Museu de Lisboa conta a história da vida e tradições de Santo Antônio


Cultura

José Venâncio de Resende/Lisboa0

Será que Santo Antônio era gordo e baixo?

Você já ouviu falar de Santo Antônio baixo e gordo? Ou de barba, como São Francisco de Assis? Pois existem. As imagens estão expostas no Museu de Santo Antônio de Lisboa.

Qualquer que seja a sua imagem, Santo Antônio é o personagem principal das famosas festas de Lisboa, realizadas no mês de Junho. Ao lado de São João e São Pedro, ele está relacionado com a tradicional celebração do solstício de verão, no dia 21 de Junho, no hemisfério norte.

O Museu, que pertence à municipalidade, faz parte deste calendário. Fundado nos anos 1960, ao lado da igreja de Santo Antônio, foi reinaugurado em Julho do ano passado, mais amplo e com nova exposição. Segundo Pedro Teotônio Pereira, seu coordenador, o Museu recebe visitantes nacionais e estrangeiros, principalmente brasileiros, indianos, italianos e espanhóis.

Há uma relação muito estreita entre Lisboa e Santo Antônio, que viveu 20 anos na capital portuguesa, antes de ir para Coimbra onde ficou 10 anos. Os últimos 10 anos de sua vida, ele passou no norte da Itália e no sul da França em suas famosas campanhas de evangelização.

Em Lisboa, a igreja de Santo Antônio pertenceu ao Município entre o século 13 e o terremoto de 1755 (em geral, as igrejas são vinculadas ao Patriarcado). Tanto que o Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) funcionava na parte superior da antiga igreja. Do terremoto, restaram apenas o altar-mor e a imagem do santo e, depois da reconstrução, o então Senado mudou de local.

A fama de Santo Antônio ganhou o mundo através das expedições de descobrimentos, nas quais sempre havia a presença de franciscanos. Eles encontravam-se por exemplo nas caravelas de Pedro Álvares Cabral quando o Brasil foi descoberto.

Cigarro e dinheiro

A imagem do santo sempre esteve presente no cotidiano da cidade. A partir do século 19, a Santa Casa de Misericórdia explorou duas loterias (uma no Natal e outra no dia de Santo Antônio) para arrecadar recursos. Em meados do século 20, comerciantes exploravam a marca Santo Antônio em pão-de-ló, cevada moída, rebuçados lisboetas e até o maço de cigarros “Antoninos”. Antes do euro, a nota de 20 escudos trazia estampadas as imagens de Santo Antônio e da sua igreja.

Na sala das imagens, pode ser acompanhada a evolução da aparência de Santo Antônio. As primeiras descrições de um santo baixo e gordo foram retratadas pelo pintor Gregório Lopes (em quadro do século 16 cujo original está no Museu Nacional da Arte Antiga). Santo Antônio de barba é associado a São Francisco, apesar de ele ter morrido jovem. O santo com o Menino Jesus ao colo (do século 16) é associado com a arte barroca. Uma peça de marfim (século 17 ou 18) apresenta Santo Antônio com traços orientais.

A partir dos séculos 16 e 17, surgem imagens de Santo Antônio alistado ao exército, com várias condecorações em diferentes patentes, tanto em Portugal como no Brasil, África, Macau e Índia, por invocação em batalhas vencidas. No século 19, começam a aparecer imagens de Santo Antônio com o Menino Jesus e um saco de pães. A tradição é que o pão seja guardado de um ano para o outro, a fim de que não falte alimento na mesa.

Um livro aberto apresenta o sermão do padre Vieira, de 1654 na cidade de São Luís do Maranhão (Brasil), inspirado no milagre de Santo Antônio ao pregar aos peixes ante a indiferença das pessoas. Um vídeo mostra Maria Bethânia lendo trechos deste sermão, em 2014 no Rio de Janeiro.

Tradições populares

Na sala de tradições populares, destaque para milagres em azulejo, em peças de cerâmica e pinturas. Uma foto retrata o Convento de Mafra construído pelo rei D. João V, em agradecimento a Santo Antônio pelo nascimento de um filho homem que seria o futuro rei D. José I. É uma igreja-palácio que juntou os poderes terreno (moradia do rei) e espiritual (utilizado pelos franciscanos), com a basílica na parte central.

Outro espaço reúne imagens populares que as famílias guardavam em casa. As tradições populares estão relacionadas com casamento, objetos perdidos e outras tradições recolhidas nos séculos 19 e 20 pelos etnógrafos portugueses, inclusive no Brasil. Uma das características dessas imagens é mostrar que as pessoas coagiam o santo a atender seus pedidos, inclusive mediante castigos (virar o santo para a parede, colocá-lo de cabeça para baixo, enforcá-lo, introduzi-lo num poço etc.). Em visita ao Museu, brasileiros contaram a Pedro Pereira que, mais recentemente, a imagem é colocada dentro de um frigorífico até que o pedido seja satisfeito.

Festas populares

Entre os símbolos das festas de Junho de Lisboa, presentes no museu, um destaque é o majerico (majericão de folha pequena) com um cravo e uma quadra alusiva ao amor, que um rapaz oferece à rapariga. A tradição é que o majerico não pode ser cheirado, mas sim tocado e cheirada a mão. Em Lisboa, é costume usar quadras escritas por Fernando Pessoa, como esta:

Todas as coisas que dizes/

Afinal não é verdade./

Mas, se nos fazem felizes,/

Isso é a felicidade./   

Outros símbolos são o pãozinho e o rouxinol, este último feito de barro onde se coloca água para servir de apito para as crianças. Por fim, o famoso trono de Santo Antônio que surgiu depois do terremoto quando a população (inclusive as crianças) se mobilizou para pedir dinheiro para a reconstrução da igreja. Muitas das moedas oferecidas nos tronos eram furadas e usadas como amuleto (pescoço, berço de criança, chaveiro etc.), daí a expressão popular “tostão furado” por perder a utilidade original. Em Junho de cada ano, esses tronos são erguidos em portas de casas, vitrines de lojas, ruas e praças.

As festas de Lisboa completam-se com o casamento coletivo na Sé de Lisboa, concurso de marchas populares dos bairros, procissão nas proximidades da igreja (13 de Junho) e arraiais de Santo Antônio espalhados pelos bairros tradicionais, com muita sardinha assada, arroz doce, sangria etc.  

Museu em Santa Bárbara

Do outro lado do Oceano Atlântico, a cidade mineira de Santa Bárbara também está montando o seu Museu Antoniano por iniciativa da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Econômico. O museu está sendo instalado na antiga casa de câmara e cadeia de Santa Bárbara, bem em frente à matriz, conta o historiador Bernardo Andrade, responsável pelo projeto.

Os conteúdos (textos e imagens) e suportes (painéis, vitrines, bancadas e mobiliários) já estão prontos, mas o acervo ainda está sendo recolhido, explica Bernardo que atua nas áreas de História e Patrimônio Cultural. A paróquia aceitou ceder imagens ou peças sacras, “mas ainda estamos estudando quais peças iriam e como isso seria feito. Também estamos realizando campanhas junto à comunidade para arrecadação de imagens, estandartes, documentos, simpatias, orações e outros objetos relacionados ao culto a Santo Antônio na cidade para expor no museu”.

Além disso, Bernardo está em conversação com Pedro Pereira, do Museu de Santo Antônio de Lisboa, sobre a possibilidade de empréstimo mútuo de acervos, desenvolvimento de parcerias e projetos, exposições itinerantes e trocas de experiências.

As exposições do Museu vão tratar do edifício, da religiosidade e do culto ao santo padroeiro de Santa Bárbara, da vida e obra de Santo Antônio e da sua devoção pelo mundo, explica Bernardo. A Prefeitura já está licitando o serviço de diagramação e identidade visual para os painéis do Museu, mas não há uma data prevista para a inauguração, que deve ocorrer ainda neste ano.

 

O trabalho começou em 2011, na administração do então prefeito Toninho Timbira, que contratou uma empresa de Ouro Preto para idealizar e projetar o museu. Esta empresa por sua vez contratou Bernardo para fazer a pesquisa histórica, desenvolver os conteúdos expográficos e dar consultoria na parte de conceituação e expografia. O projeto preliminar foi entregue. No começo deste ano, a atual administração municipal retomou o processo de montagem do museu, através da empresa MD Arquitetura

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