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Também falamos futebolês

26 de Janeiro de 2023, por Regina Coelho

passada a frustração do torcedor brasileiro pelo pífio desempenho e consequente eliminação do Brasil na Copa do Catar, ainda nas Quartas de Final, eis que emplacamos mais um ano, dando agora o pontapé inicial nesta outra arrancada chamada Janeiro de 2023.

Janeiro de férias, de viagens, de Big Brother Brasil e de quase nada de futebol no calendário oficial dos nossos eventos esportivos. Nessa fase de abstinência do prazer pela falta das disputas principais pelo país e vizinhanças, que milhões de torcedores ou meros simpatizantes desse esporte acompanham, salva-nos a Copa São Paulo de Futebol Júnior.

Em disputa desde 1969 e originalmente chamada de Taça São Paulo de Juvenis, ela acontece no início de todo ano, de modo que a final seja disputada em 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade de São Paulo. Realizada até 1970 apenas com times paulistas, a partir de 1971 a competição passou a receber clubes de todo o Brasil. Desde então, a Copinha, assim carinhosamente apelidada, passou a ser um torneio muito observado pela imprensa, torcida e por empresários, uma vez que virou vitrine, isto é, a grande oportunidade para a revelação de futuros craques entre a meninada que sonha com o sucesso e a fama.

Intervalo agora, enquanto a bola rola para os mais novos, sem a rotina boa de ver nossos jogos do meio e final das semanas no decorrer dos meses. E uma observação de ordem linguística: além do que se ouve nos gramados e estádios em dias de confrontos, do que se vive no dia a dia dos clubes e do que se noticia e se debate na cobertura diária e especializada da imprensa e das redes sociais, a linguagem característica do mundo do futebol está presente no nosso vocabulário popular. É curioso notar que isso ocorre até entre aquelas pessoas não tão ou nada chegadas ao meio. Na apropriação desses termos, expressões e frases, falamos também o futebolês em outros contextos.

Vejamos algumas situações ilustrativas desse fato. Usado comumente como pontuação máxima em avaliações quaisquer feitas por notas, o grau dez passou a ser definitivamente associado à excelência no futebol. Ou seja, a mística do 10 como algo superior deve-se também a Pelé, que transformou um artifício antes utilizado como ajuda na identificação de jogadores, ou seja, a numeração na camisa dos atletas, em sinônimo de alta qualidade. Então, ser 10 é tudo de bom.

Do Rei do futebol ao gol de placa a associação é imediata. No Maracanã, foi dele um gol marcado (marcou dois naquele 5 de março de 1961 – Fluminense 1 X 3 Santos) que de tão bonito foi o primeiro no Brasil a ser homenageado com uma placa de bronze alusiva àquela façanha do Rei e descerrada no estádio como forma de eternizar o lance maravilhoso do jogador. A partir daí, criamos esse conceito para designar um belo feito em situações diversas da vida.

Desse linguajar buscamos e ressignificamos extracampo muitas outras construções linguísticas: a bola foi jogada para escanteio (= alguma coisa ou pessoa foi deixada de lado), ele/ela é craque (= alguém muito bom no que faz), aos 45 minutos do segundo tempo (= fazer algo em cima da hora), show de bola (= atuação perfeita em alguma atividade), pisou na bola (= errou feio), bola fora (= mancada), bola cheia/ bola murcha (= sair-se bem/ sair-se mal), dependurar as chuteiras (= aposentar-se), fazer o reconhecimento do gramado (conhecer ou conferir algum lugar).

E mais: deu zebra (= não deu a lógica, algo saiu errado), merece cartão vermelho (= reprovado ou repreendido por alguma atitude), é campeão/ campeã (pessoa batalhadora, que se supera), troféu (o que se recebe como recompensa – um diploma, um emprego...), fazer o meio de campo (= atuar como intermediário (a) entre duas partes; estar entre pessoas em lados opostos), tirar de letra (= realizar uma tarefa com grande facilidade. No jargão futebolístico, refere-se ao passo ou chute dado para enfeitar uma jogada que seria simples, de fácil execução).

Sem fazer cera, dou por encerrado este texto, mas, como faço mensalmente aqui no JL, tô sempre na área. Segue o jogo, ops!, segue o ano.

 

P.S.: Matéria produzida antes do falecimento do Rei Pelé.

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