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Ilha do Medo / Intrigas do Estado / Tempos de Paz

10 de Agosto de 2010, por Carina Bortolini

Ilha do Medo

Três produções magníficas é o que ofereço a vocês neste mês. Bom proveito!
 
ILHA DO MEDO (Shutter Island, EUA)
Gênero: Suspense / Drama
Direção: Martin Scorsese
Tempo de duração: 138 min.
Ano: 2010
 
Há muito eu não assistia a um suspense como este. Scorcese, premiadíssimo e consagrado diretor dramático, não se aventurava no gênero desde o ótimo Cabo do Medo (1991), e aqui trabalha novamente com seu ator predileto, Leonardo DiCaprio. Ele interpreta Teddy Daniels, um investigador federal que, em 1954, vai com seu parceiro (Mark Ruffalo) para um sanatório de segurança máxima numa ilha à margem de Boston para investigar o misterioso sumiço de uma perigosa interna. Mas os motivos de Teddy ali estar vão além desse caso: ele quer saber a respeito de um outro paciente desaparecido, ao qual atribui a morte de sua esposa. Mas à medida que suas inquirições se tornam inconvenientes e que a atmosfera sinistra do manicômio Ashecliffe o vai envolvendo (técnica de humanização do lugar, a exemplo do Hotel Overlook, do fabuloso O Iluminado, 1977, de Stanley Kubrick), o detetive começa a parecer tão ou mais desequilibrado que os demais internos. Scorcese consegue recriar a aura dos suspenses dos anos 40 e 50, com seu obscurantismo, frases incompletas e clima noir. Incorpora o espírito conspiratório do pós-guerra e do início da Guerra Fria, através da paranóia do personagem de DiCaprio. Eu aplaudo um suspense que não precisa pregar sustos, derramar sangue ou recorrer a elementos fantásticos para deixar o espectador absolutamente tenso durante toda a seção. Tudo são dúvidas, incertezas e enigmas, inclusive o dúbio desfecho. Excelente. Classificação: 14 anos.
 
 
INTRIGAS DE ESTADO (State Of Play, EUA / Inglaterra / França)
Gênero: Drama / Suspense Político
Direção: Kevin Macdonald
Tempo de duração: 127 min.
Ano: 2009
 
Tendo ganhado notoriedade ao dirigir o virtuoso O Último Rei da Escócia (já indicado por esta coluna), Kevin Macdonald nos presenteia com algo ainda melhor. Apesar de ser uma ficção, o que se nos apresenta é – em minha modesta opinião – a melhor abordagem cinematográfica da realidade da imprensa hodierna. Quando a assistente de um senador republicano (Ben Affleck) morre nos trilhos de um metrô e se descobre que a mesma era amante do chefe, a suspeita de ter sido suicídio gera estardalhaço e excita a opinião pública. A cobertura do caso pelo jornal Washington Globe fica a cargo do veterano Cal McAffrey (Russell Crowe), que acaba tendo que trabalhar com a novata Della Frye (Rachel McAdams), responsável por um famoso blog especializado em fofocas na versão on-line do mesmo jornal. À medida que as investigações caminham, eles percebem que há algo muito maior por trás do fato, envolvendo maquinações políticas que giram em torno de uma poderosa corporação que fornece soldados e serviços para guerras do Iraque e Afeganistão. A trama é muito bem amarrada e o roteiro é ágil, mas a grande protagonista do filme é mesmo a imprensa atual sob todos os seus prismas. Helen Mirren encarna a editora do periódico, dividida entre as tirânicas exigências comerciais e a realização do bom e fiel jornalismo. McAffrey, por sua vez, tenta – inutilmente – conciliar seu ímpeto jornalístico e a antiga amizade com o senador envolvido. Tudo isso num ambiente de decadência da imprensa escrita, onde assistimos a tristes quadros de grandes editoras e jornais, com passado de glória e prestígio, fechando as portas. Numa última análise, Intrigas de Estado ainda contribui para tal reflexão – ao final, não há espectador que não se deixe seduzir pelo fascinante mundo do jornalismo impresso. Classificação: 14 anos.
 
 
TEMPOS DE PAZ (Brasil)
Gênero: Drama
Direção: Daniel Filho
Tempo de duração: 80 min.
Ano: 2009
 
Que Tony Ramos é unanimidade entre o público brasileiro não é novidade. Mas espero que este filme chegue a salas de cinema internacionais para que o mundo reconheça que a arte de Tony não deixa nada a desejar a atores oscarizados como Nicholson ou DeNiro, por exemplo. Não sei se a teledramaturgia brasileira tem mesmo piorado com o tempo ou se sou eu quem não tem mais a menor paciência com novelas, mas muitas vezes vemos atores do gabarito de Tony fazendo papéis tolos e sem profundidade, sem explorar ou valorizar seu enorme talento. Ainda bem que temos o teatro e o cinema! O pano de fundo do filme é o fim da Segunda Guerra, quando aportavam no Brasil, todos os dias, navios abarrotados de estrangeiros ávidos por trabalho e fugindo da miséria de uma Europa destruída. O chefe da seção de imigração da alfândega Segismudo (Tony Ramos), que tempos atrás torturava sem piedade nem questionamentos os presos políticos da Era Vargas, passa por uma crise existencial: não é mais necessário ao Estado, que a ele delegou uma função burocrática. Será devido a um mal-entendido que o ator polonês Clausewitz (o também soberbo Dan Stulbach) será a ele encaminhado para interrogatório, sob suspeitas de se tratar de um fugitivo nazista. A quase totalidade do filme é o embate entre esses dois monstros da interpretação, numa costura de diálogos contundentes fruto de um brilhante roteiro. Não se usa o recurso dos flashbacks (à exceção da participação do próprio diretor, Daniel Filho, como um preso político) para que o espectador compreenda o que é dito: são apenas as palavras, com toda sua leveza e magia no caso de Clausewitz ou com toda sua torpeza e fúria saídas da boca de Segismundo, que nos transportam para imagens mentais de poesia ou de horror. A cena em que Segismundo descreve as torturas que infligia é de uma violência tremenda, tanta que considero a classificação etária inadequada. As palavras conseguiram chocar mais que qualquer imagem. O agente não se comove com as tragédias sofridas pelo ator na guerra e pretende colocá-lo no navio de volta à Polônia, e diante do apelo do mesmo, sentencia: “Você tem dez minutos para me fazer chorar”. O resto é encanto e deslumbramento. Classificação: 12 anos (com ressalvas).

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