Resende Costa tem uma tradição de teatro muito significativa. Gentil Vale (Escavações no Tempo, Ecos de Ontem, Estrelas Cadentes) e Alair Coêlho de Resende (Casos e Causos do Vovô Totonho da Chapada) já fizeram a crônica dos palcos e peças (algumas famosas) montadas por resende-costenses, sobretudo nas décadas de 40 e 50 do século 20. Testemunhas que foram como líderes, diretores e atores.
Abel Júnior reengata, agora, esta tradição. Desde 1999, com a fundação de sua companhia Os Embaixadores da Arte, vêm fomentando o teatro em nossa cidade e região, oferecendo cursos de teatro, de formação de atores, montando peças etc.
A surpresa que tive, em 2005, ao assistir Pluft, o fantasminha do nosso ícone do teatro para criança, Maria Clara Machado, o Abel como protagonista e diretor e que motivou meu comentário: “Parabéns Embaixadores” (Jornal das Lajes” nº 32, nov./dez, 2005) repete-se, agora, com sua Entre Frestas, livre adaptação que fez da famosa peça teatral A casa de Bernarda Alba, do grande poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936).
Lorca, em sua trilogia teatral Bodas de sangue, Yerma e Casa de Bernarda Alba expõe ao público a opressão, a exploração, o moralismo, a anulação da pessoa, da sociedade espanhola de sua época, criando personagens tipo, ou seja, símbolos e metáforas de comportamentos humanos.
Parece que com a Casa de Bernarda Alba pressentiu sua morte. A peça é um microcosmo que reproduz o despotismo observado no macrocosmo das sociedades. Para a personagem que ousa enfrentar o sistema (a filha mais nova) só resta a morte. Foi o caso de Garcia Lorca. Nunca viu a encenação de sua peça. Trinta dias após sua leitura, foi perseguido, preso e fuzilado pelas tropas do ditador Franco, na guerra civil espanhola, em 1936. Há um biógrafo de Lorca que levanta a hipótese de que sua execução foi decidida mais por sua homossexualidade que por sua simpatia e moderada colaboração com a república. A peça foi montada pela primeira vez em Buenos Aires, em 1945 e na Espanha apenas em 1964!
Em sua adaptação, Abel consegue concretizar o que escreveu e leu ao público presente: “Lorca traz consigo, em sua obra, uma denúncia ao falso moralismo e a relação da mulher com o universo masculino. E Entre Frestas mantem esses eixos trabalhando, paralelamente, luto e romance”.
Seu trabalho prima pela atualidade do tema: a poda dos direitos, dos anseios de liberdade da pessoa. E pelo título que resume a situação dos habitantes da casa, arquétipo de um sistema liberticida: obrigar a olhar o mundo por frestas de paredes e janelas é impor uma visão estreita, limitada, incompleta e desumana.
A direção fez um teatro moderno com uma criativa exploração do palco e de uma parte grande da plateia, com isso conseguindo que o expectador fique dentro da casa de Bernarda, ou seja, bem ou mal, ele também é um “ator”.
O clima opressivo, desumano, o luto de oito anos imposto pela megera matriarca é muito incisivo pelo sombrio da iluminação, o cortinado escuro, a janela fechada, o décor em geral. A contextualização da peça (a Espanha rural andaluza) vem bem pontuada por um flamenco bem ritmado e “sapateante”.
De vez em quando, uma sonoplastia musical impressionista (Debussy?) reforça a frustração e a revolta represada das mulheres no mundo ocluso a que são submetidas. “Nesta casa não há sim, nem não. Minha vigilância pode tudo”! (Lorca).