“De um ponto de vista” para “O ponto de vista”
27 de Novembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Escrevi neste periódico expressando-me sempre “De um ponto de vista”. Acredito que os escritos se justificavam, dadas as inúmeras possibilidades de divergência na consideração dos fatos, dos comportamentos, da veracidade ou não dos acontecimentos. A sociedade, na multiplicidade de funções que ela comporta, é enriquecida pela possibilidade de análises e avaliações de variados “pontos de vista”, sempre entendidos como “a vista de um ponto”.
A sociedade brasileira já não precisa de tal riqueza. Tudo ficou transparente. Tudo é absolutamente objetivo. Real. Factual. Tudo agora é “O ponto de vista”. A nação brasileira está engalanada por um grupo de pessoas que se blindaram com poderes superiores a qualquer instância, a qualquer opinião que não nasça de sua peculiar visão dos fatos, dos acontecimentos, da vida.
Desde meus onze anos vivo na querida cidade de São João del-Rei. De algumas dezenas de anos para cá, implantou-se na cidade um grande mal, do “meu ponto de vista”, o maior de todos: a cultura da corrupção que solapa tudo, que transforma até esta culta, bela e possível rica cidade, numa terra por tantos desprezível, dados os qualificativos de abandono, desleixo e ética esquecida de que se revestiu com essa cultura.
Agora me dou conta de que tal cultura foi elevada ao patamar nacional: “A corrupção virou atividade lícita no país”. Está tudo legalizado. Juridicamente legalizado. Tornaram-se desnecessárias as várias instâncias do processo judiciário. Há uma suprema corte que a tudo supre. A palavra suprema cabe ao supremo poder, que desconhece outros legitimamente constituídos, em obediência à Carta Magna. Aliás, como esta desapareceu, é lógico que tudo o mais desapareça. E instituiu-se a Vara Nacional de Assistência à Corrupção e aos Corruptos. “Única corte de Justiça no mundo a legalizar, juridicamente, a corrupção”.
“Está aberta a militância implacável do STF em favor da ladroagem e dos ladrões”. “Chegamos, agora, à fase de bater os últimos pregos do caixão” da sensatez, da probidade e, diria eu, gravemente entristecido, do caixão da “República”, da coisa pública, do bem-comum, da Pátria.
“Já não há um único preso por corrupção em todo o sistema penitenciário do Brasil”. Empresários que confessaram seus crimes, devolveram bilhões ao patrimônio público, perdoados, andam por aí lépidos e fagueiros porque “Ninguém rouba no Brasil. É tudo mentira”. E tudo em consequência do processo de “recivilização” do país, servindo-me de expressão de um “supremo” que, juntamente com os demais “pede, simplesmente, que você acredite no seguinte: todos os acusados de corrupção neste país são inocentes, sem exceção”.
Quem assim não pensa, quem nisso não acredita é porque não entende nada de nada. Mas, convenhamos, trata-se de desavergonhada proteção ao crime que, entre nós, compensa.
Já não faz sentido a leitura da vida “De um ponto de vista”. Há “O ponto”. E basta.
Sou um crente inveterado: acredito na “gente”
23 de Outubro de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Na última coluna, confessei-me otimista frente à vida. E continuo assim, apesar da presença, no cenário nacional, de um déspota cruel, que adora colocar os outros em um clima de medo e que, com sua incapacidade de diálogo, insensibilidade afetiva, isolamento espiritual, nos dá o direito de o vermos como um autêntico paciente psiquiátrico. Gigante que seja em seu gueto narcisístico, não o considero maior que um enorme número de brasileiros que, no seu dia a dia, me levam a acreditar na nossa gente.
Acredito na humanidade e, especificamente, na nossa gente brasileira, porque presencio cenas encantadoras, manifestação que são de confiança, de compreensão, de oferta e recebimento de carinho e atenção. As cenas que me levam a tal crença se sucedem, ininterruptamente.
Vejo gente que cede a preferência em tantas circunstâncias, mesmo sabendo de seus direitos. Vejo gente a pedir “licença”, gente que agradece “uma prioridade” que lhe foi oferecida, gente que retribui uma saudação recebida, que cumprimenta outrem por um êxito alcançado, por uma boa ação feita.
Como é bonito ouvir um “muito obrigado”. Como é sublime saber de gente que não se ofende, ainda que tenha sido ofendida; gente que se recusa a sentir ódio por ter sido negligenciada.
É-me extremamente consolador saber que, apesar de todos os acidentes que ocorrem no trânsito, a maioria esmagadora das pessoas se comporta bem, com respeito às pessoas e às leis.
Ah! Fico encantado com tais comportamentos. São a expressão clara de que, entre os humanos, não há maiores nem menores. São atitudes de pessoas sensíveis que acreditam na sensibilidade de seus interlocutores. Essa gente me leva a dizer que, enquanto houver manifestações de atenção, de cuidado, como as exemplificadas, continuarei acreditando na nossa gente e até na humanidade.
Só quem está isolado no mundo não percebe a vida que vibra nas atitudes geradoras de interação entre as pessoas. Só quem se basta não se dá conta de que a vida é possível, a alegria pode clarear o caminhar, a esperança pode alimentar a jornada e a travessia. Só quem está só é que não se dá conta de que a gente se torna aquilo de que participa; a gente se faz naquilo para o que se olha. Só quem está só não tem disposição para se encantar com as pequenas coisas, com as atitudes simples, com os olhares enternecedores, com as mãos amorosas, com as palavras emocionadas, com as companhias enriquecedoras. Que grandeza humana ouvir: “obrigado por me agradecer”. Tradução: não sou o centro, não sou maior, não sou melhor. Sou um como você, sou um com você.
Sinto grande vergonha por não conseguir ver esses sentimentos na maioria de nossos representantes públicos e na quase totalidade dos componentes do supremo órgão judiciário do país. Mas esses não constituem a esmagadora maioria de nossa gente.
“Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas”, por isso procuro cultivá-las.
Sou um crente inveterado.
Sou otimista
25 de Setembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Não sou capaz de dizer se as pessoas que me ajudaram a crescer estavam tomadas de otimismo ou de pessimismo. Seja no ambiente familiar, seja naquele seminarístico, a presença do sentimento de culpa, motivado pela noção de pecado, era muito marcante. Por outro lado, em ambos os ambientes, a alegria era grandemente cultivada pela presença da arte teatral, da música, dos folguedos, e de um insistente clima de alegria. No seminário, cultivava-se a proclamação de São João Bosco: “Aqui fazemos consistir a santidade em estarmos sempre alegres”. Não sei, entretanto, dizer o que mais marcou minha vida, no período de formação: se uma visão otimista ou pessimista da vida.
Adulto, busquei pautar minha vida de educador por decidida opção pelo otimismo, nada confundível com imbecilidade e irresponsabilidade. Entendo que não havia alternativa. Como trabalhar no processo de educação sem uma visão de esperança, alimentada, diuturnamente, pela alegria, pela crença na possibilidade de superação das adversidades, naturais e menos naturais, que cada um, que se propõe a viver, deve enfrentar? Como viver destituído de coragem e fortaleza face aos “encontrões” da existência, face às “faltas e erros” de que todos padecemos, face aos desafios, nem sempre naturais e de toda ordem, face às mais diversificadas carências que nossa própria existência nos impõe? “Viver é perigoso”. Sei e sempre soube disso. Mas viver sem otimismo, expresso na alegria das artes e de outras manifestações criativas, é uma morte anunciada. Mesmo no campo da espiritualidade: a fé mais sincera pode brotar da dúvida mais dolorosa. Dúvida, entretanto, nascida de uma irresistível vontade de viver.
Na vida, já adiantada na oitava década, não fiz outra coisa senão lidar com o processo educativo. Em primeiro lugar, como discente consciente do processo natural de formação que me foi oferecido num tempo e espaço determinados, por meus pais e toda uma constelação familiar, e pelo ambiente de seminário, com superiores e colegas, mais e menos empenhados no desafiante viver. Em segundo lugar, como protagonista na ajuda do crescimento de tantas pessoas, das mais variadas idades, dado que o desafio de viver e, por conseguinte, de se educar, só termina com a morte. Numa e noutra circunstância, sempre otimista, enfrentando, com otimismo, as situações que se apresentavam e as opções oferecidas.
Sinto-me pessoa privilegiadíssima por lidar na seara da educação. Não são poucos, entretanto, os interlocutores que de mim indagam: vive ainda com otimismo, nesse mundo doido, virado de cabeça para baixo, em que os valores são diferentes de antanho, em que mais se têm motivos para lágrimas de tristeza que de alegria?
É muito fácil dizer que “sim”, continuo otimista, mesmo porque já não sou chamado a responder, responsavelmente, por quase nada na vida. Mas não é esse o motivo. É que a rica travessia de minha vida garante-me que enigmas podem ser esclarecidos, caducidade pode vir a ser realidade e o tempo, numa experiência ainda que mínima, pode anunciar a eternidade.
Nem tudo são flores. Tenho vivido a pior experiência de minha vida, como cidadão educador: aquela da ditadura do judiciário. Quando as pessoas não têm “com quem contar”, resta-lhes pouco para sorrir. Mas essa não será uma situação eterna. Nem eternos são seus protagonistas.
A presença de covardes não me amedronta. Saber que passarão, me estimula. E outros dias virão favoráveis ao otimismo.
“Me alegrei de estrelas”
30 de Agosto de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Vivi dias de intensa alegria. Alegria gorda tão grande que, em tudo, via poesia e arte. Em tudo compreendia, cada vez mais, que o corpo não é algo que eu tenho, mas algo que eu sou, tal a maravilha em que se transformava nos muitos, ricos, diversificados exercícios propostos pela variedade de esportes praticados. Que elasticidade! Que possibilidades! Que sobejas manifestações de controle por uma mente forte, vibrante, destemida! Ó maravilhosa natureza! Ó cérebro, sem limites, nos seus desafios!
Foram dias e noites que se entupiram emendados, a gente tendo perdido a certeza dos horários, tal a plenitude dos eventos. As noites eram de grande demora, quando com um olho só se ia dormir, e se acordava com o propor da aurora, para não perder nada dos espetáculos que pessoas muitas a muitas atividades se dedicavam, com toda a expectativa de sempre maiores vitórias sobre si mesmas. Quantas vezes a manhã, feita brancura, fui ver no madrugar. E para quantos as madrugadas eram de festa. Eu olhava o ilustre do céu que engrandecia a vida, mesmo quando o dia grandioso se deixava tomar por leves pingos d’água que pareciam se entristecer em meus olhos. Eu sentia, entretanto, que o dia seguinte seria outro dia com a mesma torre Eiffel, com o mesmo Louvre e belezas soltas pelo espaço.
As olimpíadas também retrataram a vida. Enquanto uns vertiam lágrimas, de choro ou não, de alegria ou não, outros vendiam lenços para que nada se perdesse, para que a vida não se esgotasse em momentos isolados, ainda que grandes. Contemplei, quase extasiado, a verdade de que o medo de perder não pode superar o desejo de ganhar.
Emocionei-me. A competidora de judô sentiu-se injustiçada pela arbitragem. Perdida a luta, contemplou a brasileira vencedora, no chão, em prantos. Correu até ela e, por longo tempo, aconchegou-a consoladora.
Emocionei-me. A ginasta brasileira derrotou o maior mito da história na categoria. Esta, com a medalha de prata, e a colega com aquela de bronze, lindamente reverenciaram a medalhista de ouro. E em efusão se orgulharam da cor de suas peles, idêntica nas três.
Emocionei-me. No ataque, a jogadora adversária no handebol chocou-se com a defensora brasileira que, tendo visto com que dificuldade sairia de campo, correu até ela, tomou-a nos braços e entregou-a aos cuidados de seus dirigentes.
Não consegui assistir à disputa da seleção feminina de vôlei. Queria tanto a vitória daquelas moças, qual prêmio pela opção do grande técnico e recompensa pela dedicação das atletas. Não assisti. Estou envelhecendo. Grandes emoções julgo melhor evitar.
Vibrei muito com a vitória da dupla brasileira no vôlei de areia. Contemplava Duda e via que ela era quase a paz. Para Ana Cristina olhei, o tanto, o tanto. De que força mental as meninas estiveram tomadas!
Perdoem-me as espanholas do futebol, mas rir antes da hora engasga.
Houve um que outro momento em que apertou em mim certa tristeza, mas na contemplação dos esportes, embelezados pela deslumbrante Paris, “me alegrei de estrelas” (GR).
Questões singelas, umas; complexas, outras
31 de Julho de 2024, por João Bosco Teixeira 0
Há, em nossas vidas, questões singelas, umas; complexas, outras.
Entre as singelas, isto é, que se deslindam sem muito esforço, esta: ministro do Supremo Tribunal Federal que se orgulha de ser comunista. Nada mais simples. Ele tem invejável aposentadoria e não menos invejável plano de saúde. Direitos adquiridos no seu fugaz tempo de senador. É muito cômodo se dizer convicto comunista nessa situação.
Outro exemplo: os plenos e absolutos poderes que os ministros do STF se concederam. Eles criaram, formaram e forjaram a convicção de que lhes cabe uma MISSÃO MESSIÂNICA. Se assim é, nada de LEI, nada de CONSTITUIÇÃO. Eles são uma e outra coisa. A messianidade, de que estão imbuídos, os isenta de qualquer vínculo que não tenha neles sua origem, neles o entendimento dos fatos, com eles e por eles a definição de qualquer matéria. Pelo que se orgulham de serem o baluarte e a salvação da democracia no país. Mera observação: nenhum deles foi eleito pelo povo.
Existem, no entanto, situações muito complexas. A primeira delas: a temática relativa ao aborto. Que tema difícil! Quantas ponderações sérias e discutíveis, ao mesmo tempo: a mulher é senhora de seu corpo; a gravidez indesejada prejudica a relação educativa mãe/prole; a vida precisa ser respeitada desde sua concepção; ter ou não ter filho hoje em dia; basta de homens legislando direito das mulheres etc. Temática séria, passível de muita discussão, sem nenhuma garantia da obtenção de unanimidade na consideração do problema. Minha opinião, discutível, controversa: onde houver vida, ela deve ser preservada.
Outro tema complexo: o processo do ensino no Brasil, bombardeado por todos os lados. Apenas algumas considerações. Ponto nevrálgico da questão está, também, na metodologia do ensino e do aprendizado. Assunto que envolve toda a escola e, particularmente, a coordenação de ensino e os professores. Estes, pela situação que enfrentam: além de lhes faltar tantos estímulos, lidam com uma criançada que passa o dia todo se movimentando, numa interação e atividade intensas, em casa ou com os colegas, presencialmente ou não, e são submetidas, na escola, a um regime de aprendizado nada compatível com a vida que levam. Não dá para exigir de tais crianças que fiquem, na sala de aula, em silêncio durante trinta, quarenta minutos, “ouvindo” um professor falar. Silêncio que não significa disciplina. Ouvir que não com é condição indispensável de aprendizado. Carece-se de metodologias em que os alunos sejam, realmente, protagonistas de seu aprendizado. Metodologias com as quais os meninos possam interagir, discutir, falar, brincar. As coordenações de ensino lidam com descabidas exigências curriculares, seja na sua organização, seja nas propostas de conteúdo, imensas, inconciliáveis com os tempos escolares. Sempre a meu aviso: objetivo do ensino fundamental, do ponto de vista do ensino, é aquele de a criança, ao final do nono ano, ser capaz de ler (interpretar, criticar, induzir, deduzir, criar, expressar o próprio pensamento, verbalmente ou não...) e trabalhar com as quatro operações. Com as atuais orientações curriculares, parece-me impossível a conquista de tal objetivo.
Questões singelas, desprezíveis e revoltantes.
Questões complexas, relevantes e desafiadoras.