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Setembro Amarelo

14 de Outubro de 2016, por João Magalhães

Nada a ver com os ipês floridos de setembro que tanto embelezam matas e praças de nossa terra.

Então, o que é setembro amarelo? É uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio com o objetivo de alertar a população a respeito da realidade do suicídio no Brasil e no mundo e suas formas de prevenção.

Ocorre no mês de setembro desde 2014 por meio de identificação de locais públicos e particulares com a cor amarela e ampla divulgação de informações. O movimento acontece todo mês de setembro em todo mundo. Há uma atenção especial no dia 10 de setembro, pois é o dia mundial de prevenção do suicídio. Portanto, é o amarelo do alerta, da chamada de atenção.

O assunto não é novo neste espaço. Há muito tempo, em “Suicídio, você já pensou nisso?” expus ao leitor a formação moral católica, considerando o suicídio o pecado mais grave depois do homicídio, cominando o suicida com penas como negação de exéquias, proibição de sepultamento em lugar sagrado etc.

Acho que agora posso dizer que isso já é passado. Tenho até uma resposta do professor da UNESP, José Manuel Bertoloto, à pergunta em que medida convicções religiosas ajudam a prevenir ou levam ao suicídio: “A maioria das religiões – cristianismo (católicos, protestantes e espiritualistas), islã, budismo, hinduísmo – desaprova e condena fortemente o suicídio. Nos seguidores dessas crenças, as taxas de suicídio são consideravelmente mais baixas do que entre os ateus”.

Uma vivência de cinco anos no ambiente hospitalar (capelão religioso) e o contato com sobreviventes de suicídios frustrados levou-me à convicção, há muitos anos, de quanto esta postura era injusta e quanto prejudicava a prevenção para que este “pecado” não acontecesse. Pelo contrário, criou um tabu na família, que se envergonhava de ter um membro suicida, gerando um silêncio a respeito que ainda perdura.

Nenhum dos suicidas (conheci alguns), nenhum dos sobreviventes cometeu pecado. Todos passavam por descontroles emocionais e mentais profundos.

Como aliás confirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, que após apresentar as estatísticas auferidas de 31 artigos científicos que analisaram 15.629 casos de suicídio no mundo, em 96,8% dos suicídios as pessoas tinham algum diagnóstico de transtorno mental quando se mataram – 35,8% sofriam de transtornos de humor (depressão e transtorno bipolar são os mais comuns); 22,4% tinham histórico de abuso de álcool e drogas; 10,6% sofriam de esquizofrenia. “Quando você detecta que alguém tem aids, faz-se uma notificação compulsória e o Estado vai atrás para tratar. Não temos isso em caso de suicídio. Onde no Brasil você consegue marcar consulta com psiquiatra em menos de três meses na rede pública?”, indaga o presidente da ABP.

O número de suicídios aumenta a cada ano. Por exemplo, no Estado de S. Paulo, de 4,6 casos por 100 mil habitantes, em 2008, passou para 5,6 em 2014. Os homens são 80% das pessoas que cometeram suicídio. Segundo o psiquiatra Jairo Bouer que forneceu estes dados (“Suicídio: como prevenir”) isto é explicado “por uma combinação de fatores, entre eles: maior resistência dos homens em reconhecer dificuldades emocionais e buscar ajuda em fases de crise, menor interação em grupos sociais, maior consumo de álcool e drogas, maior pressão por desempenho profissional e ganhos mais elevados, maior competitividade e impulsividade até 2020”.

A prevenção, a meu ver, começa pela superação nada fácil de dois tabus: Consulta com psiquiatra. “É triste perceber que ainda há gente que pensa que ir ao psiquiatra é coisa de louco” (Vanessa Bárbara: “Histórias Psiquiátricas”) e o mutismo dos familiares. “Acho que muitas pessoas não falam em suicídio porque é uma pecha de fracasso da família, fracasso daquelas pessoas que a amavam, algo como ‘que amor é esse que não consegue manter a pessoa na vida?’”, comenta Ivo O. Farias, que participa de dois grupos de apoio – CVV (Centro de Valorização da Vida) e Vita Alegre – desde que perdeu a filha de 18 anos (2014), que deixou um bilhete: “Gente morta não decepciona ninguém”!

De novo Jairo Bouer: “Para prevenir suicídio é fundamental quebrar tabus em relação à saúde mental, fazendo pessoas e familiares reconhecerem problemas emocionais graves e quadros psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia e abuso de substâncias como ameaças concretas à vida. Essa questão é ainda mais sensível na população masculina, onde cobranças sociais e a margem para lidar com eventuais crises são tão estreitas. O desafio é vencer o silêncio que cerca a vida emocional de boa parte de nós. É importante estar alerta e oferecer suporte para quem precisar!”.

Daí a importância do “Setembro Amarelo” que potencializa o que deve ser feito a vida toda. É o que penso. E você?

 

Obs.: Se houver interesse, clique no Google: “Prevenção do suicídio – um manual para profissionais da saúde em atenção primária”, publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Fonte: O Estado de S. Paulo - 10/9/2016.

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