A Exposição Agropecuária está cada vez menos agropecuária

A “essência da festa” tem sido preterida, dando-se destaque aos shows


Voz do Cidadão

Lucas Resende Aarão*0

Lucas Aarão e seu pai Ademarzinho Aarão são criadores de cavalo Campolina em Resende Costa (Foto arquivo pessoal de Lucas Aarão)

Chegar à 39ª edição do principal evento agropecuário anual não é para qualquer cidade. Resende Costa se destaca quando o assunto é a tradicional Exposição Agropecuária. Trata-se de um grande evento do qual os moradores da cidade devem se orgulhar, podendo usufruir de diversas atrações nos quatro dias em que a festa acontece.

Passados os dias de festejo, é comum os moradores da cidade perguntarem-se uns aos outros: “E aí, o que achou da festa?”

Aos que me perguntam o que eu achei da Exposição Agropecuária desse ano, respondo meio entristecido: foi boa, mas acho que a Exposição Agropecuária está cada vez menos agropecuária.

Tratando-se de organização, é notório o nível de profissionalismo envolvido, condizente com a necessidade de uma festa dessa amplitude. Contudo, penso que a essência da nossa tradicional festa agropecuária tem se perdido a cada ano. Há pouco espaço voltado especificamente ao meio rural. A infraestrutura montada tem valorizado e priorizado os shows, que são importantes, eu mesmo sou um grande fã e frequentador. Porém, está sendo deixado à margem aquilo que, na origem, a festa se propôs a ser: agropecuária.

Quando eu era mais jovem, era grande a quantidade de animais, especialmente equinos, trazidos de cidades da região para a Exposição de Resende Costa, no intuito de competir e tornar conhecidos os belos exemplares de várias raças. A exposição e a competição dos animais impulsionavam o desenvolvimento dos criatórios internos, além de serem um deleite para o público. Cogitava-se até mesmo em ampliar as instalações já existentes no Parque do Campo para suprir a demanda, que era crescente devido especialmente ao aumento de criadores e expositores da própria cidade.

Diferente de outrora, não há atualmente um espaço ou pista apropriados para aquecimento, apresentação e julgamento de bovinos e equinos, os quais são realizados em locais improvisados no Parque. Vejo essa situação como frustrante. Além disso, ter um pouco de contato com o meio rural através dos animais já não é mais prioridade das famílias que vão ao Parque de Exposições nos dias da festa, pois não há muito o que se ver, a não ser os animais presos dentro das baias ou estábulos. O foco está direcionado a outras atividades.

Claro que a evolução faz parte da vida do ser humano e existem motivações para mudanças, mas as raízes não devem ser abandonadas, principalmente quando elas ainda fazem parte da estrutura da cidade, visto que a agropecuária, ao lado do artesanato, formam a base econômica do município.

Algumas atrações, típicas da Exposição Agropecuária de Resende Costa, estão aos poucos minguando, como, por exemplo, a cavalgada Bolivar de Andrade, que passou de uma atividade grandiosa, que reunia centenas de cavaleiros e amazonas de diversos municípios da região, a um evento “esparramado”, no qual grupos isolados de pessoas utilizam a data para cavalgar.

Como não se lembrar também do tradicionalíssimo “desfile de domingo”, que há alguns anos reunia uma multidão de moradores e turistas ansiosos para ver passar pelas ruas da cidade os belos animais expostos, carros de boi, máquinas agrícolas e grupo de cavaleiros que, ao som da sirene do carro madrinha quebravam o silêncio desta (não tão pacata mais) cidade. Neste ano, já não aconteceu o desfile de domingo, apenas os carros de boi desfilaram no sábado, simultaneamente a outras atividades no Parque do Campo.

Tenho conversado com inúmeras pessoas, frequentadoras ou não de outras festas do ramo, e elas são unânimes em dizer que esse desfile é único, não existe em nenhuma outra cidade da redondeza nesses moldes, e que essa tradição não pode acabar.

É extremamente importante que o evento seja sustentável, que traga novidades, que mostre a evolução, inclusive no meio rural, e que traga entretenimento à população. Mas tão importante quanto isso é fomentar a atividade agropecuária, oportunizando espaços de interação entre produtores rurais e entre eles e o público em geral.

É inegável que falar é muito mais fácil do que fazer. Tiro o chapéu para aqueles que, apesar das dificuldades, que sabemos serem muitas, ainda se dedicam a organizar as atrações com os recursos disponíveis. Sei do empenho daqueles que trabalham arduamente para que esse evento aconteça. Sei também que suas intenções são as melhores possíveis. Não tenho intenção de fazer uma crítica direcionada ou individualizada. Longe disso, humildemente quero apenas trazer à tona a discussão sobre a viabilidade de abrirmos mão das atrações tradicionais que nossa Exposição Agropecuária sempre apresentou. Tradição construída no decorrer dos anos e que não deve ficar apenas na memória dos que vivenciaram a “essência da coisa”.

 

*Economista da UFSJ, criador de cavalos Campolina em Resende Costa.

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