Uma instituição que ensina verdadeiros valores de uma vida de bem

O JL conversou com o Promotor de Justiça da Comarca de São João del-Rei, Felipe Amantéa, sobre a APAC


Entrevistas

André Eustáquio0

Promotor de Justiça Felipe Guimarães Amantéa (Foto Jornal das Lajes)

A APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) foi criada em 1972, em São José dos Campos (SP), por um grupo de voluntários cristãos liderados pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni. A experiência inicial se deu no presídio de Humaitá e o objetivo dos fundadores era evangelizar e dar apoio moral aos presos. A APAC chegou a São João del-Rei em junho de 2008 e atualmente abriga aproximadamente 370 recuperandos dos regimes fechado, semiaberto interno e externo e albergados.

A APAC é uma associação civil já presente em diversos estados e municípios do Brasil. O JL conversou com o Promotor de Justiça Felipe Guimarães Amantéa, Titular da 3ª Promotoria de Justiça de São João del-Rei, com atuação na Execução Penal, feitos criminais e júris e Cooperador na Promotoria de Justiça Única de Resende Costa. Dr. Felipe tem longa experiência de trabalho com as APACs. Nesta entrevista ele fala sobre as Comarcas onde trabalhou, as quais possuem APACs, bem como sobre o método criado por Mário Ottoboni e sua eficácia na recuperação dos condenados pela Justiça.

 

O início em Minas Gerais

“O método (APAC) veio para Minas Gerais e iniciou-se há mais de duas décadas na Comarca de Itaúna, com um modelo de parceria público-privada, na administração de uma unidade penal. Deu tão certo que virou política pública do Estado de Minas e do TJMG. Assim, desde a década passada, foram fundadas APACs em diversas cidades e várias delas receberam recursos do Estado para construção de presídios de segurança mínima, que são administrados por uma pequena equipe de funcionários contratados, por vários voluntários das cidades e pelos próprios presos. Embora pareça estranho, os presos muitas vezes detêm as chaves da ‘cadeia’ e isso funciona, por mais extraordinário que seja. Eles raramente fogem”.

 

Experiência no trabalho com as APACs

“Trabalho, como Promotor de Justiça, em Comarcas que têm APAC desde 2006, sendo que passei, antes de São João del-Rei, pelas Comarcas de Frutal e Pirapora, que possuíam unidades penais administradas pela APAC. Desta forma, conheço as APACs e o método há mais de 12 anos e atesto que se trata de um modo eficiente, genuinamente brasileiro, de se resgatar pessoas envolvidas na criminalidade e ensinar-lhes os verdadeiros valores de uma vida de bem. Posso afirmar, portanto, que é uma instituição excelente, pois há pequeno percentual de reincidência nos presos/recuperandos, como são chamados na APAC. Assim, é tudo aquilo que a Justiça espera ao aplicar uma pena criminal, ou seja, que o delinquente não tenha interesse ou pelo menos tenha receio de retornar à criminalidade. E isso normalmente é atingido pelos recuperandos que passam pela APAC. O método APAC é baseado em valores, como espiritualidade, participação da comunidade, família, trabalho e estudo e visa ‘matar o criminoso’ que existe dentro da pessoa e resgatá-la para a convivência em comunidade. Estimula a verdade, o reconhecimento do erro e o arrependimento”.

 

Critérios na seleção dos presos que vão para a APAC

“Normalmente, como não há vagas para todos os presos, a forma de seleção é baseada no tempo de cumprimento de pena e no comportamento do preso na unidade convencional (presídio) e é feita em São João del-Rei pelo Juiz da Vara de Execuções Penais, Dr. Ernane Barbosa Neves. Porém, mais difícil do que ir para a APAC é permanecer na referida instituição, pois a disciplina interna é rigorosa e aplicada inicialmente pelo Conselho de Sinceridade, um órgão colegiado composto pelos próprios recuperandos, depois pela direção e, por fim, pelo Juiz da Execução Penal. Um desvio de comportamento ou falta disciplinar pode gerar regressão de regime e retorno ao sistema comum”.

 

Eficácia na recuperação dos condenados

“Na APAC, trabalho e estudo são obrigatórios e em São João del-Rei temos várias atividades profissionalizantes, como formação em panificação, em marcenaria, além de escola estadual e acesso ao ensino superior à distância. Por tais meios, portanto, atingimos excelente nível de recuperação de criminosos e redução de criminalidade”.

 

Relação da sociedade com a APAC

“A sociedade precisa conhecer melhor a APAC e seu método, pois ela só funciona com a colaboração dos voluntários, já que é uma associação privada, que tem convênio com o Estado de Minas Gerais para receber presos.Os voluntários são um dos elementos mais importantes do método. Além de tudo isso, o custo de um preso na APAC é de aproximadamente 1/3 do valor do sistema comum, gerando enorme economia aos cofres públicos. O método é tão eficaz que no Congresso Mundial das APACs, ocorrido em São João del-Rei no ano passado, vieram representantes de mais de 20 países para conhecer a forma de funcionamento, visando levar o modelo brasileiro para seus países. Se nações como Alemanha, Estados Unidos, Portugal e até Coreia do Sul, entre outras, querem conhecer e importar o método é porque é algo realmente bom e eficiente. Portanto, cabe a cada cidadão pensar que, se não temos pena de morte e de prisão perpétua no Brasil, porque a Constituição proíbe e neste ponto ela é imutável, temos que nos preocupar em resgatar criminosos e evitar que pessoas entrem ou continuem no crime, pois amanhã eles estarão ao nosso lado, na rua, na praça, no banco, na escola e no trabalho. Se não nos preocuparmos com isso, não conseguiremos evitar o ciclo vicioso do crime de se repetir, pois ‘quando as portas do cárcere se abrem, todas as demais se fecham’, o que impede um egresso de voltar de maneira útil à sociedade. A eficiência dessa forma de ‘cuidar de presos’, como diz Antônio Carlos de Jesus Fuzatto, presidente da APAC de São João del-Rei, pode ser resumida em uma frase, muito repetida no centro de recuperação: ‘Do amor ninguém foge’”.

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