De um ponto de vista

Educação, cuidado

02 de Julho de 2025, por João Bosco Teixeira 0

Juliana Siqueira, na edição de O TEMPO do dia 5 de junho passado, expressou suas convicções educativas face aos comportamentos descabidos de adolescentes na internet.

São expressões ali encontradas: “punição e acolhimento são as palavras-chave”; “diálogo aberto e participação constante dos adultos no dia a dia....”; “adolescentes.... precisam ser monitorados’; “os pais devem exercer autoridade e impor limites, regras...”; “orientá-los (os adolescentes) a pedir desculpas para as vítimas e demais colegas”; “Tem que acolher, não xingar, nem culpar”.  São todas expressões de quem, certamente, tem um longo caminho percorrido no exercício do processo de educação.

Andei também um longo caminho. Sempre na escola. E quando de lá me ausentei por pouco tempo, ainda assim estive envolvido com o processo de desenvolvimento dos recursos humanos. Isso me leva a concordar com a visão do processo educativo manifestado nas expressões acima expostas.

Há um particular no qual tenho posição muito clara e, talvez distinta, daquela manifestada pela autora do artigo. Refere-se ao assunto punição...  castigo. Cresci, me desenvolvi e formei convicção de que punição, castigo que não tocam o coração do educando só satisfazem àquele que pune, que castiga. Neste caso, a ação pedagógica se transforma num instrumento estabelecido para ajustar a disciplina, rever situações e não para ajudar o educando a se posicionar devidamente frente à instituição e aos colegas.  Estou convencido, se a motivação da ação educativa não for o bem do educador e do educando, de que então é preciso recorrer a meios que não satisfazem nem a um nem a outro porque a preocupação não é com esses agentes educativos, mas com a instituição em que o comportamento indesejado ocorreu.   

No processo educativo o que realmente conta é a relação. E é nela que educando e educador manifestam o que os move. É na relação que o educador expressa seus interesses. Interesses que o educando percebe com extrema facilidade. O educando sabe bem se o educador está interessado nele ou noutros objetivos, quais a disciplina, a observância de preceitos e regras, o nome da escola e tanta coisa mais que nós, educadores, sabemos inventar, muitas vezes porque somos incapazes de nos interessar realmente pela pessoa do educando. Se o educando se percebe amado, respeitado, ele mesmo se punirá ao se dar conta de que ofendeu alguém que lhe quer bem, que o ama e está interessado, unicamente, no seu desenvolvimento e amadurecimento.

Se o educando se SENTE amado, os castigos não são necessários. Ou, os castigos serão outros: a retirada de uma manifestação de afeto, a ausência de um sorriso, um silêncio diante dele. O castigo se dá quando o foco do educador está fora do educando, está no erro. Daí uma quantidade enorme de castigos sem nenhuma convicção por parte de quem os aplica. E, nesse caso, castigos inúteis.

O processo educativo é “uma questão de coração”. Mais ainda: “Não basta amar, é preciso que o educando SINTA que é amado”. Expressões do grande educador do século XIX, São João Bosco. Formei-me nessa escola. A fiz minha. Convictamente. Fugi o tempo todo de qualquer castigo que não fosse expressão de amor, de consideração, de CUIDADO.

Enorme, possível e esperançada euforia

28 de Maio de 2025, por João Bosco Teixeira 0

A partir de 1º de janeiro de 2025, a população de São João del-Rei vive um momento de enorme euforia. Nesses quase cinco meses da nova administração municipal, o povo tem visto o que há muito não via: o Sr. Prefeito e Vice-prefeito circulando por toda parte, apresentando-se tranquilamente em meio à gente, como moradores de qualquer da cidade, numa clara demonstração de que a Prefeitura está trabalhando. E o povo está sentindo isso, o que é muito importante. A realização do Carnaval, a beleza da Semana Santa com as ruas enfeitadas, a rigor, e até do Festival da Serenata são uma demonstração de que se pode fazer algo para o povo e com o povo, com o dinheiro que também é do povo. Todos torcem para que o entusiasmo da administração não se arrefeça e que o povo possa continuar sonhando com dias mais venturosos para sua cidade que merece cuidado. Enorme euforia.

Outra realidade tem mexido com nossos sentimentos.  Agora, entretanto, sentimentos de dor. E lágrimas, se possíveis, de amargura. É que há muito não se ouve uma música, não se escuta um canto, menos ainda um cantor, que se refiram aos dias da mais vergonhosa ditadura por que passa nossa gente, a ditadura do judiciário supremo do país. Não me lembro de, nos últimos quarenta anos, ter tido tão presentes, em minha mente, aqueles versos admiráveis: “Você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão, não”... “A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão...” “Todo esse amor reprimido, este grito contido”.... “Você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão”... “Você que inventou a tristeza”... Que retrato profético teve o autor dessa letra. Entre nós há gente que gostaria de ver implantado no país o regime imperialista, um rei, um soberano senhor. Desconfio, porém, que tais pessoas não se referissem ao tipo de governo imperialista que temos tido. Não se referiam ao tipo de imperador que temos.  É muita tristeza, para quem nasceu antes da Segunda Guerra Mundial, ter de viver com esse sistema de governo, com esse tipinho de imperador. Resta-nos a esperança que nos leva a cantar: apesar de você... em possível euforia.

Terceira sorte de sentimentos: aqueles oriundos de uma enorme perda, seguida, entretanto, de uma grande conquista. Francisco faleceu. Leão XIV está presente. Com a morte, Francisco foi celebrado em todos os matizes de cores. Foi decantado nos mais variados ritmos musicais, desde o seu eternizado tango até naqueles garantidos por atabaques e afoxés. Por mais que poucos não queiram, Francisco será eternizado pela simplicidade e audácia com que levou seu pontificado, professando radical adesão ao Evangelho de Jesus. E agora Leão XIV, nome que retoma o compromisso da Igreja com a justiça social. Nome de quem, por ser forte, desdenha qualquer manifestação de força. Nome de quem, por ter uma linda história, sabe que o presente pode lhe ser fecundo. E dessa fecundidade poderemos participar se agirmos, lembrados das primeiras palavras do novo Papa, “de mãos dadas com Deus, e uns com os outros”, quais “seres ressuscitados”, conscientes de que nosso tempo já não é o mesmo “de dez, vinte anos atrás’. Esperançada euforia.

Marta e Maria

30 de Abril de 2025, por João Bosco Teixeira 0

“Estando em viagem, entrou numa aldeia e certa mulher, chamada Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, ficou sentada aos pés do Senhor, escutando-lhe a palavra. Marta estava ocupada pelo muito serviço. Parando, por fim, disse: “Senhor, a ti não importa que minha irmã me deixe assim sozinha a fazer o serviço? Dize-lhe, pois, que me ajude. O Senhor, porém, respondeu: ‘Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas; no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte que não lhe será tirada’”. (Lc 10, 38-42)

Que passagem desafiadora de nossa compreensão! Quanta gente teria vontade de falar com Jesus: mas se Marta não cuidasse das coisas, comida, hospedagem e tudo mais, o Senhor não teria nada disso de que necessitaria. Quem pensasse assim, teria uma multidão a seu lado, não? E, no entanto, “Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”.

A gente se põe a imaginar. Maria poderia estar buscando na contemplação uma fuga da realidade. Só que Jesus garante que ela escolhera a melhor parte, “... que não lhe será tirada”. Marta, atarefada com as coisas da casa, poderia estar buscando na inquietação uma fuga do verdadeiro foco de sua vida, que era Jesus, o único necessário.

Como ficamos? A solução nos vem se se considera que é preciso buscar, na vida, o verdadeiro e criterioso discernimento espiritual. Tarefa difícil, pois, mesmo com a melhor das intenções, a gente pode se enganar nessa busca. Imaginemos uma situação: em casa tudo preparado para se ir para uma celebração eucarística. De repente, chega uma visita amiga. Qual a melhor saída para tal situação? Onde estará “a melhor parte”? Qual será “a coisa necessária? ” Que decisão tomar sem que se fique com sentimento de culpa?

Entendo que numa situação, como a acima criada, é que a pessoa poderá dizer para si mesma se tem clareza sobre qual princípio unificador ela tem para sua vida espiritual. Se a sua preocupação for o seguimento de Jesus, ela tomará uma decisão. Se sua preocupação for a observância de um mandamento da sua Igreja, a decisão será outra. Falando como cristãos, tal pessoa deverá ter como princípio unificar o seguimento de Jesus. E, então, a solução é transparente: a celebração eucarística consistirá na acolhida ao irmão que veio visitar. Se tiver como princípio unificador a obediência a uma norma humana, talvez peça desculpa à visita dizendo que estava saindo para a missa.

As coisas não são assim matemáticas. Já se sabe. Mas também não se resolvem se não se busca, se não se tem clareza sobre com quais coisas a própria vida está de fato comprometida, qual o princípio unificador das próprias ações.

A verdade é que muitas vezes somos Maria, outras somos Marta. Não tem importância. Importante é conseguir encontrar a razão de ser Maria ou Marta. Importante é conseguir ordenar, definir princípios fundamentais orientadores de nossas ações.

Entendo que com o passar dos anos a gente vá caminhando para uma unidade maior, rica de coerências e consequências. Os anos nos dão a garantia de que na vida há não só momentos e momentos mais e menos importantes, como verdades e verdades maiores e mais definitivas. Por isso, as palavras de Jesus dirigidas a Marta não são uma censura pela censura. São uma amável advertência para que ela possa reconhecer qual o real rumo de sua opção. Ninguém imagina que Jesus não gostasse igualmente de Marta.

ORAÇÃO: antecipação da vida sem fim

26 de Marco de 2025, por João Bosco Teixeira 0

A Quaresma se apresenta aos cristãos como “tempo oportuno, como dias propícios à salvação ”. Por isso é que ela pede dos cristãos: “oração, jejum e esmola”.

Na simplicidade da fala e do conversar, vem-me o desejo de apresentar alguma consideração sobre a oração. E tudo começa com Renato Teixeira: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar...”

Acho que é mesmo assim: “não sei rezar”. Nessa hora, porém, que para muitos é angustiante, os grandes místicos e o próprio São Paulo, na sua carta aos Romanos (8,26-27) vêm em nosso auxílio: “Assim também o Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis”.

Eis a grande, bela, intocável verdade: “O Espírito reza em nós”. Por isso: ... “só queria mostrar meu olhar...”  No olhar está toda a verdade; os olhos contêm toda a vida.

Nossa oração, frequentemente, se perde porque não parte do sopro divino que há em nós. Ela permanece uma tentativa inútil de palavras que partem de nós mesmos.

Partir da escuta de Deus simplifica cada esforço, pois é muito mais fácil escutar que inventar fórmulas de oração; é mais fácil deixar-se moldar pelo Senhor e depois responder-lhe, buscando dizer-lhe apenas o necessário do nosso íntimo. 

Muito antes que a palavra, muito antes que pensamento formado, a oração é a percepção da realidade que instantaneamente floresce no louvor, na adoração, no agradecimento, na súplica de misericórdia àquele que é a fonte do ser e do existir.

Nossos sentimentos emergem e se configuram como ingredientes nessa experiência espiritualmente concreta. E, então, a oração brota com a percepção da futilidade das coisas alheias ao projeto de Deus; e ela se transforma em súplica para que sejamos nós mesmos salvos da desídia, da insignificância e da nulidade.

A oração nasce da percepção da presença daquele que é plenitude; da autenticidade da relação de comunhão com o único Senhor e Salvador.        

Com a oração, a gente se dá conta da vontade do Pai como norma absoluta de vida; e a oração deixa de ser a tentativa de dobrar a vontade divina à nossa, mas a convicção sempre renovada de conformar o nosso desejo à vontade do Pai (Mt 6,10; 26,39-42).

Sabedores da presença do Espírito em nós, a oração nos leva a vivenciar a consciência de quem somos e abre-nos para a relação com todas as criaturas e todo o criado.

A oração é o grande meio de abertura ao Reino de Deus que se instaura nos corações dos humanos.

A oração coloca-nos em sintonia com a cruz, vitória sobre o mal, e se faz, então, uma súplica para que a justiça se instale no mundo e se possa viver a esperança da Jerusalém celeste, onde tudo é santo. 

Com os místicos aprendemos a rezar: eles sabem das coisas, sabem do mundo porque sabem que tudo está em Deus. Sabem “Sentir Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus” (S. Inácio).  Por isso é que a oração nos leva a viver a antecipação da vida sem fim.

Os filhos do Pai amoroso

25 de Fevereiro de 2025, por João Bosco Teixeira 0

Mês passado, refleti um pouco sobre o PAI AMOROSO, aquele da parábola do Filho Pródigo. Hoje, reflito um pouco sobre as figuras contrastantes dos filhos.

Um dia, faz tempo, um grande jesuíta, que adorava ler nas entrelinhas, escreveu página memorável a respeito dos dois irmãos daquela parábola. Algo do que escreveu segue aqui.

Referindo-se ao mais velho, dizia: “O filho ‘ficante’ mostrou-se desastradamente insignificante, mesquinho, contador do que fizera pelo pai. Ele estragou tudo, traiu, meteu a nu sua alma. Lembrou ao pai que não saíra, não pecara, que não destruíra o nome da família, nem manchara a ‘fama’ veneranda do ancião”.

Esse filho, o “ficante”, na hora em que experimentara a alma de seu pai, com todo o “calado do seu amor”, deixou-se tomar de ciúme, com argumentos arrancados de inveja, gemidos de amor-próprio alfinetado. “Será que o pai era mesmo amado pelo moço? Será que, ficando em casa, distraindo-se com seus amigos, indo em casa para comer e dormir, será que era mesmo filho do querido pai ou... pai dos seus queridos caprichos de moço?”, indaga o jesuíta.

Bem indagava o autor dessas palavras, pois há certas “fidelidades” que nascem mais do medo que de qualquer outro sentimento.

 E o filho mais moço? “Mais moço... mais filho”, começa dizendo o padre jesuíta. “Mal rompido, coberto de toda a poeira dos caminhos, faminto e enterrado debaixo da sua vergonha, o menino arrependido decorava seu coitado ato de contrição. Vinha que vinha caindo, não tanto de fadiga, mas de mal corrido medo da reação do pai, tão justa, tão ‘necessária’”.

Ponderava, então, o padre jesuíta: “Detestemos o ‘amor’ que vem cobrando, vem lembrando direitos, exigindo prêmios, reclamando festas para seus amigos. Detestemos o afeto que guarda memória, a fidelidade que tem diário, conta os anos, sabe o que falta para as bodas, anda com calendário no bolso...”

Posso me enganar, mas a figura do filho mais moço aparece quase sempre mais simpática para a maioria das pessoas. A gente se identifica mais facilmente com o erro do que com a virtude. E virtude foi o que o filho mais moço apresentou: a absoluta pureza do arrependimento, a real tomada de consciência da própria falta. Por isso, “Salvos estaremos enquanto soubermos o nome do pecado; enquanto nos sentirmos mal, no mal. Então encontraremos a salvação para nossa angústia, como a encontrou o filho mais moço: “O que nos salva foi o que salvou o menino ingrato, que fugiu com o dinheiro de seu pai, pedido antes da hora... o rosto do Pai. O rosto que emparaísa a maioria dos eleitos é o rosto encontrado pelo filho que saiu de casa”, rosto de pai misericordioso.

Não sei o que meu leitor acha dessas considerações do Padre Vasconcelos, que esse é o nome do jesuíta. Mas, que coragem, que absoluta convicção e fé na bondade infinita do Pai, igualmente amoroso para com os dois filhos tão diferenciados.