BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA: Os “anos dourados” do Brasil de JK


Política

José Venâncio de Resende0

fotoJK, destaque no jornal Público, de Portugal.

O governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, Presidente entre 1956 e 1961, é “hoje recordado, não sem mitologia, como o dos ´anos dourados´, pela prosperidade então alcançada (o salário mínimo de 1959, em termos reais, foi o maior da história do Brasil) e pelos hábitos de consumo que ele proporcionou, pela distensão vivida após o dramático estertor do getulismo, terminado com o suicídio do Presidente em pleno Palácio do Catete, Agosto de 1955, e, sobretudo, pela esperança que trouxe a um país e a um povo de há muito desiludidos com a política, ontem como hoje tida por coutada de elites corruptas, alheias ao bem comum”. Este é um do trecho do artigo de quatro páginas (fotos inclusas) do jurista e historiador Antônio Araújo, publicado em 23 de agosto no jornal “Público” de Portugal, como parte de uma série sobre os “200 anos de Independência do Brasil”. 

Para além dos detalhes sobre a sua origem na mineira Diamantina, “infância difícil”,  até o ingresso na política pelas mãos do então “poderoso” governador Benedito Valadares, que o nomeou em 1940 prefeito de Belo Horizonte, JK foi considerado o “prefeito furacão” ou, segundo Guimarães Rosa, “poeta da obra pública”, que introduziu grande número de melhoramentos na “cidade nova” (pouco mais de 40 anos) “carente de tudo”, escreveu Araújo.

Segundo o autor do artigo, a obra mais emblemática de JK “foi, sem dúvida, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, um espaço de lazer com casino, golfe e igreja, hoje patrimônio da UNESCO, para o qual convidou um jovem e audacioso arquiteto de 33 anos, Oscar Niemeyer, integrado na equipe de Lúcio Costa que, em 1936, projetou a nova sede do Ministério da Educação e Saúde e que teve como consultor Le Corbusier, que viajou até ao Rio a bordo de um zeppelin”. Além disso, o prefeito, “não sendo homem culto e literato”, criou em BH uma orquestra sinfônica, um museu histórico e o Paço das Artes “e levou a Minas vultos maiores da cultura paulista e carioca, como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Jorge Amado, José Lins do Rego, Millôr Fernandes, Caio Prado Jr., entre outros”. 

Responsável por 75% das obras realizadas nos primeiros 47 anos de BH, JK, “um sucesso autárquico que o fez pensar em mais altos voos”, ajudou a criar o Partido Social Democrático (PSD) em Minas (“à direita da esquerda e à esquerda direita”, como diziam) e foi eleito deputado federal em 1945, mas “a modorra dos debates na Câmara não agradou ao seu espírito fazedor, obsessivamente executivo, ainda que se tenha mostrado mestre nos conciliábulos de bastidores”, aliando a “astúcia matreira e mineira com uma jovialidade e uma informalidade desarmantes e nunca vistas nos corredores do poder carioca”, escreveu Araújo. Tanto que chegou a ser censurado pelos colegas pela “tendência para seduzir os inimigos, ao invés de favorecer os amigos”.

Segundo o autor, “Terá sido por esta altura que (Juscelino) ganhou o epíteto de ´peixe-vivo´, da cantiga de roda do folclore de Diamantina, que ele muito amava e adotaria como seu hino não oficial, entoado no funeral em Brasília, uma manifestação popular gigantesca que calou os militares da ´linha dura´, como o ministro do Exército, Sílvio Frota, que se opuseram até, mas sem êxito, a que Geisel decretasse luto oficial”.

“Fé na industrialização”

De acordo com Araújo, quase todas as intervenções de JK na Constituinte de 1948 focaram em obras públicas, como construção de casas populares para os mais carentes e a transferência da capital federal para o Triângulo Mineiro. Para além dos discursos, realizou grandes viagens, uma delas “pelo Brasil profundo, onde conheceu de perto o imenso ´arquipélago interior´ do país, formado por regiões desgarradas, sem contatos nem simbioses, o que adensou no seu espírito a convicção de que era através do interior, e não pelo litoral, que se teria de forjar a unidade da nação brasileira”. Outra viagem, aos EUA e ao Canadá, “reforçou nele a crença na iniciativa privada, a aversão ao comunismo (apesar das amizades com artistas e intelectuais comunistas, em 1948 votaria a favor da cassação dos mandatos dos deputados do PCB) e, sobretudo, a sua fé quase mística na industrialização como motor do desenvolvimento”.

Não foi um “liberal puro”, mas “um partidário do investimento público em infraestruturas e das virtudes da planificação, “à época enaltecidas por economistas como Celso Furtado ou o argentino Raúl Prebitsch, que gravitavam em torno da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)”, segundo escreveu o autor. Na busca de um equilíbrio entre os dois extremos clássicos, seguia a fórmula de Tancredo Neves: “Entre a Bíblia e o O Capital, o PSD fica com o Diário Oficial”.

Governador de Minas eleito em 1951, criou o binômico famoso “Energia e Transporte”, ao abrigo do qual instalou, na região de Belo Horizonte, uma siderúrgica de grande porte, com investimento da alemã Mannesmann, criou a Companhia Energética de Minas Gerais e construiu várias hidrelétricas , mais de três mil quilômetros de estradas, 251 pontes e 160 centros de saúde, “tudo com o intuito de retirar o Estado mineiro da sua condição agropastoril e da histórica dependência do café e gado”.
Segundo Araújo, JK ao apostar na indústria optou pela “menorização da questão agrária”, o que terá sido a sua maior falha. Tanto que “prometeu colmatar num segundo mandato, para o qual pensava em candidatar-se em 1965”, porém a “irrupção da ditadura iria destruir-lhe os planos”.

“Cinquenta anos em cinco”

JK foi eleito Presidente com a margem mínima de 35,68%, por “aliança inusitada” entre o PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de João Goulart, escolhido para vice, derrotando assim a União Democrática Nacional (UDN). Para isso, fez uma “frenética campanha” percorrendo 205.307 quilômetros de Brasil, “mais de cinco vezes a volta ao mundo”, participando de 100 programas de televisão e de 300 mesas-redondas e dando 500 entrevistas, segundo relata Araújo.

Seu mandato foi pautado pelo lema “Cinquenta Anos em Cinco” e por “um ambicioso Plano de Metas que passava pela abertura da economia ao exterior e pela atração de capital estrangeiro, por um vasto programa de obras públicas e de industrialização acelerada e por uma forte aposta na energia, tudo com vista a diminuir os crônicos défices externos do Brasil, mesmo que à custa do aumento da inflação, tido por manejável”, resume o autor. “A amplitude e o ritmo das reformas mudariam a configuração econômica e a paisagem social do país, que só então adquiriu uma feição moderna, industrializada e urbana, mas os críticos salientam o esquecimento da agricultura” e o adiamento da reforma agrária, “a concentração no betão, a excessiva vocação rodoviária e automobilística, em prejuízo do transporte em via férrea, o crescimento desmesurado da dívida externa (de 87 milhões de dólares, em 1955, para 297 milhões, em 1960) e da inflação (de 19,2%, em 1956, para 30,9%, em 1960)”.

Outra conquista de JK,  “impensável, talvez efêmero”, foi o de “conseguir conciliar as reformas econômicas com a democracia política e ao envolver o Brasil num clima de otimismo e esperança ainda hoje recordados com a luz e o timbre do oiro”, observou o autor. Ganhou do humorista Juca Chaves o título de “Presidente bossa-nova”, em canção que seria proibida pela ditadura, “não por acaso”.

Brasília

No prazo-recorde de 41 meses, JK concretizou o “sonho de uma nova capital, inscrito nos textos constitucionais desde 1891”. JK “surpreendeu os pessimistas e venceu os descrentes”, com o arrojado traço urbanístico e arquitetônico, a cargo dos mesmos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. “Enquanto deputado, falara na transferência da capital para o Triângulo Mineiro, mas um deslize verbal num comício em Jutaí acabou por amarrá-lo à escolha do Estado de Goiás, Planalto Central, para a localização daquela que seria a ´metassíntese´do seu Plano de Metas e reformas estruturais.”

A missa inaugural, celebrada na Praça dos Três Poderes em 21 de Abril de 1960, com a cruz levada de Braga, foi presidida por (Dom Manuel Gonçalves) Cerejeira, na qualidade de legado pontifício. Se na época, as relações entre Brasil e Portugal davam-se entre uma democracia e a ditadura salazarista, JK gozou de ampla liberdade de movimentos em Portugal quando saiu do cargo e se tornou ameaça e persona non grata para a ditadura militar, “que lhe cassou o mandato como senador por Goiás e proibiu que o seu nome fosse sequer citado na televisão”.

Em 1966, firmou “um pacto de conveniência com o sinuoso (Carlos) Lacerda (da UDN), que levaria à formação da Frente Ampla contra a ditadura, tão ecumênica quanto inconsequente”. “O resto do tempo passou a sonhar com o regresso da democracia ao seu país (e com o seu regresso ao poder) e a defender-se das velhas acusações de corrupção com que os militares tentaram lesar-lhe o nome e comprometer-lhe o destino.”

Para o autor, há “um consenso quase unânime, à esquerda e à direita, sobretudo ao centro”, de que o legado de JK “se encontra morto e enterrado, no que à possibilidade de repetição diz respeito”. Além de argumentos para novelas e seriados, conclui Araújo, “os ´anos dourados´de JK servem, apenas, como pretexto ou mote para evocações nostálgicas de um passado que, em larga medida, foi mais imaginário do que real – mas é disso, e do sonho, que se faz a política na terra dos homens. Dizer ter sido o melhor Presidente da história do Brasil, o que, atentas as comparações, nem chega a ser um elogio”. 
      
                  

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário