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Um novo encontro com Machado de Assis: as gralhas

28 de Junho de 2023, por João Magalhães

Numa perspectiva de ver, julgar e agir, a filosofia desta coluna “O verso e o controverso” é biobjetiva. Posicionar-se opinativamente frente a temas que se julgam ter importância nas diversas áreas sociais, sobretudo os polêmicos ou controversos e estimular o leitor a fazer o mesmo.

Ia, portanto, abordar o assunto em debate atualmente no Brasil, que é responsabilizar as assim chamadas big techs pela publicação de fakenews, discursos de ódio, estímulo à violência, pregações racistas, preconceitos, desrespeito a direitos humanos etc. Tudo isso em nome de liberdade de expressão. Proibir ou punir, segundo muitas opiniões, é censurar.

Não precisei fazê-lo, pois o jornalista e vereador Fernando Chaves já tratou muito bem do assunto na edição de maio e concordo totalmente com a opinião dele.

Escrevi novo encontro porque tive outros com Machado de Assis: quando li seus contos, quando li seus romances, quando li seus poemas. Agora encontro-me com ele, lendo suas crônicas, seus artigos, suas críticas teatrais publicadas no jornal “O Espelho”.

Coincidência com o nosso JL: o pequeno jornal tinha apenas 12 páginas! Circulou uma vez por semana, entre 4 de setembro de 1859 a 8 de janeiro de 1860. Foram apenas 19 números, mas acolheu como jornalista o moço Machado de Assis, que seria um dos maiores escritores do Brasil (com apenas 20 anos!).

Sua crônica “As gralhas sociais”, de 18 de dezembro de 1859, impressionou-me por demais, tal sua atualidade. Parece escrita hoje. Partilho com o leitor partes dessa crônica.

“Todos conhecem a fábula e o despimento público das penas que o pavão reclamava e a gralha tinha tomado”. Fábula atribuída a Esopo, fabulista grego de existência duvidosa aí pelo século IV antes de Cristo.

Como não sei se todos a conhecem, reproduzo-a na versão de La Fontaine por ser mais sucinta, embora pessoalmente prefira a versão de Monteiro Lobato.

“Morreu um pavão. Uma gralha pegou as plumas dele e se vestiu com elas. Depois foi pavonear-se entre os companheiros do defunto, fingindo ser um deles. Porém, alguém a reconheceu e ela foi vaiada, humilhada, desplumada, expulsa pelos pavões, e teve de se refugiar entre os seus. O que tampouco a ajudou, pois também a rejeitaram. Há muitas gralhas no mundo que se adornam com bens alheios. Chamam-se imitadores. Eu me calo, não quero aborrecê-los: nada tenho a ver com eles”.

Agora o Machado: “Há diferentes espécies de gralha: a gralha política, a gralha literária, a gralha científica. São espécies cardeais; todas as mais são raios que partem deste foco central”. A crônica alonga-se, comentando as gralhas políticas e literárias e afirma apenas que a gralha científica segue o mesmo processo das outras. Eu acrescentaria também a gralha religiosa.

E Machado continua: “As primeiras penas que a gralha política veste é o sufrágio popular: apoiada por uma ata adulterada, faz-se ser objeto do voto público e com os primeiros louros cívicos de um pavão iludido, abre voo para as poltronas do respectivo areópago. Com esta aurora da vida pública não é de esperar que a gralha política tome outra norma. Enfeitada gradualmente a cada degrau que sobe quando chega ao cimo, a gralha política pode ser tudo menos o indivíduo primitivo” O leitor conhece alguma gralha política de hoje? Eu conheço algumas.

E prossegue: “A gralha literária apresentando as mesmas linhas fisionômicas difere da gralha política em ter mais limitada influência. Vivem da glória alheia. A gralha literária é mais fácil de conhecer que a outra: é que não sabe arrancar as penas ao pavão”. Lembro-me, faz tempo, de Luís Fernando Veríssimo falar, numa rara entrevista, que estava cansado de dizer pela Internet que estavam quase copiando textos dele! Novamente Machado: “Ora, o plágio está hoje introduzido por todos os pontos da sociedade. Até já se furtam os vícios.”

Quanto às gralhas religiosas, que acho que se devem acrescentar, leitores antenados nos tempos modernos saberão identificá-las. Muitos falsos profetas estão emplumando-se de símbolos religiosos, aproveitando-se deles e interpretando-os a seu modo por interesses escusos!

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