De um ponto de vista

CNBB

01 de Marco de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Dia oito de janeiro passado ficou marcado como um dia de vergonha nacional. Gente que há dois meses se postava pacificamente nas portas dos quartéis do Exército, por todo o país, repentinamente resolveu invadir as três grandes sedes dos “antigos” três poderes nacionais. Antigos, porque agora temos um único poder, ao qual se submetem os outros dois.

Além de ter sido um ato que envergonhou o país, muitos não entenderam por que se chegou àquilo. Os fatos posteriores esclareceram muitas questões. Outras serão esclarecidas. E não devidamente punidas, é lógico. Ou parcialmente punidas. Ou, melhor ainda, discriminadamente punidas.

Entre as organizações que se mostraram abismadas com os fatos e se manifestaram pedindo “responsabilização no rigor da lei”, encontra-se a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A CNBB é uma organização de direito privado. Organização da hierarquia da Igreja Católica. Fala pelos bispos brasileiros sem tirar de nenhum deles a autoridade própria que cada um possui. É uma instituição que busca harmonizar as atividades pastorais em nível nacional. Tem obtido, ao longo dos anos, muito êxito. Conta com o apoio de parte notável dos bispos, que, às vezes, se constituem em grupos diferentes, frente à visão pastoral que da Igreja se pede. Não se constitui como essencial à vida da Igreja, muito menos essencial ao “Seguimento” de Jesus. Os fiéis, na sua grande maioria, veem a CNBB como organização importante, a respeitam e buscam ouvi-la.

Como organização, a CNBB tem pleno direito, e até mesmo autoridade, para se manifestar sobre a vida nacional em suas variadas manifestações. Foi o que ocorreu, após os fatos do dia 8 de janeiro.

No entanto, de meu ponto de vista, considero um “risco” muito grande tal manifestação. Em primeiro lugar, por não se ter esclarecido a quem imputar a culpa das invasões. Quem estava por trás daquilo? Certamente, não os pacíficos ocupantes das portas dos quarteis, nos meses anteriores. Mas, muito mais que isso, considero um risco por não ver outras manifestações da CNBB frente a fatos muito mais sérios que ofendem a celebrada “opção preferencial pelos pobres”, fatos ultrajantes da democracia e outros, qual o retorno da censura no país.

O risco da “omissão”, do “silêncio”, da “contradição”, e até mesmo da “hipocrisia” frente a outros fatos vergonhosos deveria ser considerado pela CNBB. Ela não fala pelos fiéis, mas estes a respeitam e acreditam nela. O respeito que os fiéis têm pela CNBB não admite dela manifestações “escolhidas”, segundo visões ideológicas, responsáveis pelas divisões entre o episcopado brasileiro. Relativamente aos fatos do dia 8, será que a CNBB aprova os procedimentos jurídicos adotados pelo poder público brasileiro ao criar um “campo de concentração” para uma maioria absoluta de pessoas inocentes?

Não tenho dúvidas: manifestações contra os acontecimentos do dia 8 de janeiro são uma atitude louvável. Calar-se diante de outros fatos não menores, para mim é um “risco” que a CNBB não precisa correr. Ela põe a perder a credibilidade da instituição, que passa a ser considerada como adepta de ideologia, nada compatível com a visão cristã do mundo.

Novo ano começou

26 de Janeiro de 2023, por João Bosco Teixeira 0

Agora é começo de ano. Por mais que se queira dizer que o primeiro dia de um ano novo é igualzinho ao último dia do ano que terminou, a gente sempre acha mil motivos para dizer que o ano é novo, e o dia é diferente. Somos assim. Gostamos de começar, porque gostamos de esperançar. Gostamos de acreditar no novo, porque muitas vezes não suportamos o velho.

Mais que isso, entretanto, é a verdade de que estamos em eterno movimento. Movimento que nos leva a compreendermos as coisas de maneiras novas e diferentes à medida que passamos pelo ciclo da vida e à medida que juntamos e processamos novas experiências que moldam o modo como compreendemos a realidade.

Tomo emprestada a metáfora de um horizonte em expansão. O horizonte em expansão sugere como ocorre a nova compreensão que gostamos de imprimir aos novos dias. O horizonte físico é a linha onde a terra e o céu parecem se encontrar. No campo psicológico ocorre o mesmo fenômeno. Nele, o horizonte psicológico é o espaço, ou escopo visual, dentro do qual percebemos os objetos. Pois bem: à medida que o horizonte psicológico se amplia, mais objetos são incluídos no quadro, suas posições e valores mudam em sua relação mútua e eles assumem novas dimensões e sentido. À medida que nosso horizonte existencial se amplia e abre, nossa própria identidade se desenvolve, mediando mudanças em termos de percepção e juízo que podem ser até radicais.

O ano novo, ou qualquer nova realidade, é enfrentada pelas pessoas como um novo horizonte, sujeito a tanta coisa. Ao mesmo tempo, apesar das possíveis mudanças, das possíveis novidades, a pessoa permanece sendo aquela mesma pessoa capaz de se valer da nova oportunidade para analisar e justificar, aceitar e recusar os elementos e causas da mudança. Com isso, e por isso, se dá o fenômeno do desenvolvimento humano. A novidade, um ano novo, por exemplo, propícia ocasião para o crescimento, para o desenvolvimento que ocorre com igualdades e diferenças, com permanências e transformações.

A existência humana é uma existência histórica. É uma existência sempre em movimento no tempo; nada é estável no tempo; nada é imutável no tempo. Ser humano é movimentar-se, irreversivelmente, ao logo do tempo. Por isso, os novos significados, as diversas percepções que imprimimos em nossas vidas não são e não podem ser estáveis. São saudáveis, porque naturais.

É preciso, entretanto, encontrar nas novidades, nos novos significados, algo que permanece constante ao longo da história, na medida em que o sujeito humano, que está mudando, retém uma identidade básica. Portanto, o desenvolvimento, expressão de uma vida rica, precisa, pode, deve acontecer, sem minimizar a pessoa que está se desenvolvendo. A novidade na vida precisa ter o caráter de crescimento. Nunca de aniquilamento.

Novas luzes para que a monotonia não desencante a vida.

Novo ano começou.

Advento. Chegada.

21 de Dezembro de 2022, por João Bosco Teixeira 0

Quanta “chegada” realizamos na vida!

Chegada da rua. Chegada da casa de nossos pais. Chegada de viagem.

Chegada do aniversário. Chegada da formatura. Chegada do primeiro pagamento. Chegada do casamento.

Chegada dos filhos. Chegada das muitas bodas. Chegada das aposentadorias.

São “chegadas”. São tempos passados. Vividos. Irrepetíveis, pois não são repetição de nada. São lembranças, mais ou menos intensas. Até saudades.

As “chegadas” parecem se revestir de algumas notas características: alegria, satisfação e até alívio... “coisa boa é chegar em casa”.

As “chegadas”, entretanto, não parecem ter, obrigatoriamente, a conotação de um recomeço. Podem conter essa dimensão, pois pode-se chegar para se retomar; pode-se chegar para se partir mais uma vez; pode-se chegar para enveredar por outros caminhos.  E pode-se chegar até para esquecer: “Ufa, que luta, até que enfim!”

Por outro lado, é certo que o encanto das chegadas é proporcional à sua expectativa. Quanta gente concorda com o dito popular: “O melhor da festa é esperar por ela.” Não por nada, o Pequeno Príncipe já dizia: “Se vens às quatro da tarde, desde as três começarei a ser feliz”. É assim: há expectativas de chegada que aclaram noites sombrias, enfeitam ocasiões frustradas, despertam sorrisos onde lágrimas seriam naturais.

 

Advento, chegada.

 

Agora, estamos numa “chegada” especial: todo ano, por quatro semanas, a gente se põe em movimento, em clima de “chegada” para a comemoração do nascimento de Jesus. Ele não vai chegar. Já veio, ficou, morreu e “está no meio de nós” ressuscitado. Mas somos convidados a “chegar”. Somos convidados a nos preparar, a nos movermos em expectativa para a celebração da memória, da lembrança do Menino que nos relembra tantos outros meninos.  

Por que tanta preparação para alguém que não vai chegar? Por que todo ano repetir esta festa cheia de luzes, de cores, de canto?

Ora, não fazemos isso, a cada ano, para as pessoas a quem amamos? Não fazemos isso para as pessoas que dão sentido às nossas vidas? Não fazemos isso para as pessoas que completam nossas existências? Para as pessoas que nos ajudam a transformar nossas dores em alegria e saúde?

Vai chegar o Natal. Está chegando. Se não houver motivos para celebrá-lo, nem sequer vamos conseguir esperá-lo. O menino que foi Jesus já se foi. Agora “está no meio de nós”, como fonte de esperança, luz para os momentos de trevas, alegria para nossos amores, fortaleza para nossos sofrimentos. Preparar a celebração de sua memória é o caminho que fazemos nesta “chegada”.

Chegada que pode ter novas cores, que pode significar uma retomada de caminho. Já que não faz muito sentido ver Jesus como linda criancinha num presépio, dele pode nos vir a inspiração de, em seu lugar, vermos outras crianças ali deitadas, crianças que não têm quem cante para elas: parabéns pra você.

Advento. Chegada: luzes, flores, sons. Imensa solidariedade. Crianças mil.

O primeiro compromisso de Minas

23 de Novembro de 2022, por João Bosco Teixeira 0

Um colunista como eu não pode se omitir em dias como esses que vivemos, anteriores e posteriores à eleição em segundo turno. Vimos e pudemos constatar um Brasil rachado ao meio, bem ao meio. Não é isso o que se pede de um processo eleitoral. Opiniões diversas são saudáveis num processo democrático. Opiniões antagônicas são toleráveis também, como expressão da vontade popular. Insuportável, todavia, não foi e não é nada disso. Outras ocorrências é que quase me traumatizaram por incríveis, por inacreditáveis, por jamais terem sido vistas anteriormente nesse nosso Brasil

Como posso dormir – pior! – ficar acordado com palavras e posturas mais ou menos deste jaez: não se pode admitir a volta da censura, sob qualquer argumento; mas a liminar que pune a censura pode ser aprovada por enquanto. Dorme com um barulho desses e diz que dormiu bem.

Essas palavras relatam coisas muito sérias. Uma delas, talvez a maior: a Constituição está suspensa por enquanto. Isto é: implantou-se um estado de exceção, fazendo calar a população, rasgando-se a Constituição. Quem toma uma decisão inconstitucional é um fora da lei e não um superior à lei.

O que se viu, nesses dias passados, foi um ataque à democracia pela negação da Constituição. Na semana em que, por excelência, a liberdade deveria ter sido proclamada do alto das torres, presenciou-se uma barbárie jurídica. Pode-se mesmo dizer: fica suspensa a civilização, pois só vale a força, só valem atitudes políticas tomadas por gente que não foi eleita para isso, destituída de qualquer noção de bem comum. Ou que, então, faz do próprio bem o critério do bem comum.

Vamos vivendo o samba do “cidadão” doido (não se pode falar o substantivo original): as mesmas pessoas exercendo o papel de juiz, de promotor, de delegado, de carcereiro, de advogado e até de juiz em causa própria.  Não, não é o povo a acabar com a democracia, mas essas pessoas superdotadas de um poder que não têm. E o mais lamentável: nenhum confronto perante tais atitudes. Nenhum confronto, dada a omissão do Congresso Nacional e da própria imprensa. Ausência de confronto diante de crime que dilapida a democracia. Nenhum confronto. Afronta, sim. Afronta, ao que tudo indica, linearmente orquestrada.

Alguém disse que com esses fatos estão chamando duzentos e trinta milhões de brasileiros de imbecis. Com mentiras e força bruta, querem implantar o império da mentira com a desculpa de combater o nazismo. Ora, é preciso não esquecer que nazista é quem censura e não quem é censurado.

Tenho vivido momentos em que chego a imaginar uma enxurrada de lágrimas e até de sangue. 

Somos mineiros. Já vivenciamos momentos difíceis no panorama nacional. Lembra-me muito a campanha presidencial de l955. A oposição ao PSD dizia: Juscelino não pode ser candidato; se for candidato, não pode ganhar; se ganhar, não pode governar. Foi candidato. Ganhou. Governou. Forte e intrépido.

Dias de glória, com altivez, sem punição aos adversários. Sem ofensa à democracia.

Confesso, envergonhado:  estão faltando mineiros que se lembrem de que “O primeiro compromisso de Minas é com a Liberdade.”

Verdades eternas

25 de Outubro de 2022, por João Bosco Teixeira 0

O jornal “O Tempo”, do dia 29 de agosto passado, trouxe matéria de José Reis Chaves, que leio frequentemente. O autor tecia considerações à crítica recebida da organização católica Montfort, de São Paulo, no tocante à “suposta irracionalidade das penas eternas que a Igreja Católica professa como dogma de fé”.

Não posso pretender entabular diálogo seja com o colunista de “O Tempo”, seja com a tal organização católica, pois ambos me parecem mais conhecedores que eu. No entanto, embasado em minhas licenciaturas em filosofia e teologia, no mestrado em psicologia e em muito estudo de Sagrada Escritura, não fujo da ocasião de tecer algum comentário sobre a matéria.

Em termos de espiritualidade, sou movido por algumas convicções. Em primeiríssimo lugar, aquela de que a fé cristã é uma experiência de amor, muito mais que aceitar verdades e doutrinas. E não consigo imaginar verdades eternas. Toda verdade é provisória, o que não a impede de ser verdadeira. As verdades são todas gestadas no tempo. Em algum tempo. Em determinado tempo. E a própria história é filha de seu tempo. Não faz mal considerar, além disso, que os dogmas católicos foram, quase todos, impostos pela força. Não só. Foram proclamados por se tratar de doutrina polêmica e para combater heresias. Não são fruto de exigência teológica.

Outra convicção que me move: o único caminho que temos para alcançarmos o divino, para chegarmos a Deus, é o caminho da nossa humanidade. Nela é que nos é dado experimentar o eterno, objeto de esperança, alimentada pela fé. E nossa humanidade acontece e é inerente ao tempo e ao espaço. Os grandes espiritualistas e santos são reconhecidos, em sua grandeza, não porque fugiram de seu tempo, mas pela maneira como viveram plenamente sua humanidade, no tempo. O grande Irineu de Lião, já no segundo século, dizia: “É falso todo Deus cuja glória não seja a vida do homem”. Criamos deuses falsos não tanto porque falseamos Deus, quanto porque falseamos o homem.

Terceira convicção: só conseguimos nos referir a Deus com nossa linguagem humana. E, então, emprestamos a Deus nossas características, nossa maneira de viver, nossas expressões de conhecimento. Por isso, falamos de penas eternas, falamos de purgatório purificador, falamos de pecado e tanta coisa mais que, no Deus anunciado por Jesus, não tem lugar. Deformamos de tal forma a imagem de Deus que Ele deixa de ser o pai da parábola do filho pródigo (Lc 15). Já no IV Concílio de Latrão, de 1215, se dizia que em nossa linguagem sobre Deus, por mais verdadeira que seja, existe sempre mais mentira que verdade (Non tanta similitudo quin maior sit dissimilitudo notanda).

Sou apaixonado pela teologia porque é a única que me liberta. E não a estudo para parecer mais sábio e douto. Não! É pela certeza de que Deus é uma presença real na própria raiz de nosso ser.

Essa, talvez, seja uma verdade eterna.