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Conversa com um neto

27 de Setembro de 2023, por João Bosco Teixeira

Um dia Tostói escreveu: “Amor: o que é o amor? O amor atrapalha a morte. O amor é a vida. Tudo, tudo o que entendo, só entendo porque amo. Tudo é, tudo existe porque eu amo... O amor é Deus e morrer significa que eu, uma partícula de amor, vou voltar para a fonte universal eterna”.

Outro dia, um neto de 12 anos, virou-se para mim e disse:

- Vovô, queria te perguntar uma coisa. Mas não sei, nem sei se sei perguntar. Porque é esquisito, sabe, vovô?

- Pergunte, porque o vovô não vai se preocupar se você sabe ou não sabe perguntar. Ele quer saber o que você quer saber.

- Vovô, é isso, tipo assim, sabe? Eu um dia vou morrer. Mas acho que você está mais perto de morrer do que eu, sabe, vovô?

- É isso mesmo e espero que seja assim.

- Pois é. Então, eu queria saber se isso te incomoda, como é que você vive isso.

- Olhe, meu neto querido, falando a verdade, nem sempre pensei muito nisso. Mas, agora, a morte faz parte integrante da minha vida. Agora sei que ela pode estar muito perto. Ela sempre podia ter me acontecido a qualquer hora. Como para você e nós todos. Mas agora, sinto, isto é, experimento a realidade de que ela pode estar mais junto de mim.

- E aí, vovô, como é isso?

- Olhe, aí o vovô já não vai ligando muito para tantas coisas que um dia foram importantes. Vou dando menos confiança para tanta coisa. E dando mais importância a outras. Por isso é que, quando vocês chegam aqui em casa, eu posso estar fazendo o que for que deixo tudo para depois. Por isso é que, mesmo tendo uma idade mais de bisavô que de avô, me esforço para brincar com vocês.

- E isso é muito legal.

- Pois é, porque isso é que conta para nossas vidas: a gente se querer bem, se tratar bem, para quando a morte chegar a gente estar bem. Mas respondendo mais à sua pergunta: a morte está na minha vida como nunca esteve. Eu hoje vivo essa certeza de que vou morrer mesmo, a qualquer hora. Usando uma palavra um pouco diferente: eu hoje tomei contato sério com a minha finitude.

-Que que é isso, vovô?

- Finitude significa que eu vou acabar.

- Pode acabar, mas a gente não vai esquecer de você.

- Não, não vai, tenho certeza. Por isso é que Tostói disse: “O amor é a vida”, “Tudo é, tudo existe, porque eu amo”. E eu amo a vovó, amo seus pais, seu irmão, seus tios, seus primos, amo vocês todos. Tenho tantos amigos e colegas de quem gosto tanto. E esse escritor russo disse mais ainda. Disse que “O amor atrapalha a morte”, isto é, a morte não acaba com a gente porque o amor não deixa a gente esquecer aquelas pessoas que a gente amou. Então, meu bem, o amor é maior que a morte. Com a morte não morre o amor. Vou vivendo assim, sabe, tentando iluminar a morte que vem vindo. Lindo, não?

- Legal, vovô, legal mesmo. Mas não morre logo não, tá?

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