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Conversa com desconhecidos

26 de Abril de 2023, por Regina Coelho

“Conversar com desconhecidos pode ensinar coisas novas, fazer de você um cidadão melhor, um pensador melhor e uma pessoa melhor”, ensina o jornalista americano Joe Keohane, autor de O poder dos estranhos, sobre “os benefícios de se conectar em um mundo desconfiado”.

Evidentemente, continua valendo a boa e necessária cautela recomendada aos apressados, os que instantaneamente se veem como melhores amigos, namorados, sócios, vizinhos (ou coisa mais que o valha) uns dos outros. Em relação às crianças então, rola aquele pânico dos pais: “Não converse com estranhos!” “Não aceite nada de estranhos!” Essas são algumas das falas características ouvidas deles e dos professores até, a quem cabe afastar o perigo que o contato com estranhos pode representar para os pequenos, principalmente.

Tudo isso é compreensível e teoricamente mais fácil de perceber. Mais complicado é se dar conta do papo que vem de conhecidos supostamente confiáveis e transformados depois em figuras perigosas. O que fazer? De novo, insisto. Nas duas situações, a palavra de ordem é cautela, sem que essa postura signifique se fechar às pessoas ditas estranhas, que não conhecemos, perdendo a oportunidade de viver boas relações sociais.

De acordo com Keohane, criar vínculos com desconhecidos, ainda que passageiros, faz o indivíduo furar a bolha de convívio usual e deparar com ideias e realidades distintas daquelas a que está acostumado.

Estamos todos ou quase todos conectados neste mundo dominado pela internet, por meio da qual amizades são solicitadas e não falta comunicação. Chama especialmente a atenção hoje o uso indiscriminado do smartphone, uma espécie de compulsão coletiva. Impressiona ver as pessoas nas filas, nos elevadores, nas salas de espera, no transporte público... entretidas com seus potentes e antes inimagináveis aparelhos digitais. Atraídas e subtraídas pela multifuncionalidade da telinha de mão, cada uma no seu quadrado e próximas fisicamente, elas não se falam.

Sem o desmerecimento a essa forma de interação proporcionada pela tecnologia, considera-se aqui uma informação interessante: pesquisas atuais, como a que embasa a obra do citado jornalista, mostram que puxar conversa cara a cara com desconhecidos faz bem. Não se trata, é óbvio, de forçar o papo e invadir o espaço alheio. O conhecimento de outras visões de mundo, a descoberta de afinidades, interesses afins e o desenvolvimento de sentimentos de empatia e solidariedade são, só para dizer o mínimo, ganhos que os receptivos a esse tipo de relacionamento podem ter.

Enquadro-me nesse perfil de pessoa até certo ponto. Havendo abertura, vontade e oportunidade, como em viagens principalmente, para entabular uma prosa com alguém desconhecido, sigo em frente, sabendo que, na maioria das vezes, jamais verei de novo aquela pessoa. Sempre vale a pena a efemeridade desses momentos feitos geralmente de assuntos triviais.

Minha amiga Popó é muito comunicativa, o que é meio caminho andado para conversar com todo mundo. Em maio de 2008, viajamos para Portugal e no avião conhecemos a Marísia, uma mineira que já morava lá e estava de volta àquele país depois de uma visita aos pais no Brasil. Sentadas lado a lado, elas prosearam a viagem inteira. Chegando a Lisboa, Marísia desembarcou. Nós duas pegamos logo uma conexão para Porto, não sem antes deixar com a conterrânea, a pedido dela, um contato nosso. Quando finalmente chegamos à capital portuguesa, ela foi ao nosso encontro no hotel e, como uma ótima cicerone, esteve com a gente naqueles dias inesquecíveis. Depois disso, as duas não deixaram de se falar e nem de se encontrar aqui e lá. Popó me lembra que conheceu os filhos da amiga e, certa vez, hospedou-se com eles na Europa.

Sair simplesmente por aí puxando conversa com estranhos – não é essa a proposta. O gesto de aproximação deve ser casual, espontâneo. E encontrar reciprocidade. É o acaso, ainda que por breves momentos, aproximando os desconhecidos. E por que não daí surgir uma conversa agradável, só para passar o tempo ou, quem sabe, viver a experiência de um encontro marcante?

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