De um ponto de vista

Papa Francisco e religiosidade

26 de Julho de 2023, por João Bosco Teixeira 0

A mídia andou divulgando uma notícia, cuja veracidade não me foi possível verificar. A título de reflexão, vou acatá-la como verídica. O Papa Francisco teria feito uma declaração em que considera o atual presidente do Brasil inocente, frente às acusações que lhe foram feitas e o levaram a ser condenado em três instâncias judiciais.

Duas considerações. Do ponto de vista de “inocente ou não”, e do meu ponto de vista, pondero que o Francisco anda muito mal informado. Ponto.

Do ponto de vista diplomático, entendo que Francisco cometeu um erro. Ele é um Chefe de Estado. Quer me parecer que sua declaração não cabe nas relações diplomáticas; intrometeu-se em assuntos de Estado.

Podemos, entretanto, nos valer do assunto para uma reflexão. Parte notável dos católicos brasileiros ficou decepcionada com Francisco. Houve quem gostasse, é natural. Mas aquela numerosa gente, que sempre nutriu para com o Papa Francisco carinho e atenção especial, não gostou e ficou muito chateada. Pior, essa gente leva tais sentimentos para o lado da religiosidade.

Tenho uma amiga que, antes de ir à missa, telefona para saber quem será o celebrante da liturgia. Dependendo da resposta, vai ou não à celebração.

Fica claro que tal comportamento faz uma confusão inadmissível entre religião e religiosidade. Do ponto de vista da religiosidade, o comportamento da amiga não cabe. Se nossas atitudes, expressão da nossa religiosidade, se prenderem aos aspectos institucionais da religião, corremos enorme risco de sermos incluídos entre os “hipócritas”, aqueles para com quem Jesus quase perdeu a paciência. Indaga-se: que é mais importante? O padre ou a comunidade que se reúne para, conjuntamente, celebrar a Palavra e a Memória da passagem de Jesus pela morte?

A religiosidade não se reduz a uma manifestação da religião. A religiosidade precisa, de um lado, fundamentar a manifestação da religião; e de outro, ir além da mera representação da religião. Confundir a religiosidade com ritos e outras manifestações da institucionalização da religião não convém e não é correto. O Papa pode significar tanto para os católicos. Nada, porém, de se submeter a própria religiosidade a ele. Ele é o líder de uma determinada religião. Mas não responde pela religiosidade das pessoas. Não faz mal lembrar que já houve tantos papas nada exemplares para os fiéis. E eram a máxima autoridade da religião, não da religiosidade.

Tenho para com o Papa Francisco enorme admiração. Professo minha adesão às propostas dele para a Igreja, lindamente expressas em duas Cartas-Encíclicas: “Louvado Sejas” e “Todos irmãos”. Grande que seja, notável que é, não pode ocupar ou determinar a dimensão da religiosidade individual. Esta, independe da institucionalização da religião, independe de fatores passageiros, externos às pessoas.

Minha amiga não deveria ir à missa dependendo de quem seja o celebrante.

 A religiosidade das pessoas não pode ser abalada porque o admirável Papa Francisco disse isso ou aquilo.

Haja Pampulha. Haja mineiros.

28 de Junho de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Belo Horizonte está comemorando os oitenta anos da Pampulha. E com Belo Horizonte, toda a Minas Gerais, que se orgulha da capital que possui, síntese expressiva do estado e do Brasil, em todas as suas dimensões.

Oitenta anos de Pampulha. Ora, falar de Pampulha é falar de Juscelino. E falar de Juscelino é falar de mineiridade. Mineiridade, que é tanta coisa, mas que tem na altivez, certamente, algumas de suas características mais acentuadas.

Por que celebrar, entretanto, o passado se há um imenso futuro pela frente? Seja porque considero o passado, mais que o presente, melhor expressão de nossa genialidade e grandeza mineiras, seja porque o presente quase me envergonha. Os dias atuais parecem me dizer que Minas já não há mais. Onde estão mineiros ilustres, particularmente na vida pública federal, capazes de fazer atuais os momentos gloriosos em que Minas exercia o insubstituível papel de harmonizador da vida pública, de costurador das divergências, transpondo para a vida política o que a configuração geográfica do grande estado significava para o Brasil: o corredor que une o norte ao sul, o leste ao oeste? Minas não une mais, por falta de políticos que coloquem os interesses da nação acima de seus interesses pessoais. Há quanto tempo faltam mineiros nos postos chaves da nação? Hoje, presidindo o Congresso Nacional, está um mineiro, no Supremo outra. Melhor fora que lá não estivessem, pois parecem desempenhar uma política mesquinha, feita de subserviência. Ora, subserviência não é a cara de Minas. Subserviência não combina com Minas Gerais.

Minas Gerais está de máscara. Máscara que encobre os traços nobres de nossa gente, que é simples, mas cheia de pudor; que é amiga, mas com dignidade própria; que é dos vales, mas também das montanhas, donde se pode descortinar o longe da vida e da existência. Não, Minas não se curvou à derrama, não pode se curvar a uma vergonhosa política destituída, por completo, de qualquer sentido republicano.

O mineiro Darcy Ribeiro, cujo centenário de nascimento comemoramos no ano passado, disse certa vez: “Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra”.

Não sei se o grande mineiro diria isso hoje, ou se confiaria nos pouquíssimos mineiros que hoje ocupam algum espaço na administração federal de nosso país. Os poucos que lá estão sequer se dão conta de que são vilipendiosamente manipulados.

Pampulha está conspurcada pelas atitudes daqueles que não a enxergam como sinal de cultura rebelde, de superação de parcerias facciosas, de proclamação de uma liberdade enriquecedora.

Haja Pampulha. Haja mineiros, quais outros Juscelinos, enobrecidos e conscientes da simbólica beleza daquelas paragens.

Deixem

24 de Maio de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Domingo, 30 de abril, dez horas da manhã: final da Superliga Masculina de Vôlei. Dois grandes times, ambos de Minas Gerais, que haviam derrotado, nas semifinais, equipes de São Paulo. Mais uma vez tivemos uma final “pão de queijo”.

O Itambé/Minas fez uma superliga irregular.  Aos poucos foi que conseguiu alcançar o patamar que muitas vezes lhe coube. Chegou à final.

O Sada/Cruzeiro, embora tivesse perdido seu talvez maior expoente, durante a competição, encabeçou sempre a classificação. E a final lhe era devida.

Para orgulho de Minas e dos mineiros, duas grandes equipes. Mas, na verdade, uma melhor que a outra. Uma diferença tão acentuada que a ninguém passou desapercebida. E, coisa mais notável ainda: a melhor equipe, do Sada/Cruzeiro, entrou em campo como se estivesse disputando a taça pela primeira vez. Que garra! Que luta! Que aplicação! Em consequência: sobrou em quadra e, mais ainda, não deixou o Minas jogar. Literalmente, o Itambé/Minas não conseguiu jogar.

Apaixonado pelo esporte, até porque sou educador – e acho que só isso tenho sido na vida –, fica para mim, dessa disputa final no vôlei masculino, uma lição nada desprezível: em quantas circunstâncias, em quantos momentos da vida, pessoas, reconhecidamente brilhantes, ou ocupantes de postos com poder próprio inalienável, não deixam que seus subordinados, ou outros que com elas convivam... vivam. Que experimentem quanto é difícil o viver.

A disputa final do título da Superliga Masculina de Vôlei era uma competição em que vencer era essencial, isto é, derrotar o adversário.

Na vida, é diferente. Quando na vida se estabelece a competição, quando na vida para vencer é preciso derrotar alguém, a competição estabelecida se constitui em erro imperdoável.

O esporte faz parte da vida. A vida, porém, não se reduz ao esporte. O esporte é notável recurso para o processo educativo. Este, no entanto, vai bem além da beleza e importância do esporte. O esporte é boa ocasião para que se aprenda a lidar com a frustração. Mas, na vida, a frustração não pode significar derrota. A meu ver, pois, é preciso eliminar do processo educativo qualquer competição, dado que se lida com gente diversificada em suas aptidões. A única competição possível em educação é aquela estabelecida entre uma pessoa e ela mesma. Ela consigo mesma.

Como se erra quando no trabalho, na experiência religiosa, na busca da felicidade, da liberdade, estabelece-se quase como que uma competição entre os vários atores da vida: o pai que não deixa o filho viver – blinda de tal modo o filho que não lhe sobra espaço para viver; o professor que não deixa o aluno aprender – quer lhe ensinar tudo; o padre que não deixa o fiel duvidar, cobra dele sempre  uma fé inabalável; o instrutor do esporte que  não admite uma queda da bicicleta, a perda de uma penalidade máxima, o salto mal executado – quer seus aprendizes longe do risco.  

Viver é perigoso.  Mas, “deixem-me viver”.

Vinte anos do Jornal das Lajes

26 de Abril de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Vinte anos de um jornal, não são vinte anos de uma praça, de uma estrada ou de qualquer outra obra física. São vinte anos de crença, de confiança, de perseverança e trabalho.

As atividades culturais, sujeitas a contratempos e imprevistos, geradores de possível desânimo e descrença, exigem verdadeiro e heroico desafio por parte de quem vive o projeto e a execução de um jornal com atividade ininterrupta. É preciso, então, comemorar os vinte anos do Jornal das Lajes com alegria e entusiasmo e congratular-se com seus idealizadores e consequentes mantenedores.

Sem deixar de cumprimentar os numerosos colaboradores que mantiveram o Jornal nas suas 240 edições, apraz-me cumprimentar aqueles que, hoje, quando as dificuldades não são menores que antanho, mantêm esse jornal, orgulho de uma cidade interiorana.

Vanuza Resende, multifacetada nas suas matérias, mantém o público a par do esporte; preocupa-se com tudo, desde o estádio – que me recuso a chamar de arena – até às melhores notícias esportivas, regionais e nacionais.

João Magalhães volta-se, com frequência, para a política nacional.

Bruna Moura Barbosa e Adriano Valério Resende não deixam despercebido o cuidado para com o meio ambiente.

Vitória Cristina ocupa-se, com expressiva propriedade, da educação e de outros que fazeres da vida quotidiana.

Evaldo Balbino, José Antônio Oliveira de Resende, Regina Coelho, com sua pena magistral, garantem uma artística leitura da vida plena. Plenitude literária na riqueza de sua expressão cultural, histórica, biográfica, educacional, humorística. Esses artistas da palavra produzem, a cada edição do Jornal da Lajes, páginas memoráveis.

José Venâncio de Resende, que dizer, ou, que não dizer? É escritor que ilustra qualquer periódico nacional e mais, seja pela variedade de suas matérias, seja pela invulgar qualidade produzida. A cada mês o Jornal das Lajes se enriquece com sua diversificada presença. Um verdadeiro expoente.

Outros numerosos colaboradores, valorosos e competentes, levam o Jornal das Lajes por todo lado, com suas duas mil tiragens. E nada da vida resende-costense passa ignorada.

Os Editoriais do Jornal proclamam a seriedade com que a empreitada é levada adiante. 

A colaboração publicitária dos vários setores da comunidade, e de um que outro lugar, garante a distribuição gratuita da edição. Algo admirável e testemunha da preocupação com a cultura vivenciada pela população.

Hoje, sem nenhuma desconsideração para com qualquer outra pessoa, vale lembrar ROSALVO PINTO por sua identificação com o Jornal das Lajes e com sua terra natal. Ainda na edição de fevereiro passado, Rosalvo foi homenageado por Floriza Beatriz de Sena Paula. Para quem o conheceu, nada a dizer. Para quem não o conheceu, as palavras seriam pobres para descrevê-lo. Felizes nós que com ele convivemos, aprendemos e enfrentamos a vida.

Resende Costa tem, nos vinte anos do Jornal da Lajes, soberbo testemunho da cultura de seus onze mil e poucos habitantes. Ela é, pois, merecedora de muitos aplausos.

Salve, Jornal das Lajes! Viva Resende Costa!

Cotidiano

29 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Era uma criança nos meus felizes oito, nove anos. Comentava com um padrinho que o dia da semana que mais apreciava era o sábado. Ele me entendia e me disse: “Você nasceu em dia de sexta-feira com os pés no sábado”. Nasci mesmo numa sexta-feira, de Dores, na antevéspera do Domingo de Ramos. Gostei do que meu padrinho falou: “É isso mesmo”, reagi, “o sábado deixa a gente livre e até o que tenho para fazer no sábado é mais alegre e mais feliz.” E era quase que só divertimento: ausência de aula, futebol, empinar estrela, passear com papai pelas beiradas da cidade e convivência aumentada com os irmãos. Sábado era bom demais. Os sábados eram dias que não cabiam dentro do tempo.

Já crescido, adolescente, novamente uma conversa semelhante com um dos superiores do seminário em que me encontrava. Falávamos de nossas vidas diárias, desenvolvidas também nos feriados e nas numerosas festas que invadiam de entusiasmo e alegria o internato. Aqueles dias em que a gente “mal enxergava as pessoas, só supunha”. Lá pelas tantas, o superior, gente fina lá de Santo Antônio do Amparo, me disse: “Gosto mais é do dia a dia; do corriqueiro dos dias comuns em que a vida é sem percalços ou com os percalços comuns da vida”.

Aquilo me chamou a atenção. Cresci e pouco a pouco fui me convencendo de que somos seres do cotidiano. É no dia a dia que se estabelece a comunidade de vida. Comunidade de comunhão e não de dominação, comunidade de libertação e não de escravidão. Lembra-me tanto Guimarães Rosa: “Miguilim, Miguilim, vou ensinar o que agorinha eu sei, demais: é que a gente pode ficar sempre alegre, alegres mesmo com toda coisa ruim que acontece acontecendo... alegre nas profundezas”. E isso pertence ao cotidiano. É nele que lemos o mundo nos olhos do outro. Tudo aí se torna signo, sentido, poema. O dia diferenciado, a festa, pode empanar o essencial da vida. Essa é feita de simplicidade, sem complicações ou com as naturais complicações da vida, vez que o homem não nasceu para morrer, mas para começar. Nasceu para viver sua vida como um poema, sempre nascendo e renascendo. No todo dia. No cotidiano.

O cotidiano não me cansa. A festa, às vezes, sim. O cotidiano me faz inúmeros desafios. A festa apenas os celebra. O cotidiano me tranquiliza. A festa me excita. O cotidiano me ensina que não é desonra ser vencido. A festa, às vezes, me leva a recusar-me a combater, iludido pelos festejos fugazes. Enfim, o cotidiano me lembra até que o amor não é um momento na vida, mas a revelação de seu sentido, pois cria exigências, provoca crises, mas traz o gosto de viver. Na festa, o prazer. No cotidiano, a vida.

O melhor da festa é esperar por ela. Isto é, o melhor é o cotidiano que gera a festa.