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60 anos do Grande Sertão: Veredas

18 de Agosto de 2016, por Rosalvo Pinto

A coluna “Causos e Cousas” presta homenagem ao escritor considerado, no Brasil, como um dos maiores de todos os tempos: João Guimarães Rosa. De fato. Grande Sertão: Veredas, sem dúvida, o maior romance aqui no Brasil e no ranking internacional, disputa com escritores consagrados: James Joyce, Marcel Proust, Franz Kafka, William Faulkner, entre outros. Na literatura brasileira, Rosa disputa com Machado de Assis, em pesquisa promovida pela Folha de São Paulo em setembro de 2007, para escolher os 100 melhores romances do século XX.

Guimarães Rosa veio ao mundo em 1908, em Cordisburgo, MG e se foi deste mundo consagrado pelas suas 11 obras (as três últimas foram post mortem), capitaneadas pelo Grande Sertão: Veredas.

Rosa fez os estudos em sua terra, passando depois por São João del-Rei, no antigo Colégio Santo Antônio, continuando em Belo Horizonte, no Colégio Arnaldo. Em 1925 formou-se em medicina, na antiga Universidade de Minas Gerais. Começou o exercício da medicina na cidade de Itaguara, MG. Por concurso, tornou-se médico da antiga Força Pública de Minas, trabalhando em Barbacena. Pouco tempo depois, por concurso, entrou na carreira diplomática (Itamarati) e prestou serviços na Europa e na América Latina. Durante a 2ª. Guerra, destacado para Hamburgo (Alemanha), prestou um belo serviço humanitário, ele e sua segunda mulher (Aracy), protegendo os judeus e os encaminhando em suas fugas.

Voltando para o Brasil, veio para o Rio de Janeiro. Já conhecido pelas suas produções literárias, foi convidado a integrar a Academia Brasileira de Letras. Muito emocionado aceitou, mas, postergando durante quatro anos, não quis tomar posse. Quando, finalmente, resolveu tomá-la, veio a falecer três dias depois, em 1967, aos 59 anos de idade. Perdia o Brasil e o mundo um de seus maiores gênios literários. Suas obras, sobretudo o Grande Sertão: Veredas, eram e continuam sendo traduzidas pelo mundo afora.

Além de escritor de alto nível, Guimarães era um exímio poliglota. Falava alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, até um pouco de russo, sueco, holandês, latim e grego clássicos.

Vale a pena lembrar aqui os títulos de suas obras: só eles já são um convite para ler os seus conteúdos. Magna – Sagarana – Entremeio com o Vaqueiro Mariano – Corpo de Baile (compreendendo Noites do Sertão, Manuelzão e Miguilim e No Urubuquaquá, Pinheim) – Grande Sertão: Veredas (1956) – Primeiras Estórias – Campo Geral – Tutameia (Terceiras Estórias) – Estas Estórias (póstuma) – Ave, Palavra (póstuma) – Antes das Primeiras Estórias (póstuma).

Os limites desta coluna não me permitem abordar e aprofundar as características do nosso Rosa. Restrinjo-me a comentar um dos aspectos mais importantes de sua literatura, a inovação da sua linguagem, que desafia o leitor.

Rosa trabalha magistralmente com os falares populares, sobretudo com os do sertão. Nas suas andanças, geralmente a cavalo, por lá não faltava o caderno de notas. Além disso, o mais curioso ainda, ele continuamente cria palavras novas a seu gosto. Além das palavras, por vezes inventa estruturas semânticas (sentido das palavras) e sintáticas (na organização diferente das palavras).

Não há dúvida de que o ponto alto de sua criatividade está no Grande Sertão: Veredas. Parece coroar todo o conjunto de sua obra. Mas cada leitor se apaixona por outras de suas obras. Pode ser como eu, que me apaixonei pelo Meu Tio o Iauaretê (conto longo, 33 páginas, Estas Estórias), assim como por outro conto curto, Substância (Primeiras Estórias), cuja trama amorosa entre Exita e Sionésio é mostrada com extrema delicadeza. Em 1999 Pedro Bial e Giulia Gan (na época, sua mulher) adaptaram para o cinema cinco contos do livro Primeiras Estórias com o filme Outras Estórias: "Famigerado", "Os irmãos Dagobé", "Nada e nossa condição", "Substância” e Soroco [Sorôco], sua mãe, sua filha". Giulia foi a protagonista de “Exita”, no conto “Substância”.

Mas é no Meu Tio o Iauaretê que Rosa chega, a meu ver, ao ápice da manipulação da linguagem dos seus textos. O protagonista, um homem mestiço de uma índia e de um branco, dialoga do princípio ao fim com a onça (“Iauaretê”), identificando-se com ela, integrando o humano com o animal e com a natureza onde ela e ele vivem (p. 126 a 159).

Diz-se que João Guimarães Rosa não se entende nem se compreende, não é preciso recorrer ao dicionário, pois suas palavras a gente as sente brotando do seu mundo, derramando-se em admiração e prazer na alma da gente. Ele é o próprio vaqueiro Mariano de sua obra acima citada, que tem “umas palavras intensas, diferentes, abrem de espaço a vastidão onde o real furta à fábula”. (Estas Estórias, “Entremeio com o Vaqueiro Mariano, p. 71).

Enfim, para sintetizar, bastar-lhe-ia seu Grande Sertão: Veredas para consagrá-lo como um dos maiores escritores brasileiros.

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