Comunicação ganha espaço e poder

Informação e análise sobre mídia e processos inovadores


Artigo

Beth Cataldo*0

Na virada para os anos 1980, em Brasília, era possível contar nos dedos de uma mão os funcionários do governo voltados, em cada ministério ou autarquia federal, ao atendimento da imprensa. Salas acanhadas abrigavam esses funcionários, boa parte dos quais dedicada a marcar e recortar as principais notícias do dia nos veículos impressos. No comando dessas áreas, a principal tarefa, com raras exceções, era a de driblar os jornalistas interessados em informações avaramente distribuídas.

O regime fechado, ditatorial, prescindia da comunicação, limitava-se a comunicados periódicos ou apenas se esquivava das perguntas mais impertinentes. Mesmo que se possa encontrar simulacros desse comportamento em tempos recentes, o custo de fechar-se em copas, em termos políticos, é muito mais alto hoje. Afinal, ao contrário daquele período histórico, existem eleições regulares e os eleitores podem simplesmente substituir os ocupantes do poder.

Nessa linha do tempo, as estruturas de comunicação agigantaram-se, passaram a ocupar espaços físicos amplos, derramaram-se para fora dos gabinetes burocráticos com uma profusão de serviços especializados de terceiros. Um marco nesse processo de empoderamento no setor público foi a decisão de elevar ao cargo de ministro-chefe o titular da Secretaria de Comunicação no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva – no caso, o jornalista Franklin Martins.

O que se destaca nesse contexto é o reconhecimento da relevância política das ações de comunicação e a ascensão de seus responsáveis ao primeiro escalão do governo. Sentar-se à mesa de decisões com status equivalente ao dos pares mais importantes faz toda diferença em estruturas de poder fortemente hierárquicas e territoriais. A percepção de que a arena midiática é o lugar por excelência da política atual, movida por narrativas e múltiplos atores, completa essa moldura em que se encaixa a comunicação.

É claro que não se trata de um processo linear, o que significa dizer que comporta idas e vindas, recuos e avanços. Nas administrações posteriores aos governos petistas, por exemplo, os responsáveis pela área de comunicação perderam o status de ministro, retomado por Paulo Pimenta no atual governo. O que se mantém constante é a tendência de acentuar-se a centralidade dos temas da comunicação nas esferas de decisão.

 

Mudanças nas organizações

A história vivida pelas empresas privadas não é muito diferente, especialmente depois que os meios digitais passaram a colocar na mão dos consumidores recursos efetivos para contar suas experiências com produtos e organizações. Já são antigos os primeiros exemplos dramáticos de empresas que tiveram a reputação arruinada por depoimentos de consumidores armados com vídeos e áudios incontestáveis. Casos que ficariam antes confinados a grupos restritos passaram a assumir proporções gigantescas.

O surgimento das redes sociais e a sua crescente complexidade mudou de maneira categórica a visão das organizações sobre a atuação da área de comunicação. O antigo conceito de assessoria de imprensa tornou-se estreito para enfrentar o desafio da comunicação moderna e diversificada. A desintermediação dos veículos tradicionais de imprensa promovida pelas plataformas digitais jogou as empresas no contato direto com o público, com as vantagens e os riscos previsíveis.

Os executivos atuais não só dedicam boa parte de seu tempo a ações de comunicação como tiveram que se tornar porta-vozes eficientes de suas próprias organizações. O livro “Muito além do media training” recém-lançado por Patrícia Marins e Miriam Moura, e que tive a oportunidade de editar, demonstra de forma cabal essa nova realidade. Mostra também que aprender alguns truques para se sair bem no contato com a imprensa é um caminho insuficiente.

Tornou-se evidente, ainda, que não basta às empresas, assim como à área pública, contar apenas com campanhas publicitárias clássicas para alavancar marcas e construir reputação positiva. Antes com domínio quase absoluto das iniciativas de comunicação, tanto na área pública como privada, as agências de propaganda passaram a dividir o ambiente com profissionais de formação diversa, muito mais voltados para a abertura de diálogo com o público do que para a elaboração pura e simples de anúncios.

Todo esse aparato que se movimenta em torno de governos, empresas e personalidades não significa atestar que o processo comunicacional que presenciamos hoje cumpra um papel exemplar. O Brasil ainda engatinha na noção de accountability, sempre lembrada como uma palavra que não tem tradução precisa em português, e presencia batalhas ferozes nas mídias sociais para manipular a opinião pública a favor de grupos de interesse políticos e empresariais.

O impacto dessas engrenagens em uma sociedade de baixos índices de escolaridade e renda é frontal. A emergência das ferramentas de Inteligência Artificial (IA) adiciona novas camadas de complexidade a esse cenário. É certo, por fim, que os negócios de comunicação florescem na esteira da democracia, mas aperfeiçoar seus padrões, introjetar princípios éticos e ampliar a diversidade social surgem como desafios incontornáveis para o futuro próximo.

O sociólogo francês Dominique Wolton, referência acadêmica, é capaz de apresentar algumas respostas estimulantes para essas inquietações. “A comunicação não só é uma prática política, mas também uma conquista da democracia”, afirma em seu conhecido livro “Informar não é comunicar”. Mais do que isso, ele defende uma visão humanista da comunicação, na contramão da apologia aos avanços tecnológicos que testemunhamos. Nesses tempos marcados pela hegemonia da concepção tecnicista, seu discurso soa quase transgressor.

 

*Jornalista, foi repórter especial dos jornais Gazeta Mercantil e O Globo, chefe de redação do Jornal do Brasil, em Brasília, e Diretora de Informação da Agência Estado, em São Paulo. No portal do G1, manteve um blog sobre economia e política. Dirige a Tema Editorial, dedicada à edição de livros e a projetos de comunicação.

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