O recente processo de aprovação do Projeto de Lei nº 2720/2023 na Câmara dos Deputados revela uma preocupante pressa e falta de reflexão por parte das autoridades responsáveis. Com um placar de votação de 252 a favor e 163 contra, o projeto que visa tipificar a discriminação contra políticos e autoridades públicas foi aprovado em regime de urgência, sem uma análise aprofundada de seus méritos e consequências.
O cerne do projeto reside na imposição de punições para aqueles que discriminarem políticos e autoridades públicas. Embora a intenção de proteger essas figuras do escárnio e do preconceito possa parecer válida em um primeiro momento, é necessário questionar se a abordagem adotada é proporcional e justa.
O texto do projeto estabelece penas que variam de dois a quatro anos de prisão, além de multas, para aqueles que se envolverem em atos discriminatórios contra políticos. No entanto, o projeto não especifica claramente o que constitui uma manifestação pública nas redes sociais ou se assegura a liberdade de expressão dos cidadãos, seja de forma pública ou anônima.
Além disso, o projeto apresenta uma definição ampla do que é considerado discriminação, abarcando desde acusações não julgadas em casos de justiça até a negação de emprego ou a abertura de uma conta bancária com base em associação política. Essa amplitude pode gerar interpretações subjetivas e arbitrárias, colocando em risco a liberdade individual e a possibilidade legítima de crítica e fiscalização dos representantes públicos.
Outro ponto de preocupação é a inclusão de familiares e colaboradores ligados aos políticos no escopo do projeto de lei. Embora seja importante proteger as pessoas próximas de possíveis atos discriminatórios, essa abrangência pode abrir margem para abusos e intimidações, dificultando ainda mais o diálogo e a transparência no cenário político.
Ademais, a aplicação da lei também se estenderia a políticos que são réus em processos sem trânsito em julgado. Embora a intenção possa ser evitar pré-julgamentos e garantir a presunção de inocência, é necessário ponderar se essa medida não limitaria a capacidade da sociedade de questionar e demandar responsabilidades daqueles que ocupam cargos públicos.
Diante dessas considerações, é imprescindível que o projeto de lei em questão seja amplamente debatido. É fundamental que a legislação seja construída com base em princípios de equidade, liberdade de expressão e responsabilidade, garantindo a proteção dos direitos dos cidadãos sem cercear seu direito legítimo de questionar, criticar e se manifestar em relação aos políticos e autoridades públicas.
Em uma democracia saudável, a confiança e a accountability são construídas por meio do diálogo aberto, da transparência e da responsabilização mútua. Restringir a liberdade de expressão e criminalizar a crítica, mesmo que direcionada a políticos, pode ter consequências graves para a sociedade como um todo. Portanto, é necessário encontrar um equilíbrio que proteja os direitos de todos os envolvidos, sem comprometer os pilares fundamentais da democracia.
Referências:
<https://www.camara.leg.br/noticias/971621-camara-aprova-punicao-a-quem-se-recusar-a-abrir-conta-ou-conceder-credito-a-pessoa-politicamente-exposta>. Acesso em: 15 jun. 2023.
<https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/projeto-que-torna-crime-discriminar-politicos-inclui-99-mil-pessoas-e-beneficia-parentes>. Acesso em: 15 jun. 2023.
<https://www.poder360.com.br/congresso/camara-aprova-projeto-que-impoe-prisao-a-quem-ofender-politicos>. Acesso em: 15 jun. 2023.
<https://www.politize.com.br/accountability-o-que-significa>. Acesso em: 15 jun. 2023.