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O divã

14 de Maio de 2015, por Rafael Chaves

Ele se sentiu incomodado em estar sentado naquele sofá. Tentou ajeitar-se de modo a parecer tranquilo. Acreditou que, pelo menos, pareceria seguro de si, ainda que o seu interlocutor, pelo menos em tese, pudesse lhe desvendar sem que dissesse uma só palavra. O ambiente era austero. Olhou ao entorno, procurando pelo divã. O divã ele conhecia somente de filmes ou de ouvir dizer. “Jamais vou me deitar num divã”, pensou. Tomou essa decisão para que pudesse se sentir inexpugnável. “Eu não estou doente”, pensou.

O interlocutor sentou-se em outro sofá, mais simples e mais austero, que ficava a uns 45 graus à sua esquerda. Apresentaram-se. Por alguns minutos ficaram em silêncio. Ele em razão de sua incredulidade “o que eu vim fazer aqui?”, o interlocutor aguardando que ele dissesse alguma coisa “o que será que o trouxe aqui?”.   

- Estou me separando! Disseram para eu vir aqui...

Dito isto, e após o interlocutor ter também dito algum monossílabo, ele continuou falando de suas angústias, de seus sentimentos, de seus problemas. Enquanto falava, sentia-se ora aliviado, como uma mula que descarrega seu fardo pesado, ora desolado, como um pássaro que se vê diante de um gato faminto. Separar, depois de anos de vida em comum, não era tarefa fácil. Por isso ele se debatia entre as possibilidades e se flagelava com suas contradições.

Semanalmente, ele foi sentar-se no sofá para dizer de sua separação. Recusou-se a chamar o lugar de consultório, pois que para ele era uma visita, um colóquio, não uma consulta. Então, lá pela quarta vez, meio que entediado de seus próprios infortúnios, resolveu perguntar:

- E você, já se separou?

- Oito vezes, respondeu o interlocutor. E respondeu quase insensível, como se  separar fosse natural, fisiológico. Disse como quem diz que o tempo hoje está frio ou que está nublado ou o que seja. Tanto que, nesse instante, o interlocutor se levantou e impassível encheu um copo com água, sentou-se novamente na poltrona e a sorveu.

- Oito vezes?! – desacreditou.

Não, o interlocutor não tinha ficado viúvo oito vezes; o interlocutor não era um serial killer. Simplesmente tinha se separado oito vezes de suas mulheres e deixado cada uma delas a seu tempo para ficar com a subsequente. Então ele se sentiu mais saudável que sempre e se deu alta. Se era simples assim e ele era apenas um calouro em matéria de separação, ele, na verdade, não tinha problema nenhum. Deu-se alta.

Entretanto, como já tinha tido a coragem de estar ali para visitá-lo, resolveu falar de outras coisas, de suas outras dificuldades, de suas idiossincrasias. Disse ao interlocutor, então, que na próxima sessão pudessem falar disso.

Na próxima sessão, como de praxe, sentou-se na cadeira e, do alto de sua racionalidade e ceticismo, perguntou por onde poderiam começar. O interlocutor então sugeriu que ele falasse de sua mãe e de seu pai. Falou de um modo meio suspeito, como se lhe inquirisse sobre suas relações reais ou imaginárias, estrambólicas e inconfessáveis.

- Olha, esse negócio de mãe, de relação de mãe e filho, de pai e mãe etc., sobre isso eu não quero conversar não. Eu não acho que tenha nenhum problema com isso não.

Diante do impasse que se criou, não se sabe se por cauda dele ou do interlocutor, um clima de incerteza dominou o ambiente. Ele ainda assim insistiu, quebrando o silêncio:

- Tem algum outro meio de você saber o que acontece comigo?

- Tenho feito trabalho com sonhos. Dos sonhos se pode saber muito do que acontece a uma pessoa...

- Mas eu não sonho...

- Sonha sim, todo mundo sonha.

- Mas eu não me lembro...

- Faz o seguinte: deixe um caderno com uma caneta ao lado de sua cama, quando acordar, você imediatamente escreve o seu sonho. Desse modo você não vai esquecer.

- Está bem.

Saiu. Quando alcançou a rua, deu poucos passos e quis voltar. “O divã, o divã...”, pensou. Mais uma vez tinha se esquecido de ver onde estava o divã naquela sala. Não voltou mais lá, nem jamais soube como era um divã ao vivo. 

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