Há um surto de febre amarela ocorrendo e dizem que é devido ao desastre ambiental patrocinado pela empresa Samarco, em Mariana. A lama marrom matou o Rio Doce, que matou os peixes de escamas prateadas e sapos verdes que se alimentavam de mosquitos de patas listradas de negro e branco - os transmissores - e suas larvas. Não confirmei a notícia, que alguém dirá ser informação tendenciosa da imprensa vermelha, mas minha massa cinzenta acredita nessa hipótese. Que eu saiba, nenhum dos responsáveis de colarinho branco viu o sol amarelo radiante nascer quadrado.
Zé descobriu que teria de se vacinar contra a Febre Amarela para viajar para o exterior. Precisaria emitir um tal de Certificado Internacional de Vacinação e Profilaxia – CIVP. Zé mora no interior, entre as montanhas verdejantes de Minas, montanhas ainda livres das mineradoras que lhes roubam a forma e a essência e deixam desastres ambientais. Porém, Zé desvendou que o site da ANVISA lhe daria toda a assistência para conseguir o tal Certificado.
Passo 1 – tomar a vacina gratuitamente nos postos do SUS ou nos serviços privados credenciados.
Até aí tudo azul!
Zé procurou um serviço do SUS, setor de vacinação, logo de manhã:
- Senhora, estou precisando tomar vacina contra Febre Amarela...
- Aqui não tem vacina, mas chegará à tarde nos postos da cidade, a partir da uma da tarde.
A atendente informou alguns postos e Zé, à tarde, procurou o mais próximo de sua casa:
- Senhora, estou precisando tomar vacina contra Febre Amarela...
- Você tem senha?
- Que senha?
- Cartão alaranjado com um número...
- Não, não tenho. Onde consigo?
- Alguém está distribuindo...
E Zé descobre que só distribuíam dez senhas de manhã e dez à tarde. Que teria de acordar de madrugada para pegar fila. Apesar dos argumentos de Zé, a atendente foi taxativa:
- Eu não trabalho depois das quatro! Se você quiser esperar, problema seu. Não assumo compromisso nenhum, fica a seu critério. Eu não trabalho depois das quatro, eu não trabalho depois do horário! Eu não trabalho depois das quatro!
Zé, meio branco de indignação, saiu à procura de outro posto. Só começariam a vacinar no dia seguinte. Zé foi ao quarto posto. Em dez minutos estava imunizado. Zé fez as contas: dez minutos vezes dez pacientes igual a cem minutos. Aquela enfermeira loura falsa do primeiro posto que não trabalhava depois das quatro gastava duzentos e quarenta minutos. Quatro atendimentos diferentes para o mesmo serviço: um neutro, um péssimo, outro médio e outro excelente.
Enfim, sinal verde para a próxima etapa.
Passo 2 – Realizar o pré-cadastro na ANVISA.
Tranquilo como uma manhã de céu azul de domingo.
Passo 3 – Comparecer ao estabelecimento que emitirá a CIVP.
Zé descobre que não existe este estabelecimento na sua cidade, lá no interiorzão. Os postos da ANVISA só existem em capitais praticamente. Mas a ANVISA credencia postos privados e Zé encontra um a cem quilômetros e parte para resolver:
- Boa tarde! Eu vi aqui no site da ANVISA que vocês emitem CIVP, não é?
- Sim, emitimos.
- Ah, e quanto que é?
- A vacina é R$120,00, mas o CIVP é de graça.
- Ah, mas eu já tomei a vacina.
- Mas só emitimos CIVP para quem toma vacina aqui.
- Então eu tomo outra.
- É, mas a vacina está em falta.
- Uai, e a vacina tomada em posto público não vale não? Ela não imuniza não?
- Não sei, senhor, mas nós não emitimos CIVP para vacina tomada fora daqui não.
Passo 4 – (Não consta do roteiro da ANVISA)
Zé entra em contato com a Ouvidoria da ANVISA, vocifera contra a burocracia, reclama que dificultam a vida do cidadão, pede explicação da razão de credenciarem postos privados (pagos) e não os públicos, pergunta o motivo de a vacina tomada em posto público não valer em posto privado e diz que está vermelho de raiva.
- Raiva? Vacina de raiva não é aqui não, senhor.