Entre o sagrado e o profano

O compositor musical como algoritmo de si mesmo

09 de Janeiro de 2025, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Na era digital em que vivemos, a inteligência artificial (IA) tem se tornado uma presença marcante em diversas áreas, incluindo a música. Desde a composição automática até a execução de performances complexas, a IA tem demonstrado capacidades impressionantes. No entanto, um debate interessante surge quando consideramos a relação entre compositores humanos e sistemas de IA: será que uma IA pode realmente prever ou substituir o processo criativo de um compositor?

A metáfora do compositor como um algoritmo de si mesmo sugere que ele é o autor das regras e do sistema pelo qual cria sua música. Essa visão implica que, assim como um algoritmo computacional segue um conjunto específico de instruções para alcançar um resultado, o compositor humano segue um processo interno único e altamente pessoal.

Cada compositor possui seu próprio conjunto de influências, experiências, conhecimentos musicais e técnicas que, juntos, formam um sistema complexo e dinâmico. Este sistema está em constante evolução, incorporando novas experiências e informações ao longo do tempo. Assim, o compositor não é um ser estático, mas sim um organismo criativo em constante desenvolvimento.

A criatividade humana é marcada por sua imprevisibilidade. Um compositor pode decidir mudar o tom de sua música no meio do processo criativo, incorporar elementos de um gênero diferente, ou mesmo romper completamente com as convenções musicais para criar algo inteiramente novo. Essa capacidade de inovação e surpresa é uma característica inerente ao ser humano, que uma IA, programada com dados preexistentes, encontra dificuldade em replicar.

As IAs de composição musical, são programadas para aprender padrões a partir de vastos conjuntos de dados musicais. Elas podem gerar composições que imitam estilos específicos ou combinam características de diferentes gêneros musicais. No entanto, essas composições ainda são produtos de um processo baseado em padrões, mais do que de uma criatividade genuína. A IA é excelente em reconhecer e replicar padrões, mas a verdadeira originalidade - a capacidade de criar algo que nunca foi ouvido antes - está fora de seu alcance.

O processo criativo humano é profundamente enraizado em emoções, experiências pessoais e intuições que não podem ser totalmente compreendidas ou reproduzidas por máquinas. A música composta por humanos muitas vezes reflete a complexidade da condição humana, abordando temas de amor, perda, esperança e desespero, de formas que ressoam profundamente com o ouvinte. Esta ressonância emocional é algo que uma IA, sem experiência emocional própria, não pode verdadeiramente alcançar.

Além disso, a liberdade de escolha e a capacidade de seguir ou romper com regras pré-estabelecidas são aspectos centrais do processo criativo humano. Um compositor pode, por exemplo, escolher ignorar a teoria musical convencional para expressar algo novo e pessoal. Essa liberdade criativa é algo que uma IA, limitada por suas instruções programáticas, não pode emular com total eficácia.

Embora as IAs possam ser treinadas para criar músicas que pareçam novas ou interessantes, elas são, no entanto, baseadas em um conjunto de dados e diretrizes previamente estabelecidos. As IAs não têm a capacidade de criar conceitos musicais verdadeiramente novos ou inovar de maneiras que vão além dos dados com os quais foram treinadas. Elas seguem regras lógicas e padrões previsíveis, enquanto o ser humano é capaz de se reinventar e quebrar essas mesmas regras, gerando algo inesperado.

Mesmo que uma IA consiga simular um estilo específico ou até mesmo criar algo que pareça autêntico a um ouvido humano, falta-lhe a intuição e a emoção subjacente que um compositor humano traz para sua arte. A experiência humana de vida, os altos e baixos emocionais, as epifanias momentâneas e até as dúvidas contribuem para uma expressão artística rica e variada que as máquinas não conseguem replicar.

Em um mundo onde a tecnologia continua a evoluir rapidamente, o papel do compositor humano como algoritmo de si mesmo destaca a singularidade do processo criativo humano. Enquanto as IAs podem ser ferramentas valiosas para auxiliar compositores ou inspirar novas ideias, elas não conseguem capturar a verdadeira essência da criatividade humana. O compositor humano permanece um elemento insubstituível na música, com uma capacidade inerente de inovar e surpreender de maneiras que nenhuma máquina pode prever ou substituir totalmente.

Portanto, enquanto a IA pode continuar a evoluir e a desempenhar papéis cada vez mais complexos na música, o toque humano - essa habilidade única de criar e inspirar - permanecerá no coração da composição musical. O compositor, em toda a sua complexidade e profundidade, continuará a ditar as regras e a explorar novos horizontes criativos, sempre além do alcance de qualquer algoritmo.

Raio X: como Aurélio Suenes pode transformar ou fracassar em São João del-Rei

21 de Dezembro de 2024, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

O cenário político de São João del-Rei, com a ascensão de Aurélio Suenes, desperta uma série de reflexões sobre os desafios que ele enfrentará ao longo de sua gestão. Ao observar a movimentação recente dos indecisos que aderiram a Suenes, percebe-se que sua atuação em áreas estratégicas, como o Departamento Autônomo Municipal de Água e Esgoto (DAMAE), a saúde pública e as questões relacionadas aos servidores, serão um ponto-chave de sua administração. Contudo, a história política da cidade demonstra que o apoio popular pode ser rapidamente revertido, dependendo de suas decisões.

São João del-Rei possui um eleitorado volátil, como evidenciado por políticos do passado que, em um momento, obtiveram ampla aceitação popular, mas, posteriormente, foram relegados ao esquecimento. O caso de Helvécio Reis, que alcançou expressivos 28.744 votos, é um exemplo claro dessa dinâmica. Entretanto, sua popularidade rapidamente se dissipou, mostrando como a cidade pode tanto elevar quanto descartar lideranças políticas em pouco tempo.

A gestão do DAMAE será um dos primeiros desafios de Suenes, e suas decisões podem reverberar em vários setores da sociedade. Cobrar daqueles que estão inadimplentes, incluindo famílias de baixa renda e moradores de classe média alta, poderá gerar descontentamento. Isso se aplicaria, por exemplo, àqueles que têm piscina e que, presumivelmente, deveriam contribuir mais com as taxas de consumo de água. Todavia, a equação não é simples. Se, por um lado, é fundamental organizar as finanças da cidade e garantir o pagamento por parte de todos os contribuintes, por outro, essa medida pode desgastar politicamente o novo prefeito, sobretudo entre as famílias mais pobres.

Outro ponto de atenção será a atuação de Suenes na área da saúde. A manutenção dos serviços de saúde pública em São João del-Rei, como a Santa Casa, o Hospital Nossa Senhora das Mercês, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e os postos de saúde, exige um delicado equilíbrio. Privatizar esses serviços não parece uma solução viável, já que a população tem se mostrado cansada da falta de investimentos e de cortes orçamentários. Mesmo Nivaldo, que não é considerado um gestor exemplar, tem conseguido manter os serviços minimamente operantes. A era de Helvécio Reis mostrou quão desafiador é garantir o funcionamento adequado da saúde pública na cidade, o que reforça o peso que esse tema terá na nova gestão.

A relação de Suenes com os servidores municipais também será decisiva para sua popularidade e manter a possível insatisfação dos servidores sob controle será de suma importância para a estabilidade de sua gestão. Nivaldo, ainda que criticado, ao menos assegurava reajustes acima da inflação, e se Suenes optar por uma política mais austera, poderá enfrentar resistência e protestos. A importância dos servidores para o jogo eleitoral não pode ser subestimada, pois eles representam uma fatia significativa de votos na cidade.

Assim, a gestão de Aurélio Suenes será um teste não apenas de capacidade administrativa, mas também de habilidade política. Equacionar técnica e política em São João del-Rei requer uma compreensão profunda do “espírito da cidade”, que, como a história política local demonstra, pode ser tanto generoso quanto implacável com seus líderes. O caminho à frente exigirá não somente eficiência administrativa, mas ainda uma leitura sensível das demandas e expectativas populares.

A dualidade humana revelada: reflexões sobre o poema "PalhAÇO", de Terê Silva

23 de Marco de 2024, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Ilustração PalhAÇO

“PalhAÇO, 

Eis o que sou

PalhAÇO no mundo

PalhAÇO do mundo

Por fora,

Risos

Alegria,

Entusiasmo 

Felicidade.

Paz!

Por dentro, 

Mágoas, 

Conflitos,

Decepções,

Frustrações,

Sofrimentos,

Angústias.

Palha por dentro,

AÇO por fora.

Palha e AÇO

União extravagante,

Eterno PalhAÇO!” (Terê Silva, PalhAÇO). 

 

No intrincado tecido das emoções humanas, há uma dualidade que muitas vezes passa despercebida em nossa interação com o mundo. O poema “PalhAÇO”, de Terê Silva, captura de forma poética e profunda essa dicotomia entre a máscara que apresentamos ao mundo e as complexas emoções que carregamos internamente.

O poema nos conduz a uma reflexão sobre o papel do “PalhAÇO”, que, por fora, exibe sorrisos, alegria, entusiasmo e felicidade, enquanto por dentro guarda mágoas, conflitos, decepções, frustrações, sofrimentos e angústias. Essa dualidade é retratada através das palavras “Palha por dentro, AÇO por fora”, sugerindo uma união peculiar entre fragilidade e força.

Em um mundo que muitas vezes exige uma apresentação pública de felicidade e positividade, o “PalhAÇO” é um símbolo daquilo que ocultamos por trás de nossas máscaras sociais. A mensagem subjacente é clara: todos nós, de certa forma, desempenhamos esse papel de “PalhAÇO”, equilibrando nossas próprias contradições internas com as expectativas externas.

A beleza e a complexidade do poema residem na ideia de que essa dualidade não é uma fraqueza, mas uma manifestação da profundidade humana. Através da metáfora da “Palha e AÇO”, somos lembrados de que as pessoas são mais do que aparentam ser. Cada indivíduo carrega sua própria narrativa interna, uma mistura de vulnerabilidade e força, tornando-se assim um “União extravagante”.

A expressão “Eterno PalhAÇO”, no final do poema, nos coloca diante da noção de que essa dualidade é uma parte inerente de nossa existência contínua. A jornada da vida nos leva a assumir papéis diversos, mas a essência do “PalhAÇO” permanece, evoluindo e adaptando-se às situações.

Em nossa busca por autenticidade, é vital lembrar que o poema não nos encoraja a eliminar a máscara externa, mas a abraçar a complexidade de nossa humanidade. Reconhecer nossas próprias mágoas e lutas não diminui nossa força, mas nos conecta com a experiência universal de ser humano.

Ao final, “PalhAÇO” transcende as palavras escritas e se transforma em um espelho da alma humana. Uma obra que nos convida a olhar para além das superfícies, a ser mais compassivos com os outros e conosco mesmos, aceitando que todos somos, de alguma forma, um “PalhAÇO” em busca de equilíbrio entre as dualidades que nos definem.

Tempus fugit: uma reflexão sobre a natureza da percepção temporal

20 de Marco de 2024, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Tempus fugit (ilustração)

“O conceito de percepção temporal é a interação de fatores biopsicossociais, históricos e culturais” (Deusivania Falcão).

O conceito de tempo, uma entidade intangível que permeia nossa existência, apresenta uma dualidade intrigante: é simultaneamente constante e mutável. Enquanto a física postula sua invariabilidade e linearidade, nossa vivência cotidiana revela uma percepção fluida, influenciada por circunstâncias e disposições emocionais. A observação de Deusivania Falcão, professora de gerontologia na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, destaca a complexidade da percepção temporal, resultante de interações intrincadas entre fatores biopsicossociais, históricos e culturais.

No âmbito biológico, a interpretação temporal varia conforme o contexto. Em momentos de prazer ou envolvimento, como durante uma atividade cativante, o tempo parece dilatar-se, enquanto em situações de monotonia ou desconforto, cada instante se estende ad infinitum. Este fenômeno sugere uma ligação íntima entre percepção temporal, emoções e o funcionamento do sistema nervoso.

Além disso, o contexto social e cultural exerce influência marcante sobre nossa compreensão e valorização do tempo. Em culturas que enfatizam a produtividade e a eficiência, como muitas sociedades ocidentais contemporâneas, o tempo é tido como um recurso precioso a ser maximizado. Em contraste, em culturas que adotam visões contemplativas e holísticas da vida, o tempo é concebido como fluido e menos sujeito a rigidez.

A história pessoal de cada indivíduo também desempenha papel crucial na percepção temporal. Experiências passadas, traumas, sucessos e fracassos moldam nossa relação com o tempo, influenciando expectativas futuras e apreciação do presente. Para alguém que enfrentou perdas significativas, o tempo pode parecer estagnado, enquanto tenta assimilar sua dor.

Diante desta complexidade, surge a indagação: como podemos habitar o tempo com consciência e significado? A resposta talvez resida no reconhecimento da subjetividade de nossa percepção temporal, cultivando consciência sobre como emoções, contexto social e histórico pessoal influenciam nossa experiência temporal. Desta forma, podemos desfrutar momentos de alegria e gratidão, mesmo quando o tempo parece fugaz (tempus fugit), e encontrar paz em momentos de espera e reflexão, mesmo quando o tempo se arrasta.

A percepção do tempo é apenas uma faceta da experiência humana, desafiando a possibilidade de uma compreensão completa e definitiva. É uma jornada individual e coletiva, moldada por uma infinidade de influências internas e externas. Ao refletir sobre nossa relação com o tempo, podemos obter insights valiosos sobre nossa própria existência e humanidade.

Referência:

<https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/o-tempo-e-imutavel-mas-a-sensacao-de-passar-rapido-ou-lentamente-depende-da-percepcao-individual>. Acesso em: 22 fev. 2024.

 

A “Terceira Provação”: momento final da formação jesuíta

06 de Agosto de 2023, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior 0

Após alguns anos exercendo o apostolado como padre ou irmão, os jesuítas concluem a última etapa de formação, conhecida como a “Terceira Provação”. Nesse momento, os jesuítas são convidados a mergulhar novamente na profundidade da experiência dos Exercícios Espirituais de trinta dias e no estudo da espiritualidade e do carisma da Ordem religiosa.

Os Exercícios Espirituais são um conjunto de práticas de oração e meditação que foram desenvolvidos por Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Os Exercícios são uma experiência profunda de encontro com Deus e com a própria vida. Eles ajudam os jesuítas a discernir o seu chamado e a viver sua missão no mundo.

A espiritualidade jesuíta é baseada no Evangelho e na vida de Jesus Cristo. Os jesuítas buscam seguir Jesus Cristo no seu amor pelos pobres, pelos excluídos e pelos que sofrem. Eles também buscam promover a justiça e a paz no mundo.

O carisma da Companhia de Jesus é a missão de servir a Igreja e ao mundo na educação, na pastoral e na promoção da justiça. Os jesuítas acreditam que a educação é um instrumento poderoso para transformar o mundo. Eles também acreditam que a pastoral é essencial para a evangelização e para o crescimento da fé. Por fim, os jesuítas acreditam que a promoção da justiça é uma responsabilidade de todos os cristãos.

A “Terceira Provação” é uma etapa importante na formação jesuíta. É um momento de aprofundamento da espiritualidade, do carisma e da missão da Companhia de Jesus. Os jesuítas que concluem a “Terceira Provação” estão preparados para servir à Igreja e ao mundo com amor, compaixão e justiça.

Sobre a Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus é uma ordem religiosa católica fundada por Santo Inácio de Loyola em 1534. A Companhia de Jesus é uma das maiores ordens religiosas do mundo, com membros em mais de 100 países. Os jesuítas são ativos em diversos campos, como educação, pastoral, promoção da justiça e diálogo inter-religioso.

Referência:

<https://pontosj.pt/serjesuita/etapas-de-formacao>. Acesso em: 20 jul. 2023.

<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/03/130314_papa_jesuitas_mm_ac>. Acesso em: 20 jul. 2023.