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Cotidiano

29 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira

Era uma criança nos meus felizes oito, nove anos. Comentava com um padrinho que o dia da semana que mais apreciava era o sábado. Ele me entendia e me disse: “Você nasceu em dia de sexta-feira com os pés no sábado”. Nasci mesmo numa sexta-feira, de Dores, na antevéspera do Domingo de Ramos. Gostei do que meu padrinho falou: “É isso mesmo”, reagi, “o sábado deixa a gente livre e até o que tenho para fazer no sábado é mais alegre e mais feliz.” E era quase que só divertimento: ausência de aula, futebol, empinar estrela, passear com papai pelas beiradas da cidade e convivência aumentada com os irmãos. Sábado era bom demais. Os sábados eram dias que não cabiam dentro do tempo.

Já crescido, adolescente, novamente uma conversa semelhante com um dos superiores do seminário em que me encontrava. Falávamos de nossas vidas diárias, desenvolvidas também nos feriados e nas numerosas festas que invadiam de entusiasmo e alegria o internato. Aqueles dias em que a gente “mal enxergava as pessoas, só supunha”. Lá pelas tantas, o superior, gente fina lá de Santo Antônio do Amparo, me disse: “Gosto mais é do dia a dia; do corriqueiro dos dias comuns em que a vida é sem percalços ou com os percalços comuns da vida”.

Aquilo me chamou a atenção. Cresci e pouco a pouco fui me convencendo de que somos seres do cotidiano. É no dia a dia que se estabelece a comunidade de vida. Comunidade de comunhão e não de dominação, comunidade de libertação e não de escravidão. Lembra-me tanto Guimarães Rosa: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegres mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo... alegre nas profundezas”. E isso pertence ao cotidiano. É nele que lemos o mundo nos olhos do outro. Tudo aí se torna signo, sentido, poema. O dia diferenciado, a festa, pode empanar o essencial da vida. Essa é feita de simplicidade, sem complicações ou com as naturais complicações da vida, vez que o homem não nasceu para morrer, mas para começar. Nasceu para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo. No todo dia. No cotidiano.

O cotidiano não me cansa. A festa, às vezes, sim. O cotidiano me faz inúmeros desafios. A festa apenas os celebra. O cotidiano me tranquiliza. A festa me excita. O cotidiano me ensina que não é desonra ser vencido. A festa, às vezes, me leva a recusar-me a combater, iludido pelos festejos fugazes. Enfim, o cotidiano me lembra até que o amor não é um momento na vida, mas a revelação de seu sentido, pois cria exigências, provoca crises, mas traz o gosto de viver. Na festa, o prazer. No cotidiano, a vida.

O melhor da festa é esperar por ela. Isto é, o melhor é o cotidiano que gera a festa.

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