraríamos em frente ao Fórum de Resende Costa, para esperar o ônibus da Viação Sandra trazendo os exemplares do jornal. Após lotarmos o porta-malas e os bancos do seu carro, a nossa missão se estendia durante todo o dia seguinte, quando distribuímos o jornal em Resende Costa, Lagoa Dourada e São João del-Rei.

Não sabemos quando e muito menos a hora em que a nossa existência encontrará o seu ocaso, assim como o sol deixa de brilhar no entardecer. A morte nos espreita pelas esquinas da vida e nós não a vemos. Ela se diverte com a nossa finitude. Sua sombra nos arrepia, enquanto sua face nos é velada. Ela vem sem avisar e seu bom dia é a perplexidade. Foi assim, causando perplexidade a todos nós familiares, que a morte visitou o advogado, taxista e político Antônio Marcos de Sousa Melo, conhecido por todos como Pituca, aos 70 anos, na manhã do dia 23 de fevereiro de 2017. Após um período se tratando de enfermidades no pulmão e no coração, tio Pituca sofreu uma parada cardíaca enquanto dirigia.

É curioso observar como a vida caminha em círculos. Pedindo licença ao grande filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), em suas reflexões sobre a existência, podemos encontrar algum consolo ao compreendermos que “a morte é o coroamento de toda a existência”. Conforme o filósofo, a morte dá sentido a todos os projetos empreendidos pelo ser humano ao longo de sua vida, seja ela longa ou breve.

A vida do tio Pituca foi erguida sobre alguns pilares fundamentais: família, advocacia, ofício de taxista e a política. Esse último pilar o arrebatou apaixonadamente. Seus olhos brilhavam e sua voz tornava-se eloquente – mesmo já enfraquecida nos últimos tempos em decorrência da fragilidade de sua saúde – quando o assunto convergia para a política. Foi vereador em Resende Costa entre 1983 e 1988, durante o primeiro mandato do saudoso ex-prefeito Gilberto José Pinto - período em que o Brasil reconquistava a democracia.

A relação do advogado e taxista com sua cidade tornou-se ainda mais estreita a partir da militância política. Resende Costa não era somente a terra natal do tio Pituca, mas a amada cidade que ele queria tanto ver desenvolvida e bem administrada. Durante longos anos, foi assessor jurídico da Prefeitura Municipal, trabalhando com os prefeitos e correligionários do PSDB, José Rosário Silva e Gilberto José Pinto.  Nos corredores da prefeitura, nas reuniões partidárias e nas rodas informais de conversas políticas, a vida política do doutor Antônio Marcos, como eu carinhosamente gostava de chamá-lo, se plenificava. Ele era tesoureiro do diretório municipal do PSDB. “O Pituca foi uma liderança política e tinha uma facilidade grande para discursar”, destacou o vice-prefeito de Resende Costa e presidente do PSDB, Zinho Gouvêa.

Pituca foi um dos primeiros taxistas a trabalhar profissionalmente em Resende Costa. Durante bom tempo, o seu táxi foi o único da cidade. Ele tinha verdadeira paixão pelo Fusca, pela Kombi e, especialmente, pela Rural. Esses carros marcaram a sua profissão.

Amparando-nos, enfim, na reflexão de Heidegger, confirmamos que a morte realmente fecha o círculo da existência e sua mensagem extrapola qualquer coincidência. A vida do tio Pituca foi construída no labor diário no táxi. Portanto, não poderia ser de outra maneira o seu encontro com a morte, a senhora do nosso destino. Tal encontro ocorreu dentro do seu carro enquanto ele fazia uma das coisas que mais gostava: dirigir. Deus não quis que sua vida aqui na terra terminasse num leito sofrido e solitário de um hospital.

O temperamento alegre, espontâneo e às vezes franco fez do tio Pituca uma pessoa singular e ao mesmo tempo especial. Sua partida nos deixou um nostálgico e profundo vazio que jamais se preencherá. A distribuição do JL nas ruas de Resende Costa não terá mais a alegria de antes. Ficará para sempre a saudade das longas, complexas e às vezes polêmicas conversas que tínhamos sobre política, das principais manchetes do JL e dos jornais diários que líamos juntos na casa do meu avô, das folias de reis que ouvíamos no carro e, claro, principalmente, das boas risadas que dávamos juntos, cujos motivos permanecerão em segredo entre nós dois...

Descanse em paz e até algum dia, meu tio e para sempre querido amigo doutor Antônio Marcos.

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