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Canção de amor

21 de Setembro de 2022, por José Antônio

Foi uma canção simples, poucos acordes. Nela couberam os sonhos que mais doem, aqueles que são sonhados sabendo que serão sempre sonhos. Sussurros doces e sádicos que toda ilusão sibila do jeito que só ela sabe fazer.

Como toda garota que se assusta com uma alegria inesperada, teu coração saltou do peito para dançar nos olhos. E aceitaste a canção que te ofertei. E sorriste. E foste para casa levando a certeza de que a primavera fora criada somente para ti. E foste.

O tempo passou, os dias não ficaram.

De tanto cantar, acabei decorando aquela canção, assim como decorei cada centímetro de tua lembrança. Cantei para contar... para contar a mim mesmo que é possível imorrer as coisas que não vivem mais.

Aos poucos, as circunstâncias nos levaram para trilhas diferentes. De longe, ainda pude te ver algumas vezes; não perto, pude ouvir em raros momentos a tua voz.

Os teus encantamentos já eram por outros motivos. Tuas alegrias de menina sapeca não eram mais para a minha canção. Em teu jorro de vida, eu não navegava mais.

Eras outra.

Muitas outras noites e dias vieram, fazendo do calendário uma constelação formada por estrelas de fumaça que se apagam com o sopro do inevitável.

A noite estava fria, era noite de inverno, igual àquelas em que tantas vezes conversamos e rimos, loucos para o dia seguinte chegar rapidinho para de novo nos vermos. Foi numa noite de inverno. Do meu discreto lugar, convidado sem muita importância, observei-te subir para o altar. Deslumbrante noiva!

O mesmo olhar daqueles tempos, o mesmo sorriso das tuas alegrias.

Caminhavas feliz para o teu par.

E o meu par de olhos sem par moveu-se para dentro de mim. Uma suave canção impregnava a igreja de emoção e paz. Uma flauta sublimava meu coração em forma de prece que reza o passado.

Na cadência melíflua da flauta, eu me retirei sutilmente, como o instrumento que se cala quando já não mais deve soar na partitura do concerto.  

Eu já estava a alguma distância da igreja, mas ainda podia ouvir, apesar do vento frio, os sons dos acordes da flauta suave que iam sumindo aos poucos.

Silêncio.

Apenas o vento.

Apenas o frio.

Apenas eu.

Cantei baixinho, pela rua solitária, aquela canção que um dia eu fiz e que te entreguei.

Depois não cantei mais.

Ela se despediu e se recolheu... lá onde morrem as canções de amor.

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