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Ô viagem que demorou!

16 de Julho de 2015, por Rafael Chaves

Eu costumo dar carona. Antes eu nem olhava a quem. Atualmente ando mais seletivo; dou uma analisada no carona antes de parar o carro ou mesmo me permito viajar sozinho para curtir o isolamento, o silêncio, a introspecção. Eu já precisei muito de carona quando era estudante e não tinha dinheiro. É uma forma de eu retribuir aqueles que um dia fizeram por mim.

Quando se pede carona, não se escolhe de quem. Como dizia sempre meu saudoso pai, quem está na garupa não governa a rédea.

Lembro-me do dia em que peguei carona em um fusquinha, lá pelas bandas de Volta Redonda, querendo vir na direção de Juiz de Fora. Estávamos eu e meu irmão. Meu irmão sentou-se na frente e eu atrás. O fusquinha ia pela estrada - como convém a um fusquinha - enquanto tagarelavam o motorista e meu irmão e eu ouvindo. De repente o motorista põe-se mais ao centro da pista, avançando um pouco na faixa e diz:

- Está vendo aquela carreta lá? Vou fazer ela dançar na pista...

Em direção contrária vinha uma carreta cavalo daquelas gigantes e eu “meu Deus, esse cara é louco! ”. Mais que depressa, encolhi-me encostado na lateral oposta do lado que eu imaginava que a carreta colidiria, fechei os olhos e esperei. Alguns segundos depois eu senti o fusquinha dar uma guinada para a direita e, ao mesmo tempo, um vento quente e o som ensurdecedor de uma buzina deslocar o carro.

- Caminhoneiro doido, sô, se eu não saio ele passa por cima da gente – disse o motorista, inconformado com o insucesso do seu plano.

Ô viagem que demorou.

Outra vez, descendo a serra em direção ao mar, época de carnaval, peguei uma carona. O carro estava tão cheio, que o pessoal parecia ter juntado as malas para passar o feriado na praia, mas, solícitos, ajeitaram de modo a me caber.

Depois de alguns poucos quilômetros ladeira abaixo dei-me conta de que a alegre e festiva solicitude vinha de bebidas e lança-perfumes que consumiam sem a menor cerimônia. Pior, o motorista que inicialmente recusara cheirar o lança-perfume resolveu acatar as insistentes sugestões dos passageiros e mergulhou seu nariz num lenço inundado de entorpecente e eu “meu Deus, esse cara é louco! ”, abaixei a cabeça, fechei os olhos e esperei o motorista desmaiar e o carro despencar no precipício.

Ô viagem que demorou.

Inesquecível também foi a vez que parei o carro para dar carona a um sujeito na saída de São Brás do Suaçuí, direção de Belo Horizonte. Desta vez eu era o motorista. Entra um sujeito mal-encarado, de olhar vago e com cicatrizes no rosto e braços.

Geralmente, o assunto nas caronas é introduzido falando-se meteorologicamente “frio hoje, né?”, “parece que vai chover”, essas coisas.  Entretanto, nesse dia o tempo fechou. No que eu falei qualquer coisa, o carona disse que tinha saído da prisão, que não tinha um destino certo e que não sabia direito onde pararia e eu “meu Deus, esse cara é louco!”. Eu não sei aonde arranjei a impassividade, a indiferença e a serenidade com que reagi ao que ele dizia e à presença dele, embora o temor tomasse conta de meu espírito. Suspirei aliviado quando ele resolveu descer logo à frente, em Congonhas.

 

Ô viagem que demorou.

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