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Rota Lisboa (2, 2022): O encontro de dois impérios próximos do fim*

19 de Julho de 2022, por José Venâncio de Resende

“Os Europeus falam frequentemente sobre a alegada juventude dos países sul-americanos”, disse ele com grande tristeza na voz. “Nenhum deles percebe que somos irremediavelmente velhos. Somos mais velhos do que o mundo. Nada restou, ou pelo menos nada foi descoberto até agora que pertencesse aos que habitavam o continente há milhares de séculos. Há apenas uma coisa que há de ficar para sempre na América do Sul: o espírito de um ódio irrequieto. Vem da selva. Ataca-nos a mente. As ideias políticas de hoje estão ligadas às de ontem por nenhum outro elo que não o do perpétuo desejo de mudança. Nenhum governo consegue resistir porque a selva nos instiga a lutar. Neste momento, existe uma grande agitação em favor de um regime republicano. Pois bem, eles hão de o ter. Conheço demasiado bem o meu povo para tentar impor um derramamento de sangue desnecessário. Estou cansado. Os futuros presidentes que tentem manter a paz civil no Brasil.”

Este trecho faz parte do capítulo sete: “Um Grão-Duque por sua conta”, do livro Nós, Os Romanov – A história secreta de uma dinastia, de autoria do grão-duque Aleksandr Mikhailovich (editora Alma dos Livros, tradução de Francisco Silva Pereira, 1ª edição, Maio de 2021, Lisboa). Foi proferido durante uma conversa entre o Imperador D. Pedro II e o jovem grão-duque, subtenente da Marinha russa, primo e futuro genro do Czar Aleksandr III, em visita ao Brasil a bordo do navio Rynda em sua volta ao mundo. 

“Alguns anos depois, o Brasil tornou-se uma república”, escreveu o grão-duque. “D. Pedro fez o que tinha prometido: abdicou voluntária e alegremente, deixando os seus nervosos sú(b)ditos ligeiramente surpreendidos com a dece(p)cionante facilidade da vitória.”

Na Rússia, a “morte prematura de Aleksandr III (em 1894) antecipou o eclodir da revolução (comunista) em pelo menos 25 anos”, relatou seu primo, ao se referir ao sucessor, o inexperiente Nikolai II. “Essa afirmação certamente não será do agrado dos historiadores marxistas, mas não podemos esquecer que um trono é tão forte quanto o seu pilar mais fraco.”

Voltemos ao início da narrativa do autor sobre a sua passagem pelo Brasil. “Um porto que desafia as arrogantes pretensões de Sydney, São Francisco e Vancouver. Um imperador de barba branca que discute o triunfo iminente da democracia. Uma selva que conserva a atmosfera da primeira semana da Criação. Uma rapariga (moça) de cintura estreita a dançar ao som de La Paloma. Estas quatro imagens ficarão para sempre associadas na minha mente à palavra ´Brasil´.” O autor admite mesmo que “pagaria quase qualquer preço para viver mais uma vez a emoção de me sentir arrebatado pelo espetáculo do belo Rio”.

O grão-duque conta que foi instruído por São Petersburgo a fazer uma visita oficial ao Imperador D. Pedro do Brasil. Era janeiro e o monarca se encontrava na sua residência de verão em Petrópolis, no alto das montanhas, “e um antiquado funicular aos ziguezagues encosta acima constituía o único meio de transporte”. Durou três horas a “aventura” na selva, entre árvores gigantescas e adensamento de plantas, palmeiras, lianas e “outros colossos”, miríades em luta pela existência, papagaios que gritavam, cobras que se arrastavam, pássaros assustados, grandes borboletas que se aparentavam “felizes”. 
                
“Os meus companheiros – dois jovens tenentes do Rynda – benzeram-se quando, ao chegarmos ao topo da montanha, vimos o Sr. Ionin, o Embaixador da Rússia no Brasil. Por aquela altura, já começávamos a duvidar da existência de seres humanos naquele canto do mundo”, assim reagiu o grão-duque. 

O primo do Czar russo disse que gostou muito do Imperador brasileiro “e, uma vez que ele não estava com pressa, passamos mais de duas horas no seu escritório despretensioso e confortável, com grandes janelas que se abriam para um vasto jardim onde inúmeros colibris se atarefavam em busca da sua refeição da tarde. Falamos em francês”. 

“Quando estávamos prontos para partir – prossegue o grão-duque -, ele apôs-me no peito a cruz da Grande Ordem do Brasil. Apreciei a honra, mas admiti a preferência pela Ordem da Rosa, uma estrela de nove pontas numa coroa de rosas. Ele riu-se:

- A Ordem da Rosa é uma das nossas condecorações mais humildes. Praticamente todos a têm. 

“Mesmo assim. Adequava-se melhor à minha ideia do Brasil. Chegamos a um compromisso e aceitei ambas”, resumiu o grão-duque Aleksandr Mikhailovich.

O jovem grão-duque passou os cinco dias restantes da visita na “fazenda” de um comerciante de café russo casado com uma nativa muito abastada, segundo suas próprias palavras. “A mulher de nosso anfitrião tinha duas sobrinhas que viviam com ela na fazenda. Eram ambas jovens, altas, esguias, de cabelo escuro e cintura estreita. (…) Qualquer rapariga a dançar ao som de La Paloma tocada numa viola num jardim tropical iluminado por pirilampos teria parecido linda a um rapaz enregelado pela neblina de São Petersburgo. Sucumbi aos encantos da mais velha – voluntária e avidamente. Talvez ela tenha gostado de mim; talvez quisesse apurar como o Brasil afeta um grão-duque russo. Nada poderia ter sido mais inocente do que aquele romance adolescente de uma ternura acanhada.” 

Aos 63 anos, o grão-duque ainda recordava, com gratidão, aqueles serões de janeiro de 1887.

*Bastante oportuno, por ocasião das comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil 
          
                       

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