Abrindo novos caminhos

CARTA DE LISBOA (2023): Ano difícil, mas com esperança renovada

24 de Novembro de 2023, por José Venâncio de Resende 0

Foto publicada em 2013 no site do Parlamento Europeu por ocasião de votação sobre o mercado de crédito de carbono.

Caro leitor,

O ano chega ao final, com novas demonstrações de que a situação na nossa Terra vai de mal a pior. Veja o caso do clima: ondas de calor a bater recordes; secas e enchentes cada vez mais rigorosas; tempestades, furacões e tufões mais fortes e mais frequentes; a água do mar mais quente e o nível dos oceanos a subir (com as geleiras a derreterem em ritmo crescente); ar e mar cada vez mais poluídos devido aos transportes, indústrias, aquecimento doméstico e plásticos. É o homo sapiens em ação.

Não sei se há motivo para esperança, mas não custa fazer um esforço extra para acreditar em soluções. Daí que, para mim, um dos principais acontecimentos de 2023 foi a implantação da Lei do Clima pela União Europeia – um roteiro para combater, no continente, o aquecimento da Terra. A lei aprovada pelo Parlamento Europeu propõe reduzir até o ano de 2030, em pelo menos 55%, os níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEE) - no caso o dióxido de carbono (CO2) - tendo como referência 1990.

Uma das propostas deste pacote ambicioso é a ampla reforma do mercado de carbono – o denominado Regime de Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE). A ideia é limitar as emissões do gás tóxico CO2 na atmosfera através da imposição de cotas à indústria. Ou seja, as empresas têm de adquirir, em leilões, licenças de autorização por tonelada de CO2 emitida.

O ChatGPT define o mercado de crédito de carbono como uma abordagem econômica para lidar com as emissões de gases poluentes que contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Ele tem como objetivo principal incentivar a redução das emissões por meio de mecanismos de precificação do carbono. Seu funcionamento envolve a emissão e a negociação de unidades de carbono, conhecidas como créditos de carbono. Esses créditos representam uma permissão para emitir uma quantidade específica de gases de efeito estufa.

A União Europeia tem o maior mercado de carbono do mundo – estimado em cerca de 11 mil instalações industriais emitindo perto de 40% dos GEE. São indústrias poluidoras tais como usinas de eletricidade, refinarias de petróleo, siderurgia, cimento e empresas de aviação. Os Estados europeus determinam, anualmente, o número de cotas que cada empresa terá direito, dependendo do setor de atividade. Se as emissões ultrapassarem a cota da empresa, ela deve comprar partes suplementares no mercado de carbono. Essas cotas devem ser eliminadas progressivamente até 2034.

A nova lei europeia incluiu no mercado de carbono as emissões de GEE dos setores marítimo e de transportes rodoviários e do aquecimento residencial. E ainda aprovou a diminuição gradual dos direitos de poluir da aviação. O caso do transporte aéreo é exemplar por dois motivos. Em primeiro lugar, espera-se o setor aéreo substitua o combustível em uso por combustíveis menos poluentes. Mas também se desenvolve no continente europeu um plano de revigoramento da ferrovia, por meio da integração regional, um “upgrade da rede” para concorrer com os aviões que fazem voos de curta duração.

As cotas, ou direito de poluir, visam fortalecer a competitividade da indústria europeia e evitar a fuga de carbono para países com regras mais brandas. Essas fugas de carbono, ou “dumping ambiental”, serão evitadas com a aplicação de um mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras (MACF), chamado de imposto de carbono. Em outras palavras, evitar a concorrência desleal, ou seja, que as indústrias europeias tenham de cumprir normas exigentes em seu território enquanto são importados bens de países cuja produção acelere o aquecimento global. É o caso da importação de matérias-primas como ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Os importadores destes bens terão de pagar qualquer diferença entre o preço do carbono no país de produção e o preço das licenças de emissão de carbono na União Europeia.

O modelo europeu é apontado por especialistas como exemplar no propósito de reduzir as emissões na atmosfera de dióxido de carbono das fábricas, e assim combater a piora do clima e o aumento da temperatura da terra. Diante das novas propostas, fica a dúvida sobre a viabilização do acordo de livre-comércio União Europeia-Mercosul. Uma novela que já dura décadas e tem exigências acrescidas, recentemente, relativas à proteção ambiental e aos direitos humanos. Mas, de repente, o governo brasileiro quer apressar a assinatura do acordo do papel, por temer a resistência do novo presidente da Argentina, o “ultralibertário” Javier Milei.

Duas guerras, insanidade

O ano termina com o mundo abalado por duas guerras em curso: a invasão russa ao território da Ucrânia, iniciada em 2022, e a mão pesada de Israel em Gaza (para muitos, desproporcional) contra o massacre e o sequestro levados a efeito pelo grupo islâmico Hamas em 7 de outubro em território israelense. Dois conflitos que, para além dos transtornos econômicos, sociais e humanitários, prejudicam o combate às alterações climáticas ao tirar o foco de um problema da maior gravidade. O ataque do Hamas aconteceu, coincidentemente, quando Israel se preparava para assinar um acordo bilateral com a Arábia Saudita, como parte dos “Acordos de Abraão” destinados a normalizar as relações diplomáticas árabe-israelense (já assinados com  os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein em 2020) sob a mediação dos Estados Unidos.

“Quando nos afastamos o suficiente, podemos ver exatamente quais são as forças que movem a geopolítica atual: a Ucrânia está tentando se juntar ao Ocidente. Israel está tentando se juntar a um novo Oriente Médio. E Rússia e Irã se uniram para tentar impedir ambos”, disse Thomas Friedman (03/11/2023 em O Estado de S. Paulo). Rússia e Irã são aliados, e pelos piores motivos; a começar que internamente não há democracia em nenhum dos dois países; segundo, querem combater o isolamento a que estão expostos promovendo (ou provocando) guerras e espalhando incertezas pelo mundo. É preciso lembrar que o Hamas, bancado pelo Irã, é contra a existência de Israel e os radicais israelenses que apoiam o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu são contra a criação do estado da Palestina. Daí as ações de selvageria tanto por parte do Hamas quanto do governo israelense – o “olho por olho, dente por dente”.

É imperioso que se coloque fim aos dois conflitos, um no Leste Europeu e outro no Oriente Médio. Quer pelo abandono por parte da Rússia de seu ímpeto imperialista, deixando os territórios invadidos e o caminho livre para a Ucrânia se consolidar como nação e aderir à União Europeia; quer pela criação do estado palestino (a ser governado por uma Autoridade da Palestina reformada, rejuvenescida e fortalecida). Dois estados onde judeus e palestinos possam conviver de maneira civilizada, cada qual respeitando a crença religiosa e a autodeterminação do outro povo.

Mas para isso é preciso ultrapassar os governos autocrático-religiosos tanto do sr. Putin (Rússia) quanto do sr. Netanyahu (Israel). Vladimir Putin joga claramente com a falta de resultados na contraofensiva ucraniana; o apoio de aliados como Irã, Coreia do Norte e China; o cansaço dos aliados da Ucrânia e a possibilidade da volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. O custo de uma cedência ao instinto imperialista do regime russo será extremamente oneroso para a democracia. Daí porque considero no mínimo incoerente a aposta na aliança a qualquer custo com o eixo autocrático China-Rússia-Irã, tanto no âmbito do chamado “BRICS ampliado”* quanto no do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Africana) ou de outro tipo de organização.

Netanyahu foi um crítico ferrenho dos chamados acordos de Oslo (busca de paz duradoura entre os dois povos) de 1993. A foto do aperto de mãos entre o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, sob o olhar cúmplice do então presidente norte-americano Bill Clinton, ficou para a história. Mas os acordos de Oslo – que representavam esperança real de paz mas que resultaram no assassinato deYitzhak Rabin em 1995 por um judeu fanático - foram “dinamitados” pelo sr. Netanyahu e seus aliados religiosos e radicais de direita.

Na verdade, o risco é não apenas de a guerra na Ucrânia se prolongar no tempo (em benefício da Rússia) e a crise em Gaza se espalhar pelo Oriente Médio (com o envolvimento de países como o Irã de braços dados com a Rússia). Mas também de a China aumentar o seu assédio aos países fronteiriços do mar do sul, bem como invadir Taiwan causando uma disrupção na indústria de semicondutores e na economia mundial. Isto, sem falar das guerras civis que pipocam em países africanos e asiáticos. É o que se pode chamar de “nova (des)ordem internacional”, de acordo com reportagem da revista The Economist**. Tudo isto temperado com um populismo crescente (e perigoso) entre políticos e partidos por toda parte.

Ano difícil

Este foi um ano muito difícil. Nem havíamos recuperado da pandemia quando nos deparamos com os dois conflitos. O impacto econômico e social tem sido forte e há muita incerteza pela frente, inclusive quanto à segurança com o risco acrescido de atentados fruto do radicalismo religioso. Portugal, por exemplo, já não é mais aquele país onde se tinha um dos custos de vida mais baixos da União Europeia. Inflação acima do patamar, juros elevados, custos estratosféricos de imóveis e arrefecimento das exportações – numa Europa praticamente estagnada –, agora agravados pela demissão do governo e novas eleições com resultado imprevisível, compõem a cena de incertezas que só não é mais catastráfica porque o nível de desemprego ainda está baixo. Condicionado por este cenário, tive de adiar meus planos de fazer algumas viagens pelo continente. Optei por ficar confinado no país e concentrar-me em viagens intrafronteira e na leitura de livros.

Entre os livros que li este ano, destaco a “biografia” fantástica denominada Roma – História da Cidade Eterna (Crítica, 2022), de Ferdinand Addis. Acaba por ser um roteiro para a viagem que desejo realizar a Roma, talvez em 2024. Para além do robusto conteúdo histórico e da arquitetura antiga, chamou-me a atenção o capítulo sobre as cinco basílicas patriarcais (os chamados “tronos de bispo”) de Roma: São João de Latrão (século V), Santa Maria Maior (século V), São Lourenço (século V), São Paulo (século IV) e de São Pedro (1626).

Aliás, tenho uma lista interminável de livros para ler antes de fazer minha viagem sem volta - muitos de autores com quem nunca tive contato. É o caso, por exemplo, de Ken Follett (mais de 188 milhões de exemplares vendidos de seus 36 livros), que li este ano pela primeira vez. Em Armadilha de Luz (Presença, 2023), o autor romanceia a evolução tecnológica (novas máquinas e novos processos de tecelagem) e as consequentes transformações econômico-sociais decorrentes durante a primeira revolução industrial, como o surgimento do sindicato de operários no setor têxtil - isto em plena guerra contra Napoleão Bonaparte. Um romance histórico que retrata a luta dos mais fracos pelos seus direitos e pela liberdade. “A revolução industrial está em marcha. A modernização desenfreada, feita com novas e perigosas máquinas, está a tornar muitos empregos obsoletos e a destruir famílias. Mas os trabalhadores das fábricas também vivem na miséria. À medida que um conflito internacional se aproxima (guerras napoleônicas), um pequeno grupo de habitantes de Kingsbridge - de que fazem parte a ¬fiandeira Sal Clitheroe, o tecelão David Shovelle - luta pela liberdade e pelo seu futuro” (do autor em entrevista à CNN Portugal, 19/11/2023).

E acabo de ler O segredo de Espinosa (Planeta, 2023), de José Rodrigues dos Santos, que conta a história de Bento (Benedictus) de Espinosa, o judeu português, nascido em Amsterdã (República dos Países Baixos, vulgo Holanda), que em pleno século XVII, para além de defender a separação entre Estado e religião que inspirou a Constituição dos Estados Unidos, levou ao extremo o cartesianismo do filósofo francês René Descartes. Como observou o professor Theodore Kraanen, da Universidade de Leiden: “O problema é que o seu Tractatus Theologico-Politicus levou o uso da razão até aos seus derradeiros limites. Nunca até agora ninguém tinha feito isso. O próprio Descartes, quando propôs o uso da razão como instrumento para desvendar a natureza, teve o cuidado de reservar um lugar especial para a intervenção divina. Deus manteve sempre o seu papel no grande esquema das coisas. O mesmo fizeram todos os outros filósofos, desde Galileu a Hobbes, passando por Bacon. A razão sempre teve Deus como limite. O problema é que o seu livro ultrapassou esse limite e veio dizer que a razão se sobrepõe à Bíblia. Pior, o seu tratado afirma mesmo que o próprio Deus está submetido às regras da razão. Isso é uma mensagem muito perigosa, como decerto não ignora. Ao mostrar que a lógica racional cartesiana, quando assumida em todas as suas implicações e levada às últimas consequências, coloca Deus numa situação de submissão à razão, é natural que muitas pessoas fiquem escandalizadas”.

Escandalizou não apenas os calvinistas como também os filósofos racionalistas seus contemporâneos. O livro de Bento teve a sua publicação proibida, numa época em que a maioria tinha a Bíblia como a única fonte de informação e ensinamento – mediante a interpretação dos religiosos -, mas, em conversa com o filósofo alemão Gottfried Leibniz, ele revelou o seu segredo: “Quando afirmo que Deus emite leis, senhor Leibniz, estou na verdade a afirmar que a natureza emite leis. Ou seja, quando falo de Deus, falo da natureza. Não diferencio Deus e a natureza. Se o mundo é regido por leis naturais e tudo o que ele contém é natural, então Deus é natural”. Como diz o autor do livro, Bento sempre negou que fosse ateu, mas “propôs que se substituíssem as religiões que apregoavam superstições por um sistema que usasse a razão”. E o seu conceito acabou por contribuir “para a emergência ou o desenvolvimento de um novo tipo de religião, as religiões políticas, como o liberalismo, o socialismo, o nacionalismo e o socialismo nacionalista”.

Espero que tenhamos um novo ano com menos espaço para a “desordem internacional” e para ódio e ressentimento, o que tornaria mais fácil resolver os problemas do mundo assim como de nossas vidas. Feliz 2024!

*BRICS: Originalmente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; recentemente, foram aprovados como novos membros Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

**From Gaza to Ukraine, wars and crises are piling up (The Economist, 13/11/2023).  

JMJ Lisboa 2023: “A Igreja é para todos, todos, todos!”, insistiu o papa Francisco

07 de Agosto de 2023, por José Venâncio de Resende 0

Cerca de 1,5 milhão de jovens com o papa no encerramento da JMJ Lisboa.

Uma revelação do bispo D. Américo Aguiar, responsável pela JMJ Lisboa, às vésperas do evento, pode ter passado despercebida*. “Nós andamos meses aqui a trabalhar para um encontro presencial com os jovens ucranianos e com os jovens russos.” Mas, em visita à Ucrânia antes da Jornada, o futuro cardeal de Portugal testemunhou “no terreno, nas casas, nas famílias, nas cidades aquilo que esses jovens estão a viver” em meio a um país destroçado pelos invasores russos. E D. Américo ouviu desses jovens o pedido para que não os forçassem “a um tipo de mediatização mais ou menos simpática de um encontro (com os jovens russos); pediram que nós não fizéssemos isso. É preciso tempo! E o tempo da paz, o tempo da reconciliação é um tempo muito especial dos corações”. “E o que eu aprendi lá e ouvi e senti no meu coração, olhos nos olhos, coração a coração, é que não é o tempo pra isso. Os corações sangram, as feridas estão abertas”. A expectativa de D. Américo era de que “os jovens ucranianos e os jovens de outros países que estão em conflito, que estão em Guerra” gritassem “aos corações dos adultos, aos corações das lideranças que não querem a opção da Guerra”. E que a JMJ Lisboa pudesse ser “uma semente de paz”.

E a paz foi mesmo um dos focos da JMJ Lisboa, liderada pela papa Francisco que, na quinta-feira (3 de junho), se encontrou, na sede da Nunciatura Apostólica, com um grupo de 15 jovens peregrinos da Ucrânia que participava da JMJ Lisboa. Segundo a imprensa da Santa Sé, o papa ouviu “as histórias tocantes” desses jovens e manifestou “a sua proximidade, na dor e na oração”. No final de meia hora de encontro, “o Papa e os jovens recitaram juntos o Pai-Nosso, com o pensamento voltado para a martirizada Ucrânia”. No dia anterior (2), durante a reunião com autoridades políticas, representantes da sociedade civil e corpo diplomático, o papa Francisco já havia cobrado da Europa mais criatividade perante a guerra na Ucrânia e a crise migratória no continente. “Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?”

Medos x sonhos 

O papa Francisco compareceu a dezenas de cerimônias, entre encontros com autoridades e religiosos e com estudantes universitários, visita a projetos multicultural e social, deslocação ao santuário de Fátima para rezar pela paz e contra as guerras, encontros com os jovens no Parque Eduardo VII (acolhida) e no Parque Tejo (vigília e “envio”) e com os voluntários antes de voltar ao Vaticano. E, durante cinco dias, o papa ia de encontro em encontro, de discurso em discurso, e entre um e outro, incansável, quebrava protocolo e distribuía sorrisos, bençãos e afagos aos populares, gente de todas as idades, concentrados nas ruas e praças à sua espera e nos locais de encontro marcado com os jovens.

Na Universidade Católica, o papa reuniu-se com estudantes de várias partes do país, quando pediu-lhes “a coragem de substituir os medos pelos sonhos: não administradores de medos, mas empreendedores de sonhos. Na sede lisbonense da organização internacional (multicultural e inclusiva) Scholas Occurrentes, projeto de redes educativas criado por ele ainda enquanto bispo na Argentina, o papa respondeu perguntas dos jovens e lembrou que a crise faz parte da nossa vida: há que assumir e enfrentar as crises! É preciso transformar o caos em cosmos! 

Na visita ao Centro Paroquial da Serafina – um dos bairros mais pobres de Lisboa onde “nem os polícias entravam”, segundo o pároco Francisco Crespo, há mais de 40 anos desenvolvendo ali uma obra social para crianças, jovens e idosos -, o papa desafiou as instituições socio-caritativas da Igreja Católica a “sujar as mãos” e não ter “nojo da pobreza dos outros”. 

Estaleiros da esperança

Para além da guerra na Ucrânia e da migração, o primeiro dia do papa Francisco na JMJ Lisboa foi reservado a outro assunto espinhoso: abusos sexuais na Igreja. O tema foi tratado, direta e fortemente, com o clero e os religiosos da Igreja portuguesa, por acentuar “a desilução e a raiva que alguns nutrem em relação à Igreja”, devido ao “mau testemunho” e aos “escândalos”. O encontro com 13 vítimas de abusos logo no primeiro dia da Jornada reforçou a ideia da vontade de enfrentar o problema. 
Em seu discurso, durante reunião com autoridades, membros do corpo diplomático e representantes da sociedade civil e da cultura, o papa defendeu que nos devemos concentrar em “três estaleiros de construção da esperança onde podemos trabalhar todos unidos: o ambiente, o futuro, a fraternidade.

Em relação ao ambiente: “Estamos a transformar as grandes reservas de vida em lixeiras de plastico. O oceano lembra-nos que a existência humana é chamada a viver de harmonia com um ambiente maior do que nós; este deve ser guardado com cuidado, tendo em conta as gerações mais novas”. 

Quanto ao futuro: “…o futuro pede para se contrariar a queda da natalidade e o declínio da vontade de viver. A boa política pode fazer muito neste sentido; pode gerar esperança. Com efeito, não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar. É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos”. 

Por fim, sobre a fraternidade, “…no contexto geral duma globalização que nos aproxima mas não nos dá uma proximidade fraterna, somos todos chamados a cultivar o sentido da comunidade, começando por ir ter com quem vive ao nosso lado. Com efeito, como observou Saramago, «o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito, para se alcançar o que está perto» (Todos os nomes, 1997).” Mas não ficou por aí, citou outros poetas consagrados, de Camões a Pessoa.

Acolhimento

O Parque Eduardo VII, batizado como “Colina do Encontro”, recebeu cerca de 500 mil jovens para o encontro da acolhida, na tarde de quinta-feira (3), um dos mais aguardados, num ambiente de muita alegria, dança, música e emoções à flor da pele. Neste encontro, o papa Francisco apelou à multidão para que “nos chamemos pelo nome e lembremos uns aos outros a beleza de ser amados e preciosos, conscientes de que Deus nos ama como somos, com nossas fraquezas e nossos limites, e de que a Igreja nos acolhe a todos, todos”.

O papa acentuou que na Igreja há lugar pra todos; repetiu a palavra TODOS e insistiu para que a multidão dissesse bem alto e várias vezes a palavra “todos”: Repitam comigo. Quero que digam na vossa própria língua: todos, todos, todos. Assim, deixava claro que não há lugar para discriminações de qualquer tipo. Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade.

Foi o maior fenômeno de massa, o maior contágio coletivo, que eu jamais presenciei”, disse ao vivo na TVI o experiente jornalista José Alberto Carvalho. Isto porque ele ainda não tinha presenciado a Via Sacra da sexta-feira (4). 

Via sacra das fragilidades 

A Via Sacra das 14 fragilidades, identificadas pela própria juventude, concentrou cerca de 800 mil jovens na Colina do Encontro. Foram 14 estações, que refletiram 14 fragilidades (ou cruzes) identificadas pela própria juventude, de acordo com um grupo formado por 50 jovens de 22 países que organizou a Via-Sacra (recriação do caminho de Jesus para a crucificação). 
Falou-se de saúde mental (aliás, tema muito aplaudido), pobreza, violência, solidão, falta de compromisso, intolerância, individualismo, destruição da criação, dependências, incoerência, crise humanitárias, produtivismo, desinformação e medo do futuro, tudo encenado de forma bastante original, num percurso vertical da Cruz entre os andaimes que formam o palco, de jovem a jovem. Algo bastante inédito, como definiu a diretora artística Matilde Trocado. Segundo a reportagem do Vatican News, o projeto nasceu da Companhia de Jesus com as reflexões de cada estação feitas pelo jesuíta de Lisboa Pe. Nuno Tovar de Lemos e os painéis do Pe. Nuno Branco. 

Em sua intervenção, o papa destacou a Cruz que acompanha cada Jornada Mundial da Juventude, que “é o ícone desta jornada”, o significado maior do amor maior, “a beleza de um amor que dá a sua vida por nós”. E ainda evocou as “lágrimas” das novas gerações: “Faço-vos uma pergunta, mas cada um responde para si: choro, de vez em quando? Há coisas na vida que me fazem chorar? Todos choramos na vida, ainda choramos, e aí está Jesus, Ele chora conosco”. O papa pediu um momento de silêncio à multidão (e foi atendido), para que cada um “diga a Jesus por que razão chora na vida”. 

No penúltimo dia da JMJ, o papa Francisco visitou o Santuário de Fátima e, na Capelinha das Aparições, rezou “em silêncio” e com dor pela paz no mundo, segundo a imprensa do Vaticano. E, ao recitar o terço na companha de jovens com deficiência e reclusos, voltou a insistir que a Igreja é para todos, todos, todos! E ainda perante os milhares de peregrinos pediu uma Igreja aberta, “Acolhedora, sem porta” pois “a Igreja não tem portas para que todos possam entrar”.

“Levanta-te e vai”

Na noite do sábado (5), o papa presidiu a vigília de oração no Parque Tejo, batizado de Campo da Graça, onde estavam concentrados cerca de 1,5 milhão de jovens. A primeira parte foi mais performática. A ideia era contar através da “música e da dança contemporânea” a história de “um encontro transformador” e estimular nos participantes a “vontade de continuar a servir”. A segunda parte foi dedicada à adoração do Santíssimo. 

Em silêncio, a multidão de jovens peregrinos aguardou, de olhos postos no altar-palco, as palavras do papa Francisco, que lembrou quem foram nossos “raios de luz”, “as raízes da nossa alegria: pais e avós, padres e freiras, catequistas, animadores, professores”. Como consegue “uma árvore, grande e bela resistir às tempestades e aos ventos que a sacodem?” “Graças às suas raízes.” 

O papa ainda exortou os jovens a “levar aos outros” “a alegria é missionária e aconselhou: a única situação em que é lícito olhar de cima para baixo para uma pessoa é para a ajudar a levantar-se. E no final pediu: “Jovem que estás aqui, cansado porque caminhaste tanto, mas feliz porque fizeste mais leve a alma com uma sensação de liberdade que as coisas não te dão, levanta-te: abre o coração a Deus, agradece-Lhe, abraça a beleza que és; enamora-te da sua vida e descobre cada dia que és amado. E depois vai: sai, caminha com os outros, procura os que estão sozinhos; colora o mundo com os teus passos e pinta de Evangelho as estradas da vida. Levanta-te e vai.” 

Todos dormiram no chão desconfortável, em sacos-cama, uns aquecendo os outros, na noite amena de Lisboa. Mas acordaram bem-dispostos. 

“Não tenham medo” 

Na “missa de envio” (na manhã de domingo de 6 agosto, no Parque Tejo), o papa deixou a estes jovens uma mensagem forte: Vocês têm um sonho grande, mas às vezes ficam ofuscados pelo temor de não os verem realizado. Às vezes pensam que não serão capazes. A vocês, que pensam que fracassaram. A vocês, jovens, que querem mudar o mundo e lutar pela justiça e pela paz, que investiram o melhor do vosso esforço e imaginação, mas ficam com a sensação de que não é suficiente. A vocês, jovens, de quem a Igreja e o mundo têm necessidade como a terra da chuva, que são o presente mas também o futuro. Sim, precisamente a vocês, jovens, é que Jesus diz ´Não tenham medo´, ´Não tenham medo´” (frase que repetiu várias vezes).

Antes de rezar o Angelus no final da Eucaristia, o papa agradeceu a todos os organizadores da JMJ Lisboa e aos jovens presentes, mas não esqueceu dos que “não puderam vir por causa de conflitos e de guerras. No mundo são muitas as guerras, são muitos os conflitos. Pensando neste continente, sinto grande tristeza pela querida Ucrânia, que continua a sofrer muito. Amigos, permitam-me também que eu, já idoso, compartilhe convosco, jovens, um sonho que trago cá dentro: é o sonho da paz, o sonho de jovens que rezam pela paz, vivem em paz e constroem um futuro de paz”. 

E, no final, anunciou que a próxima Jornada Mundial da Juventude acontecerá em 2027 em Seul, na Coreia do Sul, Ásia. 

Maior evento de Portugal 

A JMJ 2023 (lisboa2023.org), coordenada pelo futuro cardeal D. Américo, 49 anos, e com amplo envolvimento do governo e de câmaras municipais (prefeituras) da “grande Lisboa”, foi o maior evento internacional jamais realizado por Portugal (o 13.º país a acolher este encontro de jovens promovido pela Igreja Católica), depois de adiado um ano devido à pandemia de covid-19. A dimensão da Jornada - voltada à peregrinação e à evangelização dos jovens - pode ser medida por alguns números, embora muitos deles careçam de confirmação por terem sido divulgados às vésperas do evento.

Muitos dos 354 mil jovens peregrinos inscritos, de 151 países, participaram em Portugal de atividades como “Dias da Diocese”, hospedando-se em famílias de acolhimento, escolas, pavilhões esportivos e instituições católicas no interior do país, antes de chegar a Lisboa. Para o encerramento da JMJ Lisboa, uma área de 100 hectares no Parque Tejo (entre Lisboa e Loures), com o altar-palco (4 metros de altura e capacidade para cerca de 1240 pessoas), foi construída para a vigília e a “cerimônia de envio”, recebendo cerca de 1,5 milhão de jovens nos dias 5 e 6 de agosto - agora, vai ser destinada ao público e à realização de eventos. Cerca de um milhão de hóstias foram produzidas pelas irmãs Clarissas do Mosteiro do Imaculado Coração de Maria, para as eucaristias da Jornada; e para isso foram utilizadas duas toneladas de trigo alentejano, doado por entidades do setor. Participaram mais de 20 mil voluntários de 143 países e mais de 700 bispos e cardeais.

Um dos destaques do programa de atividades foi o “Festival da Juventude”, com a estimativa de mais de 500 eventos em 100 espaços dos municípios de Lisboa, Loures e Cascais. A agenda incluiu propostas culturais, artísticas, religiosas e desportivas, que promoveram a “partilha da experiência cristã dos jovens de todo o mundo e a criatividade e generosidade que essa experiência gera”, segundo a Agência Ecclesia. Foram previstos mais de 290 concertos em palcos e espaços exteriores e também em espaços interiores (auditórios, salas de cinema, teatros, museus, espaços de exposições e igrejas). Foram 17 exposições distribuídas por vários espaços da capital portuguesa, com diversos temas. 

Mas a grandiosidade do evento vai além dos números. Durante os Dias das Dioceses e da Jornada, o que mais se ouvia dos jovens que chegavam a Portugal eram expressões como sonho realizado, alegria, ver o papa, experiência, fraternidade, conhecimento, fé, convivência, felicidade, oportunidade, união, gratidão, partilha, amor, interagir, compartilhar, intercâmbio de culturas, esperança e caminhada. Quem andou por Lisboa e arredores nos dias oficiais da JMJ, dificilmente não terá esbarrado com grupos de peregrinos, transportando (ou enrolados em) bandeiras coloridas de seus países – muitos inclusive a autografar bandeiras dos jovens de outros países -, a caminhar pela cidade, entoar cânticos, sentar/comer/deitar em praças públicas e em longas filas de restaurantes previamente contratados. 

Dinheiro Público 

O dinheiro público investido na Jornada, estimado em cerca de 80 milhões de euros (governo e câmaras municipais de Lisboa e de Loures), foi motivo de polêmica, principalmente porque o Estado é laico e grande parte dos investimentos foi feita por ajuste direto (sem licitação). Mas especialistas e analistas, como o comentarista da CNN Portugal Paulo Portas, consideram que o custo-benefício é altamente favorável a Portugal. Estudo feito pelo ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa) e a consultoria PwC mostra que o impacto da JML na economia portuguesa, em termos de valor acrescentado bruto, estaria entre 411 e 560 milhões de euros; em valor de produção, estaria entre 800 milhões e 1,1 bilhão de euros; portanto, bem acima dos gastos públicos. Mas em termos políticos o assunto ainda vai dar o que falar, principalmente porque o Estado é laico. 

*CNN Portugal (30/07/2023)   

Fontes: CNN Portugal, Agência Ecclesia, Vatican News 

O mercado de emissões de carbono e a crise climática

09 de Junho de 2023, por José Venâncio de Resende 0

O robô inteligente, do outro lado (foto extraída do site da BBC News).

Uma entrevista com o ChaGPT sobre a crise climática e o mercado de emissões de carbono como uma das soluções apontadas para enfrentar o aquecimento global. As respostas do assistente virtual inteligente (em formato chatbot online com inteligência artificial, desenvolvido pela OpenAI) não sofreram, propositadamente, nenhum tipo de correção.

Qual é a gravidade da crise climática para a existência na Terra?

A crise climática representa uma ameaça significativa para a existência na Terra e para o futuro de todas as formas de vida que habitam o planeta. A gravidade da crise climática se manifesta em várias formas:

Aquecimento global: O aumento das emissões de gases de efeito estufa, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e à destruição de florestas, está levando a um aumento das temperaturas globais. Esse aquecimento causa uma série de impactos, como o derretimento das calotas polares, o aumento do nível do mar, eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como tempestades mais fortes, secas prolongadas e ondas de calor intensas.

Perda de biodiversidade: As mudanças climáticas estão causando a perda acelerada de habitats naturais, o que leva à extinção de muitas espécies. Os ecossistemas estão sendo desestabilizados, afetando a cadeia alimentar e a interdependência entre as espécies. A perda de biodiversidade pode ter efeitos cascata em todo o planeta, comprometendo a resiliência dos ecossistemas e a capacidade de sustentar a vida.

Escassez de recursos hídricos: As mudanças climáticas afetam o ciclo da água, levando a padrões de precipitação alterados e eventos extremos, como secas e inundações. A escassez de água potável afeta a disponibilidade de recursos essenciais para a vida humana, agricultura, indústria e ecossistemas naturais.

Impacto na segurança alimentar: As mudanças climáticas têm consequências significativas na produção de alimentos, com alterações nos padrões de cultivo, aumento de pragas e doenças, e diminuição da produtividade agrícola. Isso pode levar à insegurança alimentar, afetando principalmente as populações mais vulneráveis.

Consequências socioeconômicas: A crise climática tem implicações socioeconômicas significativas, com o potencial de agravar desigualdades existentes. Comunidades pobres e países em desenvolvimento são particularmente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, devido à falta de recursos e infraestrutura para se adaptarem adequadamente.

Risco de colapso dos ecossistemas: À medida que os impactos das mudanças climáticas se intensificam, existe o risco de que alguns ecossistemas importantes entrem em colapso, como recifes de coral, florestas tropicais e sistemas de gelo polar. O colapso desses ecossistemas teria consequências devastadoras para a biodiversidade e para a saúde do planeta como um todo.

Portanto, a crise climática é uma ameaça séria e urgente, exigindo ação coletiva para mitigar suas causas e adaptar-se aos impactos já em curso. É crucial que governos, empresas e indivíduos adotem medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, investir em energia limpa e sustentável, conservar os ecossistemas e adotar práticas agrícolas mais sustentáveis.

Mercado de carbono

O que é o mercado de emissões de carbono e como funciona?

O mercado de emissões de carbono é uma abordagem econômica para lidar com as emissões de gases de efeito estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Ele tem como objetivo principal incentivar a redução das emissões por meio de mecanismos de precificação do carbono.

O funcionamento do mercado de emissões de carbono envolve a emissão e negociação de unidades de carbono, conhecidas como créditos de carbono. Esses créditos representam uma permissão para emitir uma quantidade específica de gases de efeito estufa. O mercado de carbono pode ser implementado em nível nacional ou regional, como a União Europeia, ou por meio de acordos internacionais, como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.

Existem dois principais tipos de sistemas de mercado de emissões de carbono: o sistema de cap-and-trade (limite e comércio) e o sistema de taxas. No sistema de cap-and-trade, um limite máximo de emissões é estabelecido e as emissões são divididas em cotas individuais que podem ser compradas e vendidas entre as empresas. Se uma empresa reduz suas emissões abaixo do limite, ela pode vender as cotas excedentes para outras empresas que excederam suas cotas. Isso cria um incentivo financeiro para as empresas reduzirem suas emissões de forma eficiente. Já no sistema de taxas, as empresas pagam uma taxa fixa por unidade de emissão de carbono que produzem, o que também cria um incentivo para reduzir as emissões.

O mercado de emissões de carbono é baseado no princípio de que as emissões de gases de efeito estufa têm um custo ambiental e que esse custo deve ser internalizado nos processos econômicos. Ao atribuir um valor financeiro às emissões de carbono, o mercado incentiva as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis e a investirem em tecnologias mais limpas e de baixo carbono.

Além disso, o mercado de emissões de carbono também pode financiar projetos de redução de emissões em países em desenvolvimento, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Esses projetos geram créditos de carbono que podem ser vendidos no mercado, incentivando a transferência de tecnologia limpa e o desenvolvimento sustentável.

No entanto, é importante ressaltar que o mercado de emissões de carbono não é a única solução para enfrentar as mudanças climáticas. Ele deve ser complementado por políticas governamentais abrangentes, investimentos em energias renováveis, eficiência energética e outras medidas para reduzir as emissões e promover uma transição para uma economia de baixo carbono.

Qual é a situação atual do mercado de emissões de carbono?

Como modelo de linguagem, minha informação é atualizada até setembro de 2021, e não tenho acesso a dados em tempo real. Portanto, não posso fornecer informações específicas sobre a situação atual do mercado de emissões de carbono em junho de 2023. No entanto, posso fornecer uma visão geral do funcionamento do mercado de emissões de carbono com base nas informações disponíveis até minha data de corte.

O mercado de emissões de carbono é uma abordagem baseada no mercado para lidar com as mudanças climáticas. Ele foi estabelecido para reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) de forma economicamente eficiente, incentivando a redução de emissões em locais onde isso é mais viável e econômico. O principal objetivo do mercado de emissões de carbono é criar um sistema de precificação do carbono, onde as emissões de GEE têm um custo associado.

O principal instrumento utilizado nos mercados de emissões de carbono é o sistema de cap-and-trade (limite e comércio). Nesse sistema, um limite máximo de emissões é estabelecido e as empresas recebem permissões de emissão correspondentes a uma certa quantidade de emissões. As empresas podem comprar ou vender essas permissões no mercado, o que permite flexibilidade e incentiva a redução de emissões onde for mais econômico.

Existem diferentes mercados de emissões de carbono em todo o mundo, com o mais conhecido sendo o sistema europeu de comércio de emissões (European Union Emissions Trading System - EU ETS). Outros exemplos incluem o sistema de comércio de emissões da Califórnia (California Cap-and-Trade Program) nos Estados Unidos e o esquema de comércio de emissões da Nova Zelândia (New Zealand Emissions Trading Scheme).

A situação atual do mercado de emissões de carbono pode variar dependendo do país ou região específica. Desde a minha data de corte, várias jurisdições têm implementado políticas para fortalecer e expandir seus sistemas de comércio de emissões, com o objetivo de reduzir as emissões e atingir metas climáticas mais ambiciosas. Além disso, existem discussões em andamento sobre a criação de um mercado global de carbono para ajudar a impulsionar os esforços de redução de emissões em todo o mundo.

Para obter informações mais atualizadas sobre a situação específica do mercado de emissões de carbono em junho de 2023, recomendo consultar fontes confiáveis, como relatórios de organizações internacionais, notícias sobre políticas climáticas e sites governamentais relacionados.

 

De imigrantes, negócios e cultura, à sombra da Ucrânia

26 de Abril de 2023, por José Venâncio de Resende 0

Lula e Costa viajaram na aeronave militar da Embraer "padrão NATO" (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República do Brasil).

De Lisboa. 

A assinatura do acordo entre Brasil e Portugal sobre a concessão de equivalência de estudos no ensino fundamental/básico e médio/secundário – uma reivindicação antiga dos imigrantes – e a decisão de reforçar a presença em território português da Embraer – que já vendeu cinco aeronaves KC-390 à Força Aérea Portuguesa (que faz parte da OTAN/NATO*) a operarem a partir deste ano – estão entre as medidas anunciadas durante a recente passagem do presidente Luís Inácio Lula da Silva por Portugal. No caso da cooperação educacional, há ainda a decisão de estudar a ampliação do acordo para a equivalência de graus e títulos de ensino superior.

Quanto à Embraer, a intenção é avançar para o desenvolvimento de uma base tecnológica e industrial de defesa em Portugal, que inclusive permitirá ampliar a produção conjunta de aeronaves militares “padrão NATO”. Como a demanda portuguesa não é suficiente para absorver toda a produção, a empresa vai acabar fornecendo seus aviões para outros países da NATO/OTAN. E como bem salientaram o presidente brasileiro Lula da Silva e o primeiro-ministro português  Antônio Costa, este é um modelo bem-sucedido de parceria na área empresarial que precisa ser estendido a outros setores da economia; ou seja, há um imenso espaço para dinamizar o comércio exterior entre os dois países. Costa ressaltou o potencial de projetos voltados para a transição energética, em especial um estudo conjunto em torno do hidrogênio verde. 

A chegada de Lula da Silva a Portugal foi marcada pela desconfiança em relação à posição do presidente brasileiro sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, manifestada em recente visita à China, na qual ele culpou também o país invadido (e consequentemente seus apoiadores) pela guerra e vinha defendendo um acordo de paz no mínimo assimétrico. Como membro do BRICS (agrupamento de cinco países emergentes)** e com a volta do ativismo do Brasil na política externa, o País passou a ser visto como inclinado a fechar com posições russas e chinesas em questões delicadas como esta, que envolve Estados Unidos e União Europeia no âmbito da NATO/OTAN. Não apenas interesses comerciais, mas também a questão ideológica contamina esta discussão.    

No mesmo dia (24) em que Lula da Silva cumpria agendas no Porto e em Lisboa, Bruxelas, por meio do chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, desafiou o presidente brasileiro a visitar Kiev para conhecer de perto a realidade da guerra, se quiser se credenciar como um potencial mediador “credível” para o conflito. E, um dia depois, na Assembleia da República, durante a cerimônia de recepção a Lula da Silva que antecedeu às comemorações da Revolução de 25 de abril*** – a popular Revolução dos Cravos -, ficaram claras as diferenças de ênfase.

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, foi explícito: “Acreditamos que é urgentíssimo trocar as armas pelas conversações político-diplomáticas, que ponham fim ao conflito e salvaguardem, elas sim, os interesses legítimos em presença. Precisamos, na verdade, de falar mais de negociações e menos de batalhas. A condição é simples e depende unicamente da Federação Russa: é o agressor cessar as hostilidades e retirar-se do país soberano que invadiu”.

Lula da Silva, que em outro momento da visita a Portugal já havia condenado a agressão da Rússia contra a Ucrânia, num possível reposicionamento em relação à invasão russa (pelo menos, esta é a expectativa por aqui), defendeu, em seu discurso na Assembleia da República, o papel do diálogo e da diplomacia para conseguir a paz. Ou seja, não se referiu à devolução dos territórios invadidos, a principal exigência da Ucrânia e de seus aliados.

Acordo UE-Mercosul: a longa espera

Durante o Fórum Empresarial Portugal-Brasil, no dia 24 de abril, em Matosinhos (região do Porto), o primeiro ministro português Antônio Costa destacou que o acordo Mercosul – União Europeia**** é absolutamente estratégico para Portugal, ao permitir melhores oportunidades para aumentar as relações comerciais com o Brasil. Iniciado em 1999 e assinado em 2019, o acordo de livre comércio Mercosul - União Europeia vem se arrastando no tempo. Agora precisa ser ratificado pelos congressos nacionais dos envolvidos dos dois continentes.

Por isso, Costa prometeu “trabalhar mesmo para concluir este acordo entre a União Europeia e o Mercosul. As posições dos dois governos sobre a rápida conclusão deste acordo de livre comércio constam da Declaração Final da XIII Cimeira Luso Brasileira. Ao mesmo tempo, Lula da Silva e Costa reafirmaram o interesse em ver ampliados os investimentos bilaterais em áreas prioritárias como infraestruturas, energia, novas tecnologias, saúde, espaço, defesa e mar e oceanos.

O problema é que o diabo mora nos detalhes, no caso do acordo Mercosul - União Europeia. São negociações complexas que envolvem áreas como marcos regulatórios, tarifas alfandegárias, regras sanitárias, propriedade intelectual e compras públicas. E sobretudo interesses conflitantes. Daí as dificuldades em aprovar o acordo nos parlamentos de cada país.

Dois escritores, duas situações

Com a presença dos presidentes Marcelo Rebelo de Sousa (Portugal) e Luís Inácio Lula da Silva (Brasil), o músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda recebeu formalmente, em 24 de abril, o Prêmio Camões de literatura em língua portuguesa, quatro anos depois de seu anúncio. Se a entrega do Prêmio Camões a Chico Buarque teve ampla repercussão nas mídias portuguesa e brasileira, passou meio que despercebida a referência à escritora Clarice Lispector***** feita por Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República de Portugal, na sessão solene de recepção ao presidente brasileiro Lula da Silva, anterior à sessão oficial do Dia da Revolução de 25 de abril.

Eis o trecho do discurso de Santos Silva:

“O elo mais fundo entre Portugal e o Brasil é a língua comum. A língua e as literaturas que nela se exprimem e que constantemente a recriam. Assim nos oferecendo um modo particular de nos entendermos, de nos situarmos e compreendermos o mundo. Inquietos, imaginativos, desassossegados, como tão bem nos fazem ver dois escritores universais, que cultivaram como poucos a nossa língua: Fernando Pessoa e Clarice Lispector.

Pessoa e Lispector foram, ao mesmo tempo, criadores e personagens de vários mundos: das circunstâncias em que se fizeram, ela brasileira nascida na Ucrânia, ele lisboeta parcialmente formado na África do Sul; e dos tempos outros que souberam forjar, com seu gênio, solidão e ousadia. Pois quero pedir de empréstimo, a Clarice Lispector, o título da coletânea de crônicas que acaba de ser publicada em Lisboa: A Descoberta do Mundo.

Preciso desse título. Porque o mundo existe para ser descoberto. Para nos descobrirmos descobrindo-o. Claro que, como tão bem mostrou a poesia de Alberto Caeiro, o mundo existe sempre antes de nós o descobrirmos; já está lá antes de o vermos. Mas é o vê-lo que nos faz ser; descobrindo-o é que nós descobrimos o nosso ser. Descobrir o mundo, descobrir a pluralidade dos universos que existem; e descobrir os novos mundos que vamos todos, em maior ou menor harmonia, construindo.”

Pedido de desculpas

A sessão solene na Assembleia da República, que marcou os 49 anos da Revolução dos Cravos, foi marcada por um discurso “pedagógico” (expressão usada por alguns analistas políticos) do presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Entre outras afirmações, ele disse que Portugal deve um pedido de desculpas ao Brasil pelas dores do processo de colonização. Não é apenas pedir desculpa - devida, sem dúvida - por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil; pede-se desculpa, vira-se as costas e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado.”

Conhecido ainda como o “Dia da Liberdade”, a data mereceu ainda um alerta do presidente português: “Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024 (ano do cinquentário), seja um momento de evocação da democracia que ele tornou possível, da liberdade que ele permitiu que fosse vivida pelo maior número de portugueses, de passos pela descolonização e pós-descolonização tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucessos e fracassos, do desenvolvimento que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucessos e fracassos”. 

Por fim, enfatizou o papel do povo na democracia: “Última palavra no povo, com o povo tendo a possibilidade que só em liberdade a democracia existe, nunca em ditadura, de continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que saiba que é imperfeito, que durará pouco tempo e ficará aquém das expectativas, com a certeza de que o 25 de Abril está vivo porque nasceu para criar a ambição, para criar a insatisfação, para criar o não acomodamento, para criar a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor, sempre. Viva o 25 de Abril, viva a liberdade, viva a democracia, viva Portugal.”

*Organização do Tratado do Atlântico Norte (da sigla em inglês NATO) 
** Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
***Revolução de 25 de abril, também conhecida como Revolução dos Cravos, foi movimento político e social, ocorrido em 1974, que depôs a ditadura salazarista do Estado Novo, vigente desde 1933, iniciando o processo de redemocratização do país consolidado com a entrada em vigor da Constitutição de 25 de abril de 1976. 
****Mercado Comum do Sul que reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. 
*****Clarice Lispector, escritora brasileira, nascida na Ucrânia, considerada uma das mais importantes do século XX. De família judaica, perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa e foi obrigada a emigrar, em 1922, com os pais e duas irmãs, em decorrência da perseguição a judeus, inclusive com extermínios em massa.

CARTA DE LISBOA (2022): Invasão da Ucrânia, novo governo e crise climática

06 de Novembro de 2022, por José Venâncio de Resende 0

Uma guerra sem sentido (foto: Vatican News).

“Esta tendência para a irresponsabilidade persiste ainda hoje em muitos de nós: os nossos rios são envenenados por descargas irresponsáveis de esgotos e efluentes tóxicos e industriais, o ar de nossas cidades é imundo e perigoso de se respirar devido ao vomitar dos produtos da combustão descontrolada do carvão, do coque, do petróleo e da gasolina. As nossas cidades estão rodeadas por destroços e pelos restos dos nossos brinquedos – os nossos automóveis e os nossos prazeres embalados. Através de uma pulverização desinibida contra um inimigo, destruímos o equilíbrio natural que a nossa sobrevivência exige. Todos estes males podem e devem ser ultrapassados, se a América e os americanos pretenderem sobreviver; mas muitos de nós ainda se comportam como os nossos antepassados se comportavam, roubando ao futuro para nosso benefício imediato e presente.” Trecho do livro A América e os americanos (Livros do Brasil, 2022, Porto) no qual o autor John Steinbeck (1902-1968) fala dos primeiros habitantes “que pilharam o país como se o odiassem”. Foi um dos melhores livros que li este ano, sobretudo a última parte que contém textos valiosos para compreender o seu país.

Nós, os Romanov (Alma Livros, 2021, Lisboa), do grão-duque Aleksandr Mikhailovich, e Jerusalém a Biografia (3ª edição, editora Crítica, 2021, Lisboa), de Simon Sebag Montefiore foram outros livros que marcaram meu ano porque me ajudaram a perceber melhor que, por trás da ambição desmedida do Sr Putin em recuperar o grande império russo, governado por uma monarquia absoluta nos séculos que antecederam a revolução russa de 1917, está a mistura tóxica entre política e religião. Em “Jerusalém”, por exemplo, o autor relata que, em 1453, com a queda de Constantinopla, “os grandes príncipes de Moscou tinham-se assumido como herdeiros dos últimos imperadores bizantinos, vendo Moscou como a terceira Roma; os príncipes adotaram a águia bizantina de duas cabeças, bem como o título de César, ou seja, czar. Nas guerras que travaram contra os khans islâmicos da Crimeia, e depois contra os sultões otomanos, os csares sempre apresentaram a promoção do império russo como uma cruzada ortodoxa”. Em outra passagem sobre a forte presença dos peregrinos russos em Jerusalém no século 19: “Esta devoção russa estava fundada na piedosa pertença à igreja ortodoxa, que abrangia toda a sociedade, desde a base – dos andrajosos camponeses das minúsculas e longínquas aldeias da Sibéria – até ao topo, incluindo o próprio imperador, o csar Nicalau I. A missão ortodoxa da sagrada Rússia era partilhada por todos eles”.

Em nome de Deus tem-se feito barbaridades – diz um especialista militar que esta é uma guerra violenta e que terá longa duração. A Rússia do Sr Putin invadiu o território do país vizinho, numa cruzada político-religiosa de contornos fanático e saudosista; não são gratuitas as invasões russas da Geórgia (2008), da Crimeia (2014) e da Ucrânia (24 de fevereiro deste ano) nem tampouco o temor que levou Finlândia e Suécia, tradicionalmente neutros, a aderirem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO). A aventura do Sr Putin na Ucrânia ocorreu num ano que prometia ser o de início da recuperação de dois anos de pandemia e que, de repente, se transformou no começo de uma nova crise de futuro incerto.

De olho no próximo inverno, o Sr Putin está impingindo uma “guerra fria” aos ucranianos, ao usar mísseis e drones para destruir casas, prédios e infraestrutura de água e energia e matar civis inocentes. É impressionante ver imagens de pessoas idosas resilientes, tentando sobreviver em meio aos escombros, buscando água em baldes e catando galhos de árvores, para cozinhar algumas batatas e se aquecer do frio que já começa a dar as caras. “A Ucrânia vem sendo devastada, sofrendo com o deslocamento de milhões de refugiados, a morte de milhares de civis, a destruição generalizada da infraestrutura e uma brutal contração da atividade econômica” (trecho de documento do Clube de Madri, citado pelo cientista político Bolívar Lamounier em artigo no Estado de S. Paulo de 05/11).

Fala-se mesmo de um drama humanitário principalmente no interior da Ucrânia durante o próximo inverno. E tudo indica que a estratégia do Sr Putin é fazer não apenas a sofrida Ucrânia mas também a Europa a sentir mais frio e assim ferir a solidariedade entre os países-membros da União Europeia (UE), na medida em que uns (em especial do leste) sejam mais prejudicados do que outros com a escassez de gás natural. Acredita-se que o “general inverno” será inclemente durante o frio tanto nos próximos meses quanto em 2023/24 devido aos baixos estoques de gás natural. É com isso que joga o Sr Putin para dividir os apoiantes da Ucrânia; ou seja, com a impopularidade dos governos aliados da Ucrânia por conta da inflação nas alturas, principalmente devido aos preços da energia e dos alimentos, e do risco real de recessão em 2023 que imponha custos sociais muito elevados.

Num sentido mais amplo, Rússia e Estados Unidos/Europa praticamente estão envolvidos numa guerra (militar e econômica) que pode ser “quente” neste momento, mas há o temor de que se torne uma “guerra fria” nos moldes da época da União Soviética, acrescida da China. A Ucrânia virou um grande campo de testes de novos e mais sofisticados armamentos, embora ironicamente já se considera que o seu maior fornecedor de veículos militares seja a Rússia (os ucranianos recuperam em suas oficinas os tanques deixados para trás nas fugas dos soldados russos). E ainda há o risco de escalada para uma “guerra da energia”, em articulação com a OPEP (o cartel do petróleo), que pode levar à redução da oferta e à explosão dos preços, beneficiando as finanças da Rússia e prejudicando o abastecimento especialmente dos países europeus.

Muitos analistas entendem que UE, Reino Unido e Estados Unidos vacilaram quando das invasões da Geórgia (2008) e da Criméia (2014); houve até mesmo quem acreditasse na boa-fé do Sr Putin, como foi o caso da Sra Angela Merkel, então primeira-ministra da Alemanha, que de maneira pouco sensata colocou todos os ovos na cesta do Sr Putin, não apenas aprofundando a dependência do gás russo mais barato como também desativando as usinas nucleares do seu país. A questão é saber até quanto a UE vai manter o apoio decisivo à Ucrânia. Uma saída para fugir da chantagem russa, que seria a compra conjunta de gás natural de outros fornecedores, como foi a bem-sucedida aquisição comum de vacinas anti-convid, esbarra no conflito de interesses entre os países-membros. Estamos há quase um ano do início da guerra e não houve consenso sobre o boicote ao gás natural russo, gerando a situação desconfortável de a própria Europa ajudar a financiar o exército russo. Por conta disso, as sanções econômicas (já são 12.739 medidas sancionatórias desde a invasão em 24 de Fevereiro, segundo o jornal Público de 03/11) ainda não foram suficientemente eficazes. 

Mas ainda há outro risco. No curso prazo, os democratas podem perder a maioria no Senado e na Câmara dos Deputados dos EUA e, nas próximas eleições presidenciais, não está descartada a possibilidade de o Sr Trump retornar ao poder. Com ficaria o apoio dos EUA à Ucrânia? Há analistas que acreditam que, se esta guerra não for decidida antes, uma possível volta do Partido Republicano do Sr Trump ao poder forçaria o fim do conflito, provavelmente em benefício do Sr. Putin. Não nos iludamos: a Rússia nunca desistiu de tentar subjugar a Ucrânia. E a China, sua aliada, aguarda de camarote um desfecho favorável aos russos porque pretende anexar Taiwan, ainda que a força.

De qualquer forma, há quem acredite que a Europa em particular e o mundo em geral acabarão por beneficiar-se desta crise. “Da mesma forma que a covid acelerou a transição digital, esta crise vai acelerar a transição energética”, diz a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva). Mas ela alerta que, antes disso, as pessoas precisam ajudar a sair desta crise economizando energia porque, se as importações de gás natural da Rússia secarem totalmente, a Europa não terá como repor os estoques em 2023, tornando o inverno ainda mais rigoroso. E para acelerar a transição energética a UE precisa priorizar as interconecções energéticas (energias renováveis e gás natural), o que exige entendimento, nem sempre fácil, entre os países-membros, para investir em infraestruturas (gasodutos, linhas de transmissão, terminais de gás natural liquefeito etc.) cujos projetos são geralmente de médio e de longo alcance.

É por tudo isso que estou do lado da Ucrânia nesta sua luta para sobreviver à barbárie como país e nação. O Sr Putin completou 70 anos (em 7 de outubro); pouco mais de dois meses mais novo do que eu. Fico a pensar como podem “véios” como nós estarem a brincar com fogo. É a busca insana por dinheiro e poder!

Na minha pequenez perante tanta ambição, limito-me a ações mais modestas tais como mais uma apresentação do livro “Cidades e Resendes”, desta vez em Vila do Porto na ilha açoriana de Santa Maria – terra do meu antepassado João de Resende Costa -, e a implantação (em andamento) do portal de integração denominado Rede de Cidades Resendenses (RCR).  

SOBRE O BRASIL

Desejo ao presidente eleito, Sr Lula da Silva, muita clarividência para que trate em alto nível e com transparência a relação constitucional com o Congresso Nacional, que se tornou mais conservador nas últimas eleições, tendo sempre em conta os interesses maiores da nação. Espero que o novo governo priorize facilitar os investimentos em infraestrutura básica – que é o que beneficia a maior parte da população -; estimular a inovação tecnológica e promover a reciclagem/treinamento de mão-de-obra numa ação articulada com municípios e empresas; e intensificar ações voltadas à promoção da igualdade de oportunidades, como o fortalecimento da educação básica e média.

Também espero que o novo governo recupere o protagonismo do poder público na preservação da Amazônia – e na maximização dos benefícios que o país pode ganhar com projetos de desenvolvimento sustentáveis - e que adote um plano nacional de estímulo às energias renováveis (solar fotovoltaica, eólica etc.) e à criação do mercado nacional de carro elétrico por meio do incentivo ao seu consumo.

SOBRE A CRISE CLIMÁTICA

Tudo indica que o Acordo de Paris (2015) foi por água abaixo e a Terra ficou mais quente. A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27), no Egito, acontece sob o fracasso do Acordo de Paris que estabelecia limitar o aumento da temperatura média mundial em 1,5 °C em relação aos níveis anteriores à industrialização. Em palavras simples, os mesmos países que assinaram o Acordo de Paris sobre alterações climáticas falharam em cortar suas emissões de gases de efeito estufa em níveis suficientes para atingir os objetivos; na verdade, as emissões globais estão aumentando. O mundo já está cerca de 1,2°C mais quente do que era nos tempos pré-industriais, segundo a revista The Economist (05/11).

Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, muitos países voltaram a produzir energia a partir do carvão e atrasaram a transição da matriz energética para fontes limpas e renováveis. Além disso, a proposta de criação do Fundo Climático, de US$ 100 bilhões, para ajudar os países mais pobres não saiu do papel, como lembrou o jornalista Celso Ming (O Estado de S. Paulo, 05/11). A questão das alterações climáticas é um problema mundial e, sendo assim, exige que todos os países trabalhem juntos no seu enfrentamento.

Recentemente, o Clube de Madri defendeu que se acelere a transição energética, ainda de acordo com Bolívar Lamounier. “É imperativo reduzir as emissões de gás em 43% até 2030, para viabilizar a neutralidade do carvão agregado até 2050. Isso imporá custos econômicos no curto prazo, mas o Fundo Monetário Internacional avalia que tais custos serão compensados por benefícios da desaceleração da mudança climática no longo prazo. Reduzir as emissões produzidas pelos maiores emissores é essencial para uma efetiva mitigação dos danos ambientais.”