De um ponto de vista

ORAÇÃO: antecipação da vida sem fim

26 de Marco de 2025, por João Bosco Teixeira 0

A Quaresma se apresenta aos cristãos como “tempo oportuno, como dias propícios à salvação ”. Por isso é que ela pede dos cristãos: “oração, jejum e esmola”.

Na simplicidade da fala e do conversar, vem-me o desejo de apresentar alguma consideração sobre a oração. E tudo começa com Renato Teixeira: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar...”

Acho que é mesmo assim: “não sei rezar”. Nessa hora, porém, que para muitos é angustiante, os grandes místicos e o próprio São Paulo, na sua carta aos Romanos (8,26-27) vêm em nosso auxílio: “Assim também o Espírito socorre a nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis”.

Eis a grande, bela, intocável verdade: “O Espírito reza em nós”. Por isso: ... “só queria mostrar meu olhar...”  No olhar está toda a verdade; os olhos contêm toda a vida.

Nossa oração, frequentemente, se perde porque não parte do sopro divino que há em nós. Ela permanece uma tentativa inútil de palavras que partem de nós mesmos.

Partir da escuta de Deus simplifica cada esforço, pois é muito mais fácil escutar que inventar fórmulas de oração; é mais fácil deixar-se moldar pelo Senhor e depois responder-lhe, buscando dizer-lhe apenas o necessário do nosso íntimo. 

Muito antes que a palavra, muito antes que pensamento formado, a oração é a percepção da realidade que instantaneamente floresce no louvor, na adoração, no agradecimento, na súplica de misericórdia àquele que é a fonte do ser e do existir.

Nossos sentimentos emergem e se configuram como ingredientes nessa experiência espiritualmente concreta. E, então, a oração brota com a percepção da futilidade das coisas alheias ao projeto de Deus; e ela se transforma em súplica para que sejamos nós mesmos salvos da desídia, da insignificância e da nulidade.

A oração nasce da percepção da presença daquele que é plenitude; da autenticidade da relação de comunhão com o único Senhor e Salvador.        

Com a oração, a gente se dá conta da vontade do Pai como norma absoluta de vida; e a oração deixa de ser a tentativa de dobrar a vontade divina à nossa, mas a convicção sempre renovada de conformar o nosso desejo à vontade do Pai (Mt 6,10; 26,39-42).

Sabedores da presença do Espírito em nós, a oração nos leva a vivenciar a consciência de quem somos e abre-nos para a relação com todas as criaturas e todo o criado.

A oração é o grande meio de abertura ao Reino de Deus que se instaura nos corações dos humanos.

A oração coloca-nos em sintonia com a cruz, vitória sobre o mal, e se faz, então, uma súplica para que a justiça se instale no mundo e se possa viver a esperança da Jerusalém celeste, onde tudo é santo. 

Com os místicos aprendemos a rezar: eles sabem das coisas, sabem do mundo porque sabem que tudo está em Deus. Sabem “Sentir Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus” (S. Inácio).  Por isso é que a oração nos leva a viver a antecipação da vida sem fim.

Os filhos do Pai amoroso

25 de Fevereiro de 2025, por João Bosco Teixeira 0

Mês passado, refleti um pouco sobre o PAI AMOROSO, aquele da parábola do Filho Pródigo. Hoje, reflito um pouco sobre as figuras contrastantes dos filhos.

Um dia, faz tempo, um grande jesuíta, que adorava ler nas entrelinhas, escreveu página memorável a respeito dos dois irmãos daquela parábola. Algo do que escreveu segue aqui.

Referindo-se ao mais velho, dizia: “O filho ‘ficante’ mostrou-se desastradamente insignificante, mesquinho, contador do que fizera pelo pai. Ele estragou tudo, traiu, meteu a nu sua alma. Lembrou ao pai que não saíra, não pecara, que não destruíra o nome da família, nem manchara a ‘fama’ veneranda do ancião”.

Esse filho, o “ficante”, na hora em que experimentara a alma de seu pai, com todo o “calado do seu amor”, deixou-se tomar de ciúme, com argumentos arrancados de inveja, gemidos de amor-próprio alfinetado. “Será que o pai era mesmo amado pelo moço? Será que, ficando em casa, distraindo-se com seus amigos, indo em casa para comer e dormir, será que era mesmo filho do querido pai ou... pai dos seus queridos caprichos de moço?”, indaga o jesuíta.

Bem indagava o autor dessas palavras, pois há certas “fidelidades” que nascem mais do medo que de qualquer outro sentimento.

 E o filho mais moço? “Mais moço... mais filho”, começa dizendo o padre jesuíta. “Mal rompido, coberto de toda a poeira dos caminhos, faminto e enterrado debaixo da sua vergonha, o menino arrependido decorava seu coitado ato de contrição. Vinha que vinha caindo, não tanto de fadiga, mas de mal corrido medo da reação do pai, tão justa, tão ‘necessária’”.

Ponderava, então, o padre jesuíta: “Detestemos o ‘amor’ que vem cobrando, vem lembrando direitos, exigindo prêmios, reclamando festas para seus amigos. Detestemos o afeto que guarda memória, a fidelidade que tem diário, conta os anos, sabe o que falta para as bodas, anda com calendário no bolso...”

Posso me enganar, mas a figura do filho mais moço aparece quase sempre mais simpática para a maioria das pessoas. A gente se identifica mais facilmente com o erro do que com a virtude. E virtude foi o que o filho mais moço apresentou: a absoluta pureza do arrependimento, a real tomada de consciência da própria falta. Por isso, “Salvos estaremos enquanto soubermos o nome do pecado; enquanto nos sentirmos mal, no mal. Então encontraremos a salvação para nossa angústia, como a encontrou o filho mais moço: “O que nos salva foi o que salvou o menino ingrato, que fugiu com o dinheiro de seu pai, pedido antes da hora... o rosto do Pai. O rosto que emparaísa a maioria dos eleitos é o rosto encontrado pelo filho que saiu de casa”, rosto de pai misericordioso.

Não sei o que meu leitor acha dessas considerações do Padre Vasconcelos, que esse é o nome do jesuíta. Mas, que coragem, que absoluta convicção e fé na bondade infinita do Pai, igualmente amoroso para com os dois filhos tão diferenciados.

Pai amoroso

22 de Janeiro de 2025, por João Bosco Teixeira 0

O Deus de Jesus é um PAI infinitamente bom. Isso nos causa um grande constrangimento e se constitui numa real dificuldade para nossa compreensão. Nosso cérebro não tem competência para entender o DEUS de Jesus, no qual nós cristãos acreditamos. Como ter uma noção de algo que vai além das realidades tempo e espaço, em que estamos radicalmente afundados, submersos, submetidos e condicionados? Que experiência podemos ter de algo “infinitamente” grande? E o mais difícil: infinitamente BOM.

Nós humanos vivemos pequenas, minúsculas experiências de grandeza, de bondade, sempre condicionadas a tantas variáveis, até mesmo objetivas, mas, na maioria das vezes, criadas por nós, para justificar tanta atitude indevida. Atingimos o auge da insensatez quando nos pomos a julgar alguém, sabedores que somos de que SÓ DEUS CONHECE OS CORAÇÕES (1Rs 8,30; Lc 16,15).

Mesmo sabedor de tudo isso, Jesus nos contou uma história fantasticamente definidora da INFINITA misericórdia de seu PAI. Trata-se da parábola conhecida entre nós pelo nome de parábola do FILHO PRÓDIGO, que melhor seria identificada por PARÁBOLA DO PAI BOM.

Há tantos elementos a observar nessa história.

Um pai que não pensa em sua própria herança; que respeita a decisão de um filho; que o vê partir, mas não o esquece; que quando o vê de volta se comove, perde o controle e vai ao seu encontro; que se esquece de sua dignidade de “senhor” da família e o abraça e o beija; interrompe a confissão do filho para lhe poupar mais humilhações; não lhe pede explicações para acolhê-lo; não lhe impõe castigo; não exige ritual de purificação. Tem uma única preocupação: que seu filho volte a se sentir bem.

Mais: que tipo de pai é esse que não impõe sua autoridade? Como podia consentir no disparate de um filho que lhe pedia para repartir a herança antes de sua morte? Como dividir sua propriedade pondo em risco o futuro da família?

Os ouvintes de Jesus, e quem sabe nós, não podiam acreditar na acolhida que o pai dera ao filho mais novo. Ele queria proteger o filho da vergonha e da desonra.

É assim que Jesus SENTIA Deus e queria que todos o sentíssemos; é assim que Jesus nos mostrava quem é o Pai de todos, sobretudo de quem se julga “PERDIDO” na vida.

Qualquer pregação ou catequese que esqueça essa parábola central de Jesus não provém de Jesus nem transmite a BOA NOVA de Deus que Ele pregou, boa nova do perdão incondicional, fruto do amor absoluto.

Os teólogos estão, há mais de vinte séculos, elaborando teorias profundas sobre Deus, mas nenhuma supera essa parábola para predicar do INFINITO amor de Deus pelas suas criaturas. É a melhor expressão do MISTÉRIO de Deus. Essa parábola, na verdade, fala melhor do amor do Pai para conosco que todos os livros de teologia.

A gente fica desconcertado diante dessa parábola de Jesus. E ela chama nossa atenção para outra consideração: ao pedir parte de sua herança, o filho mais novo está desejando a morte o pai. Quer ser livre, romper amarras.

Muitos hoje querem se ver livres de Deus, ser felizes sem a presença de um Pai: Deus precisa, deve desaparecer da sociedade e das consciências. Insensatez. Ainda que não se queira, Deus é PAI AMOROSO por excelência.

Natal – celebração da humanização de Deus

25 de Dezembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

É NATAL outra vez. Na minha vida, são oito dezenas de vezes comemorando essa data memorável. Não me canso, pois dia a dia vou emprestando novos significados a esse acontecimento. Cada ano encontro novos motivos para me deixar encantar com ele. E, sobretudo, para louvar e agradecer.

O NATAL é de Jesus.

 “Hoje é Natal, presentes preparar, árvore e presépio de luzes ornar. Que os homens não se esqueçam que o Cristo é quem traz: árvore, presépio, presente que é PAZ”!

Eis tudo: PAZ, que é presente; PAZ que é árvore de vida; PAZ que são luzes para tudo iluminar. PAZ, sobretudo, PRESÉPIO. Presépio que realiza a radicalidade da humanidade de Jesus. No PRESÉPIO se faz pobre como qualquer pobre, rico de toda a humanidade possível, porque destituída de poder, honra e glória. No PRESÉPIO, além de tudo, a origem fatal de toda a nossa esperança, pois não há manifestação divina que não se expresse mediante a carne. E no Presépio, Jesus se fez carne. Na humanidade de Jesus, e do homem, é que Deus se torna visível. E aí, qualquer um de “boa vontade” pode se ver, pode se encontrar, pois tem com quê se identificar. Pode mesmo se divinizar.

 Nisso o meu encanto encantado, o meu entusiasmo com a figura maior da humanidade. Em Jesus qualquer outro templo ou santuário é inútil e ineficaz: é somente na sua radical humanidade que o divino se encontra. Daí, ousadamente, o bom teólogo Magi dizer: “Jesus não é como Deus, mas Deus é como Jesus”.

Que estupenda expressão! Que admirável consolo! Que entusiasmante esperança! Em Jesus, a realidade divina não é uma realidade exterior a ele; não há distância entre o Pai e o Filho, mas fusão e comunhão. E dessa verdade todos participamos. Ó admirável mistério, fruto do insondável amor criador! 

Em Jesus tudo é humanidade, tudo é plenitude de humanidade. Cada gesto seu esteve a favor da restauração da vida. Restauração que se deu pela celebração da incondicional acolhida aos irmãos.

A humanidade plena de Jesus se realiza no dar a vida, no remediar o sofrimento, a enfermidade, a deficiência de qualquer tipo. Jesus captou o mistério de Deus como um mistério de bondade. Ele é o profeta da compaixão de Deus. Humaníssimo, todos quantos dele se aproximavam, e aproximam, podiam e podem tomar consciência de sua plena liberdade e dignidade: livres filhos do Pai.

É hora de se viver a “aldeia global”, “a casa comum de todos os humanos”.

Natal é um abraço de Deus à humanidade que tem, na história, um nome: JESUS, a encarnação da HUMANIZAÇÃO DE DEUS.

“De um ponto de vista” para “O ponto de vista”

27 de Novembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

Escrevi neste periódico expressando-me sempre “De um ponto de vista”. Acredito que os escritos se justificavam, dadas as inúmeras possibilidades de divergência na consideração dos fatos, dos comportamentos, da veracidade ou não dos acontecimentos. A sociedade, na multiplicidade de funções que ela comporta, é enriquecida pela possibilidade de análises e avaliações de variados “pontos de vista”, sempre entendidos como “a vista de um ponto”.

A sociedade brasileira já não precisa de tal riqueza. Tudo ficou transparente. Tudo é absolutamente objetivo. Real. Factual. Tudo agora é “O ponto de vista”. A nação brasileira está engalanada por um grupo de pessoas que se blindaram com poderes superiores a qualquer instância, a qualquer opinião que não nasça de sua peculiar visão dos fatos, dos acontecimentos, da vida.

Desde meus onze anos vivo na querida cidade de São João del-Rei. De algumas dezenas de anos para cá, implantou-se na cidade um grande mal, do “meu ponto de vista”, o maior de todos: a cultura da corrupção que solapa tudo, que transforma até esta culta, bela e possível rica cidade, numa terra por tantos desprezível, dados os qualificativos de abandono, desleixo e ética esquecida de que se revestiu com essa cultura.

Agora me dou conta de que tal cultura foi elevada ao patamar nacional: “A corrupção virou atividade lícita no país”. Está tudo legalizado. Juridicamente legalizado. Tornaram-se desnecessárias as várias instâncias do processo judiciário. Há uma suprema corte que a tudo supre. A palavra suprema cabe ao supremo poder, que desconhece outros legitimamente constituídos, em obediência à Carta Magna. Aliás, como esta desapareceu, é lógico que tudo o mais desapareça. E instituiu-se a Vara Nacional de Assistência à Corrupção e aos Corruptos. “Única corte de Justiça no mundo a legalizar, juridicamente, a corrupção”.  

“Está aberta a militância implacável do STF em favor da ladroagem e dos ladrões”.  “Chegamos, agora, à fase de bater os últimos pregos do caixão” da sensatez, da probidade e, diria eu, gravemente entristecido, do caixão da “República”, da coisa pública, do bem-comum, da Pátria.

Já não há um único preso por corrupção em todo o sistema penitenciário do Brasil”. Empresários que confessaram seus crimes, devolveram bilhões ao patrimônio público, perdoados, andam por aí lépidos e fagueiros porque “Ninguém rouba no Brasil. É tudo mentira”. E tudo em consequência do processo de “recivilização” do país, servindo-me de expressão de um “supremo” que, juntamente com os demais “pede, simplesmente, que você acredite no seguinte: todos os acusados de corrupção neste país são inocentes, sem exceção”.

Quem assim não pensa, quem nisso não acredita é porque não entende nada de nada. Mas, convenhamos, trata-se de desavergonhada proteção ao crime que, entre nós, compensa.

Já não faz sentido a leitura da vida “De um ponto de vista”. Há “O ponto”. E basta.