Entre o sagrado e o profano

A dualidade humana revelada: reflexões sobre o poema "PalhAÇO", de Terê Silva

23 de Marco de 2024, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Ilustração PalhAÇO

“PalhAÇO, 

Eis o que sou

PalhAÇO no mundo

PalhAÇO do mundo

Por fora,

Risos

Alegria,

Entusiasmo 

Felicidade.

Paz!

Por dentro, 

Mágoas, 

Conflitos,

Decepções,

Frustrações,

Sofrimentos,

Angústias.

Palha por dentro,

AÇO por fora.

Palha e AÇO

União extravagante,

Eterno PalhAÇO!” (Terê Silva, PalhAÇO). 

 

No intrincado tecido das emoções humanas, há uma dualidade que muitas vezes passa despercebida em nossa interação com o mundo. O poema “PalhAÇO”, de Terê Silva, captura de forma poética e profunda essa dicotomia entre a máscara que apresentamos ao mundo e as complexas emoções que carregamos internamente.

O poema nos conduz a uma reflexão sobre o papel do “PalhAÇO”, que, por fora, exibe sorrisos, alegria, entusiasmo e felicidade, enquanto por dentro guarda mágoas, conflitos, decepções, frustrações, sofrimentos e angústias. Essa dualidade é retratada através das palavras “Palha por dentro, AÇO por fora”, sugerindo uma união peculiar entre fragilidade e força.

Em um mundo que muitas vezes exige uma apresentação pública de felicidade e positividade, o “PalhAÇO” é um símbolo daquilo que ocultamos por trás de nossas máscaras sociais. A mensagem subjacente é clara: todos nós, de certa forma, desempenhamos esse papel de “PalhAÇO”, equilibrando nossas próprias contradições internas com as expectativas externas.

A beleza e a complexidade do poema residem na ideia de que essa dualidade não é uma fraqueza, mas uma manifestação da profundidade humana. Através da metáfora da “Palha e AÇO”, somos lembrados de que as pessoas são mais do que aparentam ser. Cada indivíduo carrega sua própria narrativa interna, uma mistura de vulnerabilidade e força, tornando-se assim um “União extravagante”.

A expressão “Eterno PalhAÇO”, no final do poema, nos coloca diante da noção de que essa dualidade é uma parte inerente de nossa existência contínua. A jornada da vida nos leva a assumir papéis diversos, mas a essência do “PalhAÇO” permanece, evoluindo e adaptando-se às situações.

Em nossa busca por autenticidade, é vital lembrar que o poema não nos encoraja a eliminar a máscara externa, mas a abraçar a complexidade de nossa humanidade. Reconhecer nossas próprias mágoas e lutas não diminui nossa força, mas nos conecta com a experiência universal de ser humano.

Ao final, “PalhAÇO” transcende as palavras escritas e se transforma em um espelho da alma humana. Uma obra que nos convida a olhar para além das superfícies, a ser mais compassivos com os outros e conosco mesmos, aceitando que todos somos, de alguma forma, um “PalhAÇO” em busca de equilíbrio entre as dualidades que nos definem.

Tempus fugit: uma reflexão sobre a natureza da percepção temporal

20 de Marco de 2024, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Tempus fugit (ilustração)

“O conceito de percepção temporal é a interação de fatores biopsicossociais, históricos e culturais” (Deusivania Falcão).

O conceito de tempo, uma entidade intangível que permeia nossa existência, apresenta uma dualidade intrigante: é simultaneamente constante e mutável. Enquanto a física postula sua invariabilidade e linearidade, nossa vivência cotidiana revela uma percepção fluida, influenciada por circunstâncias e disposições emocionais. A observação de Deusivania Falcão, professora de gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, destaca a complexidade da percepção temporal, resultante de interações intrincadas entre fatores biopsicossociais, históricos e culturais.

No âmbito biológico, a interpretação temporal varia conforme o contexto. Em momentos de prazer ou envolvimento, como durante uma atividade cativante, o tempo parece dilatar-se, enquanto em situações de monotonia ou desconforto, cada instante se estende ad infinitum. Este fenômeno sugere uma ligação íntima entre percepção temporal, emoções e o funcionamento do sistema nervoso.

Além disso, o contexto social e cultural exerce influência marcante sobre nossa compreensão e valorização do tempo. Em culturas que enfatizam a produtividade e a eficiência, como muitas sociedades ocidentais contemporâneas, o tempo é tido como um recurso precioso a ser maximizado. Em contraste, em culturas que adotam visões contemplativas e holísticas da vida, o tempo é concebido como fluido e menos sujeito a rigidez.

A história pessoal de cada indivíduo também desempenha papel crucial na percepção temporal. Experiências passadas, traumas, sucessos e fracassos moldam nossa relação com o tempo, influenciando expectativas futuras e apreciação do presente. Para alguém que enfrentou perdas significativas, o tempo pode parecer estagnado, enquanto tenta assimilar sua dor.

Diante desta complexidade, surge a indagação: como podemos habitar o tempo com consciência e significado? A resposta talvez resida no reconhecimento da subjetividade de nossa percepção temporal, cultivando consciência sobre como emoções, contexto social e histórico pessoal influenciam nossa experiência temporal. Desta forma, podemos desfrutar momentos de alegria e gratidão, mesmo quando o tempo parece fugaz (tempus fugit), e encontrar paz em momentos de espera e reflexão, mesmo quando o tempo se arrasta.

A percepção do tempo é apenas uma faceta da experiência humana, desafiando a possibilidade de uma compreensão completa e definitiva. É uma jornada individual e coletiva, moldada por uma infinidade de influências internas e externas. Ao refletir sobre nossa relação com o tempo, podemos obter insights valiosos sobre nossa própria existência e humanidade.

Referência:

<https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/o-tempo-e-imutavel-mas-a-sensacao-de-passar-rapido-ou-lentamente-depende-da-percepcao-individual>. Acesso em: 22 fev. 2024.

 

A “Terceira Provação”: momento final da formação jesuíta

06 de Agosto de 2023, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Após alguns anos exercendo o apostolado como padre ou irmão, os jesuítas concluem a última etapa de formação, conhecida como a “Terceira Provação”. Nesse momento, os jesuítas são convidados a mergulhar novamente na profundidade da experiência dos Exercícios Espirituais de trinta dias e no estudo da espiritualidade e do carisma da Ordem religiosa.

Os Exercícios Espirituais são um conjunto de práticas de oração e meditação que foram desenvolvidos por Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Os Exercícios são uma experiência profunda de encontro com Deus e com a própria vida. Eles ajudam os jesuítas a discernir o seu chamado e a viver sua missão no mundo.

A espiritualidade jesuíta é baseada no Evangelho e na vida de Jesus Cristo. Os jesuítas buscam seguir Jesus Cristo no seu amor pelos pobres, pelos excluídos e pelos que sofrem. Eles também buscam promover a justiça e a paz no mundo.

O carisma da Companhia de Jesus é a missão de servir a Igreja e ao mundo na educação, na pastoral e na promoção da justiça. Os jesuítas acreditam que a educação é um instrumento poderoso para transformar o mundo. Eles também acreditam que a pastoral é essencial para a evangelização e para o crescimento da fé. Por fim, os jesuítas acreditam que a promoção da justiça é uma responsabilidade de todos os cristãos.

A “Terceira Provação” é uma etapa importante na formação jesuíta. É um momento de aprofundamento da espiritualidade, do carisma e da missão da Companhia de Jesus. Os jesuítas que concluem a “Terceira Provação” estão preparados para servir à Igreja e ao mundo com amor, compaixão e justiça.

Sobre a Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa católica fundada por Santo Inácio de Loyola em 1534. A Companhia de Jesus é uma das maiores ordens religiosas do mundo, com membros em mais de 100 países. Os jesuítas são ativos em diversos campos, como educação, pastoral, promoção da justiça e diálogo inter-religioso.

Referência:

<https://pontosj.pt/serjesuita/etapas-de-formacao>. Acesso em: 20 jul. 2023.

<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/03/130314_papa_jesuitas_mm_ac>. Acesso em: 20 jul. 2023.

Uai, Minas Gerais! O espírito contagiante da comunicação mineira

28 de Julho de 2023, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

No vasto universo do dialeto mineiro, a expressão “uai” revela-se uma verdadeira preciosidade linguística. Com sua simplicidade aparente, encerra em si uma dualidade intrigante, capaz de expressar tanto a plenitude das palavras como a sua ausência. É um convite a explorar as complexidades da comunicação humana e apreciar a sutileza dos matizes linguísticos.

Ao proferir o “uai”, o cidadão mineiro mergulha em um mar de significados, simultaneamente aberto a expressar tudo e nada. Essa aparente contradição reflete a própria natureza da comunicação humana: nem sempre temos palavras suficientes para transmitir tudo o que sentimos ou pensamos, mas isso não implica que não haja algo a ser dito. O “uai” é um convite para mergulhar nas profundezas das emoções e ideias, mesmo quando as palavras se mostram insuficientes.

Por um lado, o “uai” é uma manifestação do fluxo inesgotável de pensamentos e histórias que residem nos corações dos mineiros. É uma abertura para compartilhar experiências, alegrias, tristezas, opiniões e sabedoria acumuladas ao longo dos tempos. É uma forma calorosa e acolhedora de se conectar com o outro, demonstrando que há muito a ser dito, mesmo quando as palavras parecem falhar.

Por outro lado, o “uai” também representa a consciência de que nem tudo pode ser expresso em palavras. Às vezes, diante das nuances da vida, das complexidades das emoções ou até mesmo da falta de conhecimento adequado, é preciso admitir a limitação da linguagem. O “uai” é uma maneira delicada de reconhecer que existem sentimentos e pensamentos difíceis de serem traduzidos em meras palavras, mas que ainda assim merecem ser compartilhados e compreendidos.

Assim, o “uai” nos convida a refletir sobre a importância da comunicação genuína e da escuta atenta. Ele nos lembra que, por vezes, é necessário ultrapassar as barreiras das palavras e buscar conexões mais profundas, onde gestos, olhares e silêncios também desempenham papéis significativos. Nos ensina a valorizar a sutileza das entrelinhas e a abraçar a beleza daquilo que não pode ser totalmente expresso verbalmente.

Em última análise, o “uai” transcende as fronteiras geográficas de Minas Gerais e nos convida a uma reflexão sobre a comunicação humana como um todo. Independentemente de onde estejamos, todos nós enfrentamos desafios em traduzir a totalidade de nossas experiências e emoções em palavras. O “uai” nos mostra que, apesar dessas limitações, a busca pela conexão e pelo entendimento mútuo é uma constante em nossa jornada.

Portanto, que possamos aprender com o encanto do “uai” e abraçar a maravilha da comunicação, tanto na sua plenitude quanto na sua ausência. Que saibamos ouvir além das palavras, compreender além do óbvio e valorizar a riqueza dos silêncios compartilhados. Pois é nesse espaço entre o tudo e o nada que reside a verdadeira essência da comunicação humana.

PROJETO DE LEI QUE CRIMINALIZA A "DISCRIMINAÇÃO" DE POLÍTICOS: ENTRE A INTENÇÃO DE PROTEGER E A CENSURA DISFARÇADA

03 de Julho de 2023, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Plenário da Câmara dos deputados em Brasília (foto: divulgação)

O recente processo de aprovação do Projeto de Lei nº 2720/2023 na Câmara dos Deputados revela uma preocupante pressa e falta de reflexão por parte das autoridades responsáveis. Com um placar de votação de 252 a favor e 163 contra, o projeto que visa tipificar a discriminação contra políticos e autoridades públicas foi aprovado em regime de urgência, sem uma análise aprofundada de seus méritos e consequências.

O cerne do projeto reside na imposição de punições para aqueles que discriminarem políticos e autoridades públicas. Embora a intenção de proteger essas figuras do escárnio e do preconceito possa parecer válida em um primeiro momento, é necessário questionar se a abordagem adotada é proporcional e justa.

O texto do projeto estabelece penas que variam de dois a quatro anos de prisão, além de multas, para aqueles que se envolverem em atos discriminatórios contra políticos. No entanto, o projeto não especifica claramente o que constitui uma manifestação pública nas redes sociais ou se assegura a liberdade de expressão dos cidadãos, seja de forma pública ou anônima.

Além disso, o projeto apresenta uma definição ampla do que é considerado discriminação, abarcando desde acusações não julgadas em casos de justiça até a negação de emprego ou a abertura de uma conta bancária com base em associação política. Essa amplitude pode gerar interpretações subjetivas e arbitrárias, colocando em risco a liberdade individual e a possibilidade legítima de crítica e fiscalização dos representantes públicos.

Outro ponto de preocupação é a inclusão de familiares e colaboradores ligados aos políticos no escopo do projeto de lei. Embora seja importante proteger as pessoas próximas de possíveis atos discriminatórios, essa abrangência pode abrir margem para abusos e intimidações, dificultando ainda mais o diálogo e a transparência no cenário político.

Ademais, a aplicação da lei também se estenderia a políticos que são réus em processos sem trânsito em julgado. Embora a intenção possa ser evitar pré-julgamentos e garantir a presunção de inocência, é necessário ponderar se essa medida não limitaria a capacidade da sociedade de questionar e demandar responsabilidades daqueles que ocupam cargos públicos.

Diante dessas considerações, é imprescindível que o projeto de lei em questão seja amplamente debatido. É fundamental que a legislação seja construída com base em princípios de equidade, liberdade de expressão e responsabilidade, garantindo a proteção dos direitos dos cidadãos sem cercear seu direito legítimo de questionar, criticar e se manifestar em relação aos políticos e autoridades públicas.

Em uma democracia saudável, a confiança e a accountability são construídas por meio do diálogo aberto, da transparência e da responsabilização mútua. Restringir a liberdade de expressão e criminalizar a crítica, mesmo que direcionada a políticos, pode ter consequências graves para a sociedade como um todo. Portanto, é necessário encontrar um equilíbrio que proteja os direitos de todos os envolvidos, sem comprometer os pilares fundamentais da democracia.

Referências:

<https://www.camara.leg.br/noticias/971621-camara-aprova-punicao-a-quem-se-recusar-a-abrir-conta-ou-conceder-credito-a-pessoa-politicamente-exposta>. Acesso em: 15 jun. 2023.

<https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/projeto-que-torna-crime-discriminar-politicos-inclui-99-mil-pessoas-e-beneficia-parentes>. Acesso em: 15 jun. 2023.

<https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-projeto-que-impoe-prisao-a-quem-ofender-politicos>. Acesso em: 15 jun. 2023.

<https://www.politize.com.br/accountability-o-que-significa>. Acesso em: 15 jun. 2023.