Voltar a todos os posts

As Lajes em revista: tessitura de retalhos e sentidos no jornal

26 de Abril de 2023, por Evaldo Balbino

O antigo povoado da Lage nasceu lá nas memórias mineiras dos meados do século XVIII. Depois veio a chamar-se Arraial da Lage e, no início do século XX, Vila Nova da Lage e em seguida Resende Costa. Abrolhou sobre uma enorme laje, com direito a montanhas entregues aos olhos amantes, pores do sol de arrepiar, um mirante para a vida inteira.

Mesmo depois de tornar-se cidade emancipada, essa nossa terra mineira e meu torrão natal, a Lage continuou e continua dando guarida à Tixa (a lagartixa de tantos anos e vidas) e às suas histórias, permaneceu abrigando o tecer de vidas à luz do sol chegando e se indo nos horizontes, persistiu abrindo-se aos nascentes e aos poentes de todos nós.

Ali onde a Tixa sobrevive,há, pois, muita história para se contar e notícias para correr o mundo.

O pequeno réptil gracioso escorrega de pedra em pedra com suas quatro patas cobertas por escamas e com seus dedos pegajosos. Escala as sinuosidades dos penedos, prendendo-se à vida pétrea inabalável. Frio, o seu corpo aparece e some nas reentrâncias porosas dos pedregulhos. Isso mesmo! Cada pedra, como a própria Tixa e todos nós, não deixa de ter seus poros, as vias possíveis de comunicação.

E é comunicando que vamos, a partir dessas vias, criando outras vias, outras vidas escritas a dizerem de nossas vidas em carne e osso e em espírito.

Assim, no ano de 2003, um grupo de resende-costenses, jovens estudantes que desejavam resgatar a memória e a cultura local, arregaçou as mangas e se pôs a produzir o Jornal das Lajes (JL).

Circulando mensalmente em Resende Costa, o periódico, além da versão on-line, também passeia por São João del-Rei, Tiradentes e algumas cidades vizinhas, na região do Campo das Vertentes. Circulando, corporifica o seu nobre objetivo, qual seja: exercer o jornalismo com competência, buscando resgatar e difundir a memória e a cultura da nossa região. Com os olhos voltados para o local, sem deixar de ver o global, as páginas do JL valorizam os potenciais de nosso povo e revelam nossos meandros culturais.

Desde 2003 deambulo pelo jornal. Antes principalmente como leitor e depois de 2009 também como colunista.

Quando convidado a escrever no periódico, pude escolher o nome da coluna que eu assinaria. Reavivaram-se, então, em meu pensamento, as memórias das tessituras da minha cidade. Mergulhei profundamente, como sempre o fiz, na arte de tecer colchas e tapetes que vi minha mãe exercendo a vida inteira tão bem ecom afinco e amor. Não somente ela, mas mulheres, muitas mulheres cuidando de tantas vidas. E, ao depois, muitos homens foram se achegando e emaranhando os fios da existência e contribuindo com o artesanato e com as vidas locais e globais.

Daí o nome da minha coluna: Retalhos Literários. Desde então venho escrevendo nas páginas do JL, cruzando palavras como fiados e tiras de retalhos se cruzam, os pés e as mãos trabalhando, o corpo curvado para frente, os olhos em movimento criativo. Fios, palavras e retalhos se misturam – e tudo é colcha na vida, da vida e para ela. Porque ela, a vida, urge eternamente, palpita em sua beleza, apesar do que a transforma, diversas vezes, em adubo triste sob a terra.

Escrevemos, portanto, tessituras. E tecemos escritas. Buscamos contexturas para que o conjunto se forme, para que os fragmentos se conectem, para que os sentidos do existir aconteçam. Tecer e escrever, arte densa de viver.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário