Coleção de peças do tropeirismo, semente de um museu histórico?


Cultura

José Venâncio de Resende0

Acervo do Sales do Zé Sebastião (fotos Sales - arquivo pessoal)

Um museu, físico e virtual, que una tropeirismo, Inconfidência Mineira e artesanato em Resende Costa? Essa é uma ideia que começa a circular na cidade - e até já é citado como ponto de partida ao projeto o acervo pertencente a Ricardo Sales Santos, conhecido como Sales do Zé Sebastião. Um “acervo particular considerável de objetos antigos”, diz o membro do Instituto Santo Antônio (IRIS), Emerson Gonzaga Fernandes, mais conhecido por Criolo.

Criolo vê “a possibilidade de criação de um museu que relacione a nossa história tropeira com a Inconfidência Mineira e as origens do artesanato. Pensamos em montar um museu particular, mas precisamos de apoio do poder público para que o mesmo possa existir”. A proposta surgiu algum tempo atrás, quando Sales do Zé Sebastião resolveu exibir sua coleção de peças antigas nos espaços da Exposição Agropecuária e da Mostra de Artesanato e Cultura de Resende Costa. “As pessoas que visitaram gostaram muito, elogiaram (o acervo).”

O acervo de Sales é composto por cerca de 300 peças antigas dos mais variados tipos, a maior parte formada de objetos utilizados em montaria no passado. São estribos, esporas, freios de cavalo, arreios, cilhão (que era utilizado por mulheres), guampa, facas, canivetes, trempe de tropeiro, lampiões, quaica, isqueiros antigos (ou bingas), caldeirões de diversos tamanhos, ferramentas utilizadas na lida com cavalos etc.

E como Sales começou a reunir essas peças? “Desde criança, eu coleciono antiguidades, comecei com moedas. Na época do Monsenhor Nelson (pároco), por volta de 1987, eu tinha 10 anos e era coroinha, quando ele nos deu aquelas moedas antigas que estavam na Casa Paroquial.”

 

Exposição

Uma das pessoas que perceberam a relevância das peças antigas foi o geógrafo Adriano Valério Resende, da Ong IRIS, ao visitar a exposição de Sales nos dois principais eventos da cidade. “Meus colegas da Ong IRIS me incentivaram a abrir o museu para que as pessoas de Resende Costa e turistas possam conhecer (o acervo)”, conta o colecionador. “Resende Costa surgiu de um ponto de tropeiros. Esta seria uma maneira de contar um pouco da nossa historia”, acrescenta Sales.

 “Nós, do IRIS, entendemos que conservamos e exploramos pouco o patrimônio histórico material em Resende Costa”, observa Criolo. “A ideia de criar um museu é uma forma sustentável de resguardar o que ainda resta de nosso patrimônio. Além disso, a cidade precisa investir em ações para captar e fazer com que o turista permaneça mais tempo no município; e sabemos que museu, de forma geral, é visto com bons olhos dentro do conceito de turismo de experiência. Assim, o museu trará renda e fortalecerá ainda mais nossa cultura e nossa história.”

 

É o momento

A museóloga Lais Cristina da Mata e Sousa considera muito interessante para a cidade a proposta de criação do museu. Uma ideia antiga, “Eu sempre soube que um dia isso iria acontecer, e acho que chegou o momento”. Na sua visão, a comunidade de Resende Costa deve ser inserida nesse projeto. “Precisamos pensar o museu fora do tempo, do espaço físico, e como algo integrado”. Com a finalidade de atendimento ao público, “é um espaço de preservação da memória, da identidade de um povo”.

Além de ser um espaço de preservação dos objetos, da memória, da cultura de um povo, o museu também promove pesquisas, estudos, acrescenta Laís. “Então, pensando em curto, médio e longo prazos, o museu pode desenvolver várias ações ativas, envolvendo alunos de escolas, professores, oficinas para artesãos, por exemplo.” Enfim, há “múltiplas atividades  dentro de um museu. O museu não é estático, está em constante movimento. Vai trazer muitos benefícios para a cidade, não só culturais como também econômicos. Seria um presente e tanto para a cidade”.

 

Várias etapas

Durante o processo de criação do museu, há uma série de etapas a serem cumpridas, segundo Laís, que é formada pela Universidade Federal de Ouro Preto e atua como técnica na Universidade Federal de Viçosa (UFV).

De acordo com o estatuto de museus, a primeira etapa seria o projeto museológico, por meio do qual se faz o diagnóstico da potencialidade do acervo que vai compor esse museu (verificar se os objetos estão em bom estado de conservação, se vai ter de descartar algum objeto, se é possível restaurar algum objeto). Nesse projeto, consta também a questão das instalações físicas onde vai ser instalado o museu (o lugar, por exemplo, não pode ter infiltração porque, a longo prazo, isso pode danificar o acervo; o espaço também deve ter acesso para cadeirantes).

A etapa seguinte é o levantamento da pesquisa histórica, documental (é necessário registrar o acervo que vai compor o museu e classificar cada objeto desse acervo).

Outra etapa é o projeto museográfico, que nada mais é do que planejar o espaço onde vão ficar expostas as coleções (deve contar com a participação de um arquiteto que vai ajudar na questão do espaço físico, da iluminação etc.); “por isso, é importante ter uma equipe interdisciplinar (composto por museólogo, historiador, artista plástico, arquiteto); é muito interessante trabalhar com uma equipe bem formada, claro que dependendo da realidade de cada local”.

Outra fase é o estabelecimento da pessoa jurídica (fazer o organograma do museu: quem é o diretor, quem vai ficar responsável por esse museu; daí, pensa-se nos recursos humanos: equipe técnica, ou seja, quem serão os profissionais que vão trabalhar nesse museu).

Outra etapa seria a elaboração do regimento interno (finalidade, visão, missão, objetivo; atribuição e competência – é um documento discriminando tudo). E, por último, o plano museológico (um documento que reafirma a importância do museu, com metas, estratégias de curto, médio e longo prazos, ações educativas, programas que possam ser elaborados futuramente). “É um processo um pouco lento porque envolve muitos detalhes.”

 

Museu virtual (on-line)

“Inicialmente, pensamos na criação de um museu virtual (on-line) para dar visibilidade ao acervo”, revela Criolo, do IRIS. “A partir disso, buscaríamos parcerias público-privadas para a viabilização do espaço físico e para sua manutenção ao longo do tempo.”

A museóloga Laís Sousa considera viável construir um museu virtual ao mesmo tempo do físico. “Ele também requer alguns cuidados. Não é tão difícil de elaborar como o físico, uma vez que ele será hospedado num site, vai ter a versão digital das obras a partir do acervo já existente. Tudo isso necessita da ajuda técnica de outro tipo de profissional. Temos exemplos, como o Museu do Louvre (de Paris) e o Metropolitan Museum (de Nova York), que são museus físicos e têm a versão on-line.”

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