Meu amigo Pedro Paulo Lomba


Artigo

Ivan Alves Filho*0

Convivi durante alguns anos com Pedro Paulo Lomba, um dos precursores da ecologia no Brasil. Era extremamente culto e criativo. Tive a honra de ajudar a viabilizar, juntamente com Francisco Inácio de Almeida, um belo depoimento seu a respeito de uma das maiores figuras do Brasil ao longo do Século XX: o Marechal Cândido Rondon. Originário do Mato Grosso, Lomba criou, em seu estado, o Museu Rondon, em 1972, em homenagem a esse extraordinário humanista brasileiro. Ser amigo de Rondon não era para qualquer um.

Tem mais: Pedro Paulo Lomba foi secretário particular de João Guimarães Rosa por sete anos, exatamente no período em que o grande escritor mineiro redigia o seu “Grande sertão: veredas”. Também não era para qualquer um, convenhamos.

Em conversa que tive com meu saudoso amigo Lomba, no escritório do querido arquiteto Cydno da Silveira, no Rio de Janeiro, logo após a publicação do meu livro “Velho Chico mineiro” (um relato de viagem à parte mineira do rio São Francisco), ele me disse que o que escrevi valia por um Museu Ecológico do Velho Chico. Naturalmente, aquilo me comoveu. Fiquei sem saber o que dizer. Há momentos em que ficamos assim. Ou seja, Lomba havia apreciado muito o livro, a tal ponto que ele, que nunca falara, até aquele dia, a respeito do seu trabalho com Guimarães Rosa, resolveu tecer comentários sobre sua convivência intelectual com o escritor. Como sabemos, João Guimarães Rosa fora criado nas ribeirinhas do rio São Francisco. Nossa conversa, naquele dia, se prolongou por cinco ou seis horas. Foi fascinante para mim.

Segundo Lomba me relatou, seu trabalho consistiu em coletar material para servir de base à feitura da obra: “Grande sertão: veredas”. Lomba pesquisou, em particular, os mitos gregos na Biblioteca Nacional, resumindo suas leituras depois para Guimarães Rosa.

E as revelações que Lomba me fez deixaram uma forte impressão em mim. Guimarães Rosa lhe confidenciou, por exemplo, que escrevera o livro numa variação dialetal intitulada “cassange”, utilizada pelos sertanejos do norte de Minas Gerais. E que seu objetivo fora compor uma espécie de faroeste à brasileira, nada mais do que isso. A humildade era, sem dúvida, uma de suas maiores características. Seja como for, o escritor era apaixonado pelo bang-bang e acompanhava regularmente as projeções desse gênero de filme nas salas de cinema do Rio de Janeiro.

Lomba foi contando para mim que o personagem Miguelim era baseado, na realidade, em seu irmão mais novo. Além disso, Guimarães Rosa tecia observações sobre a sexualidade real de alguns dos seus personagens, que não me considero no direito de reproduzir aqui.

Finalmente, eu me recordo ainda que me surpreendi com a resposta dada por Pedro Paulo Lomba a uma pergunta muito direta que lhe fiz sobre o conservadorismo político de Guimarães Rosa. Em particular, eu quis saber o que o autor de “Grande sertão: veredas” pensava da filosofia marxista. Era uma curiosidade minha apenas. Provavelmente, sua visão da filosofia da práxis nada teria que ver com a qualidade ou o valor de sua obra. O artista era uma coisa; sua ideologia ou posicionamento político, outra. E Lomba respondeu dizendo, para minha surpresa, que Guimarães Rosa considerava o marxismo o pensamento mais avançado de sua época.

Decididamente, as veredas roseanas nunca se esgotam. Pedro Paulo Lomba, ao mesmo título que Guimarães Rosa e Cândido Rondon, foi um brasileiro raro.

*Historiador, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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