Abrindo novos caminhos

ROTA LISBOA: o mundo que (não) queremos

07 de Junho de 2025, por José Venâncio de Resende 0

Monumento contra a guerra, no centro de Viena.

Pouco antes de assistir, em 1º de junho (domingo), no Teatro Ópera de Viena, à ópera Tannhäuser (O Concurso de Canto de Wartburg), de Richard Wagner - que trata da redenção pelo amor -, ainda no hotel vi pela televisão (CNN Portugal) a notícia do ataque ucraniano de grandes proporções, com drones, a bombardeiros militares russos, na operação denominada Teia de Aranha. Logo em seguida, presenciei um comentário por analistas militares de uma crueza perturbadora: a Europa, liderada por Reino Unido e Alemanha, está-se rearmando para enfrentar o “novo inimigo”, a Rússia, numa provável terceira guerra mundial. E o mais assustador, os planos de investimentos em defesa da Alemanha equivalem aos dos anos 1930 (entre as duas guerras), quando Hitler (antigo inimigo do mundo) aparecia em cena.

A Europa, fruto da invasão russa da Ucrânia e da pressão de Donald Trump, começa a se libertar do guarda-chuva dos Estados Unidos, que foram decisivos nas duas guerras mundiais. Acontecem duas mudanças fundamentais: os EUA querem que os países da OTAN/NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) invistam até 5% em defesa (armamento modernos, treinamento de pessoal, aumento do contingente militar etc.);  e a Europa já percebeu que a vitória da Rússia na Ucrânia é uma ameaça real ao seu território, principalmente os países dos balcãs e os chamados “Nove de Bucareste” (Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Roménia e Eslováquia), mas não apenas eles.

Em Viena…

No fim de semana estendido que passei por Viena, observava o cotidiano da população e dos turistas numa cidade que viveu o auge do grande Império Austro-húngaro e que sofreu com duas guerras mundiais. E observando aquele movimento eu pensava: como é bom ter paz para trabalhar e descansar e para se manifestar e se divertir livremente numa cidade fascinante como aquela. Não por acaso, escolhi a dedo monumentos e lugares a visitar e a fotografar, dada a escassez de tempo.

A começar pela pujança da herança do antigo Império Austro-Húngaro cujo legado - a suntuosidade dos palácios, a impressionante infraestrutura, os simpáticos edifícios de habitacionais sociais, os extensos e belos parques, os inúmeros museus etc. - exigiria semanas, mesmo meses para uma imersão na sua totalidade.

O simbolismo de Viena é evidente: foi a grande capital do Império Austro-Húngaro, que terminou ao fim da Primeira Guerra Mundial (deflagrada em 1914 a partir do atentado contra o príncipe herdeiro Francisco Ferdinando), depois de ter enfrentado inúmeras guerras e conflitos ao longo da sua história, como a Guerra Austro-Prussiana, as Guerras Balcânicas e diversas guerras envolvendo diferentes povos dentro do vasto território governado pela dinastia dos Habsburgo.

Um desses símbolos é o palácio residencial do imperador Francisco I (dezembro de 1848 até sua morte em 1916) e centro do poder da família imperial Habsburgo durante cerca de sete séculos. Este grandioso palácio, o maior da capital austríaca, é usado hoje como sede de várias instituições culturais e da presidência federal da Áustria. Francisco, também rei da Hungria, Croácia e Boêmia, foi substituído pelo seu filho mais velho, Fernando.

Na praça em frente ao palácio, está a estátua de Maria Teresa Áustria, a única mulher que governou o império austro-húngaro (entre 1740 e 1780). Para além da resistência que enfrentou por ser mulher, a herdeira do imperador Carlos VI teve como uma de suas marcas o investimento na educação e no conhecimento em todas as classes sociais, mesmo que tenha governado de forma autocrática.

Destaque ainda para os belíssimos edifícios do Parlamento austríaco, que originalmente abrigou o antigo parlamento do Império Austro-Húngaro, e do antigo palácio (Rathaus), atual sede da prefeitura e do conselho municipal da cidade, além de abrigar o governo e a Assembleia do Estado de Viena. Outra atração imperdível é o Palácio de Hofburg onde está instalado o Museu Sisi (este era o apelido da imperatriz consorte Elisabeth, casada com o imperador Francisco José I). O palácio, atualmente, é um centro cultural que, para além do museu, inclui os apartamentos imperiais.

A Catedral de Santo Estêvão (século XII); a Igreja Votiva do final do século XIX (que tem o altar da Virgem de Guadalupe, em homenagem ao México); o famoso Café Central (inaugurado em 1860 e antigo ponto de encontro de intelectuais); o Museu Sigmund Freud (antigos residência e consultório do fundador da psicanálise) e o monumento contra a guerra são outras referências importantes. Afinal, a catedral foi reconstruída depois danificada durante a Segunda Guerra Mundial; a intolerância contra os imigrantes é crescente inclusive na Europa; turistas em massa invadiram o café que outrora recebia durante horas, em troca do consumo de uma xícara, escritores, poetas e outros intelectuais que ali sentavam para ler os jornais do dia; a perseguição nazista implacável contra os judeus não perdoou nem Freud que foi obrigado a se refugiar em Londres; e o fantasma da terceira guerra mundial está sempre presente na Europa.

Uma última referência é para o sistema de habitação social de Viena, idealizado depois da Primeira Guerra Mundial pelo Partido Social Democrata que ficou vários anos no poder. A prefeitura municipal, proprietária e gestora dessas habitações, investe até hoje nesse programa que proporciona apartamentos sociais a preços acessíveis e de qualidade a cerca de um milhão de pessoas, metade da população.  

Nova realidade

Vivemos nas últimas duas décadas uma grande mudança, que é o surgimento de uma “direita iliberal” que, parece, veio para ficar, segundo o professor e pesquisador universitário João Ferreira Dias, em artigo na CNN Portugal. “Sobre os escombros da crise de 2008 e da falência da globalização, ergueram-se os iliberalismos, não todos iguais, mas todos a partilhar uma visão que separa a democracia dos princípios liberais, seja a separação de poderes, a representatividade parlamentar, ou as garantias para minorias. Mas nenhuma ideia parece tão essencial como o pânico migratório.”

Mas nota-se uma linha tênue que separa o nascente iliberalismo (apelo ao populismo, às “baixas paixões” de operários ressentidos pela perda de empregos na indústria manufatureira, aposentados desiludidos por pensões insuficientes, jovens desesperançados etc. por “culpa” da globalização da economia e da imigração e à adesão a um partido ou movimento político radical) e o velho autoritarismo, com algumas características parecidas como concentração de poder, restrições à oposição e à participação popular, limitação das liberdades individuais e democráticas e manipulação das instituições.

De imediato, este fenômeno aponta para nomes conhecidos no cenário internacional, com destaque para o do atual presidente da Rússia, o sr. Vladimir Putin. O dirigente russo aposta na desinformação (e em outros métodos menos sutis), tanto para consumo doméstico quanto além-fronteiras, e assim conseguiu a proeza de transformar a Ucrânia de vítima em agressora, com a conivência de governos como o brasileiro.

Não por acaso, a Rússia é “o inimigo” a ser combatido pela Europa que agora enfrenta um desafio adicional. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaça esvaziar ou abandonar a OTAN/NATO se os seus países-membros não aumentarem brutalmente os investimentos em defesa (no primeiro mandato, Trump falava em 2% do produto interno bruto e, agora, aumentou esta meta para 5% do PIB). O problema é que, para países mais pobres (caso de Portugal), este velho dilema entre “butter and guns” (opção entre investimentos sociais e militares) é muito mais dramático de ser enfrentado. Assim, não restará aos governantes de países de democracias liberais prepararem suas populações para o sacrifício adicional que será exigido a fim de enfrentar tempos difíceis pela frente.

Mas não nos iludamos, meus caros conterrâneos, pois nem nós mesmos sairemos ilesos de eventuais conflitos armados em que a Europa venha a ser envolvida, ainda que um oceano nos separe. 

Veja aqui todas as fotos.

Carta de Lisboa (2024): Mundo Trumpista e novos desafios

19 de Novembro de 2024, por José Venâncio de Resende 0

Caro leitor, 

Mais um ano chega ao seu final e percebo que ainda não nos livramos totalmente dos resquícios da pandemia. Tenho acompanhado, principalmente nas páginas da revista The Economist, da qual sou assinante, que as finanças públicas dos países em geral ficaram bastante deterioradas nos últimos anos, com o setor público mais endividado, o déficit fiscal em crescimento e a qualidade dos serviços públicos cada vez pior. Por outro lado, o cobertor está cada vez mais curto. A chamada “taxa do pecado” (imposto sobre bebidas alcoólicas, cigarro, combustível fóssil, bebidas doces etc.), por exemplo, parece que chegou à exaustão inclusive por causa da mudança de hábitos da população e da expansão do carro elétrico. Mas a voracidade e a criatividade dos governos são infinitas, a ponto de se justificar a legalização da maconha pela necessidade de aumentar a receita de imposto; ao mesmo tempo, já se defende a cobrança de imposto aos motoristas por quilômetro rodado para abarcar o carro elétrico, além do estímulo às apostas esportivas com o mesmo propósito de engordar os cofres públicos. Já ouvi alguém no Brasil defender que se crie um imposto sobre o eficiente milionário crime organizado.

Porém uma visão nova (talvez nem tão nova assim) tem vindo à tona diante do dilema dos governos entre cortar despesas e aumentar o endividamento e os impostos diretos (renda, propriedade, empresas) para fazer frente a esta situação. A ideia em circulação passa por duas vertentes: 1) em vez de simplesmente cortar impostos a torto e direito como defendem alguns (Donald Trump, por exemplo), melhorar os canais de transferência da arrecadação de impostos em vigor para serviços públicos como educação, saúde, habitação, transição energética e aposentadorias; e 2) em caso de necessidade de aumento de imposto, priorizar o imposto sobre valor agregado (da sigla em inglês VAT), mesmo que isto tenha de ser feito gradualmente para evitar impacto imediato na inflação. Em países nórdicos, por exemplo, o VAT já chega a 25%. É algo para pensarmos!

É evidente que, com o sr. Trump no poder, nada disso vai acontecer nos Estados Unidos, uma vez que seu plano vai no caminho contrário, ou seja, reduzir o imposto de renda, principalmente das pessoas de maior renda, e a taxação sobre as empresas em bilhões de dólares, o que deve reduzir a receita de impostos e aumentar o já alto déficit público e, consequentemente, a dívida pública para cobrir o rombo.

Já no caso brasileiro, o risco é que, com a reforma tributária (afinal, em que pé está a tramitação do projeto de lei no Congresso?), o VAT atinja um percentual muito elevado (próximo aos 30%), por embutir os subsídios escandalosos a setores privilegiados da sociedade. 

Isolacionista e protecionista

Antes de falar do sr. Trump e seu futuro governo, gostaria de fazer alguns alertas. Em primeiro lugar, aqui em Portugal e na Europa em geral, o fantasma da terceira guerra mundial está sempre presente. Daí a ênfase em questões como a agressão russa à Ucrânia que, aparentemente, pouco interessam aos brasileiros. Pura ilusão!

Outro alerta é sobre a imprevisibilidade do sr. Trump; nem tudo que ele diz deve ser considerado “ao pé da letra”. Mas ele tem a conivência dos seus eleitores por mais mentiras que diga. Pelas indicações dos primeiros nomes da equipe, dá para se ter uma ideia de que será um governo disruptivo, focado em desmantelar a “burocracia profissional”, estimular o “instinto animal” dos homens de negócios (amigos e aliados), adotar uma “guerra comercial” contra o mundo (usar tarifas inclusive para extrair concessões de países inimigos e amigos) e espalhar a desinformação. Um detalhe importante: será um Trump mais experiente e mais ágil ao compor a estrutura de governo (independente de os nomes serem ou não polêmicos), fazer a transição e colocar logo em prática os seus planos e suas crenças. Membros da equipe inicial (na expectativa de que sejam todos aprovados pelo Senado) serão descartáveis sempre que contrariarem os desejos do chefe.

Uma questão intrigante é a existência de mais de dois meses de intervalo entre as eleições e a posse do novo presidente, o que no caso do sr. Trump se presta a criar conflito de gestão (entre o presidente atual e o presidente eleito que já age como se estivesse em função) e confusões como a interferência informal do todo-poderoso Ellon Musk na política externa (mesmo com um secretário de Estado em plena atividade e outro já escolhido, neste caso o senador Marco Rubio). Isto tem implicações graves em questões como as negociações para o fim da agressão russa à Ucrânia (terá o presidente Joe Biden ouvido o sr. Trump antes autorizar o uso de armas de longo alcance na guerra?) e o desfecho do conflito no Oriente Médio entre Israel e o Irã (por meio dos seus “proxies” Hamas, Hisbulah etc.). O sr. Trump (que se mantém calado ante as últimas decisões do sr. Biden e do sr. Putin) está na expectativa de que tudo não passe de retórica e que, ao tomar posse em 28 de fevereiro de 2025, possa dizer que livrou o mundo da terceira guerra mundial.

O sr. Trump tem a “faca e o queijo nas mãos”, com a vitória unificada (controle das duas casas legislativas e maioria dos governos estaduais) e uma Suprema Corte de maioria conservadora. Assim, espera ter o caminho livre para colocar em prática sua política isolacionista e protecionista, baseada em desregulação e impostos/tarifas baixos no âmbito doméstico. Extra fronteira, a guerra fiscal (imposição de tarifas) não ficará limitada à China, devendo castigar aliados europeus (como Alemanha), asiáticos e o vizinho México, todos grandes exportadores para os Estados Unidos e com balanças comerciais superavitárias. A menos que, na sua visão mercantilista, o sr. Trump queira usar as tarifas para forçar acordos que abram espaço para as exportações norte-americanas. Fico a imaginar, por exemplo, a Europa que prioriza as energias renováveis sendo inundada por petróleo americano (especialmente gás natural liquefeito ou LNG)!

Isto porque deve ganhar impulso a produção interna dos combustíveis poluentes (petróleo, carvão e gás natural), bem como a fabricação de carros a combustível fóssil e a indústria tradicional poluidora, geradoras de centenas de empregos, em prejuízo da política federal de estímulo às energias renováveis. O sr. Trump vê a crise climática como uma “farsa” e, devido ao seu ceticismo, tende a abandonar o Acordo Climático de Paris num momento em que, pela primeira vez, a temperatura média global atinge 1,5°C acima do período pré-industrial. Apesar da maioria republicana de governadores, acredita-se que a autonomia dos estados federativos será contrapeso a esta visão, assim como o dinamismo da economia principalmente de base tecnológica. De qualquer forma, o impacto será geral na medida em que todos os esforços de controle das emissões com gases poluentes sofrerão um duro golpe. Aqui também há sinais contraditórios por causa dos interesses do sr. Musk na produção de carros elétricos (da Tesla) tanto nos Estados Unidos quanto na China.

Aliás, estou na expectativa de ver como será o governo de egomaníacos narcisistas e homens com pouco sentido de Estado, como são o sr. Trump e o multiempresário Elon Musk (dos ramos financeiro, espacial, de carros elétricos, inteligência artificial, mídia social), o “super gênio” (na definição do próprio presidente-eleito). Uma certeza é de que o sr. Musk (que vai co-liderar o novo Departamento de Eficiência Governamental orientado para cortar gastos e “desmontar a burocracia governamental”) será um dos grandes ganhadores com a desregulamentação, devendo multiplicar os contratos bilionários com o governo norte-americano no Ministério da Defesa e na NASA (além dos bilhões de dólares que já ganhou apenas com a vitória do sr. Trump). O sr. Musk poderá beneficiar-se, ainda, com a imposição de tarifas aos produtos chineses (inclusive carros elétricos) e a eliminação dos subsídios “verdes” que darão vantagem aos veículos da Tesla em relação aos concorrentes. E o “X” (ex-Twitter) poderá tornar-se a principal plataforma para promover a ideologia trumpista. Mas não tendo monopólio em suas áreas de atuação, o sr. Musk espera tirar o máximo de vantagem de sua influência, como por exemplo viabilizar o seu veículo autônomo (sem motorista) e manter o negócio de carros elétricos da Tesla na China.   

Um dos efeitos da guerra fiscal poderá ser a realocação de investimentos de outros países para os Estados Unidos, a fim de aproveitar os incentivos internos (redução de impostos e estímulo aos empreendimentos locais) e fugir das tarifas externas. Com isso, o dólar tende a se valorizar prejudicando países como o Brasil.

Porém, um fator de perturbação na economia doméstica, para além da questão humanitária, será a maneira como o sr. Trump vai cumprir sua ameaça de deportação em massa de imigrantes (e seus familiares) considerados “ilegais”. Uma expulsão de imigrantes trará danos imprevisíveis. Como, a não ser pela legalização, conciliar o aperto à imigração irregular com a garantia de oferta de mão-de-obra (em setores como agricultura, hotelaria e construção civil) para evitar escassez de trabalhadores e o resultante aumento dos custos de produção? Veremos!

Respirar fundo!

Guerra às importações de mercadorias e ao combate às mudanças climáticas em lugar das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Quem deve respirar fundo com a promessa do sr. Trump é a Europa que será duplamente atingida: obrigada a aumentar os gastos militares com segurança (por exemplo, criando a própria indústria de defesa) para depender menos dos norte-americanos e equilibrar a balança comercial (superavitária) com os Estados Unidos; e aqui entra o fator Musk na área tecnológica e na inteligência artificial. As primeiras escolhas do sr. Trump para o seu governo (inclusive negacionistas) sinalizam menos compromissos em defesa com Europa/Ucrânia e foco total na China, tanto comercial quanto militar e tecnologicamente. Na Europa, já há quem defenda a redução da dependência militar dos Estados Unidos e uma aliança estratégica com a China na área comercial; a mesma China que transformou a questão climática num grande negócio, respondendo por quase 90% dos investimentos mundiais (378 bilhões de dólares) em produção de turbinas, painéis solares, carros elétricos e outras tecnologias verdes, no período 2018-2023, de acordo com a BloombergNEF.

Depois de várias crises seguidas, a Europa está mais frágil perante a volta do sr. Trump, e os desafios são imensos. Foram as crises da migração, do Brexit, da pandemia e da invasão da Ucrânia; e, para além das catástrofes climáticas cada vez mais frequentes, agora surge o fantasma da guerra fiscal e do abandono à própria sorte. E aqui, onde os interesses políticos e empresariais se confundem, pode estar surgindo uma outra guerra. O sr. Musk, de cujo Starlink os militares ucranianos dependem e que fala regularmente com o sr. Putin, implicou com a regulamentação das tecnológicas e das mídias sociais pela União Europeia, considerando que qualquer restrição ao seu “X” pode ser considerada censura. E ainda há a decisão da Europa de impor tarifas aos carros elétricos importados da China, inclusive os fabricados pela Tesla do sr. Musk.

Entre os maiores desafios da era trumpista, está a possibilidade real de um acordo com a Rússia do sr. Putin, que force a Ucrânia a ceder parte de seu território sem a garantia de entrada do país na NATO (OTAN). Tanto pode ser na forma de simples anexação como de criação de uma zona neutra (tampão) ou até mesmo de uma república independente aliada da Federação Russa. Ou, de repente, nada disso já que o sr. Trump é imprevisível. Dessa forma, não apenas o fantasma do sr. Trump, mas também o do sr. Putin, ronda a Europa.

50 anos

Com a Europa cada vez mais desunida, cada país tende a cuidar dos próprios interesses. É o caso de Portugal que espera manter a tradição de boas relações com os Estados Unidos, desde a independência norte-americana, tanto em termos de comércio quanto de defender os interesses da sua vasta diáspora na América. 

Portugal celebrou 50 anos da Revolução de 25 de Abril, apelidada de Revolução dos Cravos, fruto do movimento político e social que, em 1974, depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, e implantou o regime democrático no país. A população comemorou com muitas festividades cívicas por todo o país, principalmente nas maiores cidades.

Os eventos acabaram contaminados por uma declaração polêmica do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sugerindo que Portugal reparasse erros ou crimes cometidos durante a era colonial, sugerindo o pagamento de reparações pelos erros do passado. Temos de pagar os custos.” Esta declaração gerou muita polêmica e deu gás à direita nacionalista portuguesa, ao mesmo tempo em que não entusiasmou muito ex-colônias as africanas. Teria Portugal recursos para este tipo de indenização cujo valor é incalculável?

Mas passados 50 anos, há muito o que fazer dentro do próprio país; alguns chegam mesmo a dizer que, depois do ingresso na União Europeia, Portugal não teve mais objetivos claros. Maior ironia não há do que os políticos estarem a discutir durante os mesmos 50 anos a construção de novo aeroporto em Lisboa. Mesmo agora que o local foi definido, não há certeza do tempo que as obras vão demorar devido aos elevados custos e ao fato de o governo não ter recursos para o investimento e a União Europeia não mais priorizar este tipo de infraestrutura.

Da mesma forma, há décadas de discussão interminável em Portugal sobre as bitolas europeia e ibérica, que somada à falta de investimentos, contribui para o atraso da rede ferroviária, quer pela obsolescência e insuficiência de linhas (por exemplo, não há comboios ou trens para Viseu-Lamego ou para o Alentejo mais ao sul) quer pela falta de integração com os outros países do continente. Nessas últimas décadas, Portugal perdeu a oportunidade de aproveitar os fundos europeus para financiar a modernização e ampliação da rede ferroviária (obsoleta e insuficiente), monopólio da estatal Comboios de Portugal (CP), bem como a sua integração com o restante da Europa. Particularmente, numa época em que se discute a substituição dos voos de curta duração pelas viagens de comboio que é um sistema de transporte limpo e adequado aos tempos de combate à crise climática.

Grande Israel

O sonho da direita religiosa, liderada por Benjamin Netanyahu, é obter luz verde do sr. Trump para seu objetivo expansionista de criar o Grande Israel, com a anexação de Gaza e da Cisjordânia. Menos provável (embora não impossível) é o apoio americano ao governo israelense para atacar as instalações nucleares do Irã e mesmo forçar a queda do regime dos aiatolás.

Será que o sr. Trump forçará Israel a retomar os acordos de Abraão para normalizar as relações com os seus vizinhos árabes e aliados dos Estados Unidos (apesar do distanciamento, principalmente da Arábia Saudita, depois do início da guerra em Gaza) e assim isolar o Irã? Ou vai intensificar a política de sanções econômicas para forçar o regime dos aitolás a desistir do seu programa de armas nucleares? Qualquer que seja a escolha, parece que o futuro da Palestina, como Estado, ficará “fora do mapa”, pelo menos nos próximos tempos; a menos que Trump surpreenda!

BRICS e a Rússia

A China tornou-se o inimigo “número um” dos Estados Unidos, posição esta assumida por republicanos e democratas, mas sobretudo pelo sr. Trump. São duas potências mundiais em luta entre si por hegemonia geopolítica e pelo controle da agenda econômica, tecnológica e militar.

A China lidera o BRICS, uma “aliança antiocidental” de países emergentes do qual a Rússia e o Brasil são partes integrantes e ativas. Por mais que se queira dizer que o BRICS tem como foco a preocupação econômica e geopolítica, não é possível ignorar que ultimamente o bloco tem respaldado o sr. Putin – que invadiu o território da Ucrânia há quase três anos e continua a agressão àquele país – contra o “isolamento” promovido pelo chamado “ocidente”. 

Talvez este seja um momento de o governo brasileiro refletir sobre a sua política externa, devolvendo ao Itamarati o seu papel histórico-diplomático no tratamento dos assuntos de interesse nacional, sem subserviência ou prestação de vassalagem a qualquer um dos dois países hegemônicos (China ou Estados Unidos).

Leitura

Um dos melhores livros que li este ano foi a biografia de Lorde Thomas Cochrane (Casa Editorial), de George Ermakoff. Cochrane foi um almirante da Marinha Britânica, que lutou nas Guerras Napoleônicas, amealhando “uma riqueza considerável com os prêmios das presas de guerra”. Foi injustiçado na carreira militar devido ao seu caráter rebelde. Elegeu-se deputado para a Câmara dos Comuns onde fazia discursos contra os privilégios de políticos e de membros do almirantado, ganhando com isso “o ódio e, quiçá, a vingança” dos seus colegas. Tentou, sem sucesso, uma reforma política que reduzisse o controle dos grandes proprietários de terra sobre os distritos eleitorais. Talvez por tudo isso tenha sido acusado de fraude na Bolsa de Valores, o que nunca foi comprovado. Mas perdeu o mandato parlamentar, o posto de oficial da Marinha e foi preso.

Fugiu da prisão e aceitou combater nas guerras de libertação do Chile, do Peru e do Brasil. “No Chile, seu nome é reverenciado como um dos heróis de sua Independência”; No Brasil, “seu nome caiu em total esquecimento”. De volta ao seu país, recebeu o perdão do rei William IV, tendo sido reincorporado à Marinha com a patente de contra-almirante. Mas Cochrane foi mais importante do que tudo isso.

Foi “um visionário”, na visão do autor que apresenta três exemplos de suas várias ideias: aposta nos navios a vapor, porque sabia que logo substituiriam os de vela; pioneirismo no asfaltamento de uma rua de Westminster (atualmente, o asfalto é o pavimento mais comum no mundo); e sua ideia, em 1851, de se criar, na Jamaica, uma instituição de ensino superior para negros que recebesse alunos de todas as colônias britânicas do Caribe (atual Cheney University of Pennsylvania).

Importante observar que, séculos depois, com a crise climática, o asfalto é cada vez mais questionado por provocar a impermeabilidade do solo. E o carvão é condenado por ser altamente nocivo ao meio ambiente pelo alto teor de emissões de dióxido de carbono; tanto que em setembro deste ano o Reino Unido fechou a sua última usina de energia a carvão, um dos símbolos da Revolução Industrial. 
  

O dia em que me tornei candidato “verde” a prefeito

11 de Julho de 2024, por José Venâncio de Resende 0

Parque de energia solar.

Qualquer semelhança é mera ficção!

Decidi tornar-me candidato a prefeito de uma pequena cidade do interior com um programa de governo inteiramente sustentável, cuja marca seria “cidade verde” e um exemplo para outros municípios. Meu propósito é direcionar todo o esforço na busca de emendas parlamentares, e de outras ferramentas financeiras, que possibilitem viabilizar um vasto programa. Também estão no meu radar parcerias com os municípios vizinhos e com os poderes públicos estadual e federal, bem como com a sociedade civil (associações, cooperativas, igrejas etc.).

Em caso de vitória, escolhida a equipe de trabalho, minha primeira medida será elaborar um plano diretor que tenha como linha mestra a sustentabilidade, nos ambientes urbano e rural. Deve abraçar as várias áreas como gestão pública, mobilidade, infraestrutura, mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, tratamento do lixo, conservação da água, educação, cultura e saúde.

Assim, uma proposta é “zerar” o custo de energia da administração pública municipal. Para isso, pretendo instalar um parque fotovoltaico capaz de abastecer de energia solar a iluminação pública (na cidade e nos aglomerados urbanos da zona rural) e os prédios públicos municipais, bem como obter a autorização do Estado para estender a medida aos próprios estaduais como escolas, delegacia, presídio etc.. Também é meu desejo criar incentivos para inundar a paisagem (residências, prédios comerciais, fábricas e fazendas) de paineis solares.  

Para alcançar a mobilidade sustentável, minha ideia é tirar os veículos pesados, inclusive ônibus, do centro da cidade, criando um anel rodoviário por onde possam trafegar, e implantar um sistema de transporte urbano com microônibus, vans e utilitários movidos a combustíveis verdes (eletricidade, biodiesel, biogás, etanol, hidrogênio). Da mesma forma, no transporte escolar, é utilizar veículos movidos a energia verde. E ainda criar um sistema de ciclovias para estimular o uso de bicicletas.

O transporte sustentável seria estendido ao sistema de coleta do lixo, que passaria a utilizar veículos movidos a combustíveis verdes. Da mesma forma, pretendo implantar um complexo reunindo usina de triagem e compostagem (UTC) e aterro sanitário. Além disso, haverá um sistema para recolher o metano, que é um gás oriundo da decomposição da matéria orgânica. Esse biogás será utilizado nas cozinhas das escolas em substituição ao gás de cozinha, que tem sua origem no petróleo.

A propósito, um objetivo é melhorar a coleta seletiva do lixo, para maximizar a sua utilidade, promovendo a educação ambiental na própria comunidade. Aliás, a educação ambiental nas escolas será um dos carros-chefes desse programa. A disciplina passará a ser obrigatória nas escolas municipais, inclusive com aulas práticas e lição de casa junto aos pais, e, em parceria, nas escolas estaduais. Os alunos, assim como os aposentados, fariam parte de um corpo de voluntários para ajudar a administração municipal a informar e conscientizar os cidadãos da gravidade da crise climática e da importância de fazermos a nossa parte, por menor que seja.

A crescente escassez de água também será enfrentada com diferentes iniciativas. Uma delas é a criação de um programa municipal de proteção das nascentes, principalmente urbanas, envolvendo parceiros como associações e cooperativas, bem como cidadãos que queiram adotar uma mina ou fonte de água. Outra medida seria “importar” tecnologias disponíveis de reciclagem e reuso de águas residuais ou de esgoto; e ainda estimular o aproveitamento da água das chuvas.

Para enfrentar as crescentes e irreversíveis ondas de calor, a proposta é plantar árvores em praças, parques e todos os espaços disponíveis da cidade, e inclusive tetos verdes e jardins verticais, bem como criar áreas de resfriamento (inclusive em praças) e estimular o aproveitamento de espaços públicos como igrejas, bibliotecas e outros locais onde se possa esconder do sol nos afazeres do cotidiano que impliquem sair à rua. Outra ideia seria orientar o comércio e os serviços a adotarem um novo horário, com o alargamento da hora de almoço, a exemplo da tradicional sesta espanhola.

Na infraestrutura urbana, meu plano é substituir o asfalto das ruas e estradas, bem como pisos de passeios e praças, por calçamento ecológico (mais permeável), buscando as melhores opções no mercado (bloquetes, paralelepípedos,  piso drenante, asfalto-borracha, bioasfalto, calçada portuguesa etc.). Também pretendo mudar a orientação para aprovar novas construções, de maneira que sejam sustentáveis. Para isso, usaria não apenas o rigor na aprovação da planta como também o incentivo fiscal para a utilização de material ecológico (tijolo, adobe, madeira certificada etc.), energia solar e muita área verde, além de um sistema de ventilação o mais natural possível.

Também pretendo criar um programa municipal de neutralização do carbono. A ideia é buscar meios de orientar e estimular os cidadãos que utilizam veículos poluidores (gasolina e diesel), sejam carros de passeio, de transporte de mercadorias e matérias-primas e mesmo máquinas agrícolas, a medir as suas emissões de carbono de maneira a se criar um projeto municipal de compra créditos de carbono para compensar a poluição gerada.

Na área cultural, estímulo a concursos de redação, poesia e vídeos e a peças teatrais que tenham como pano de fundo a crise climática e práticas ambientais que possam mitigá-la e tornar mais saudável a vida em comunidade. Da mesma forma, criar na biblioteca municipal uma seção de livros nacionais e internacionais relativos ao tema, para adultos e crianças, e divulgar essas publicações nas escolas e na comunidade em geral para que possam acompanhar o que está acontecendo no mundo.

Uma palavra final é destinada à prevenção contra os (e ao tratamento dos) efeitos das mudanças climáticas na saúde dos cidadãos (aumento da mortalidade e das doenças relacionadas com o calor, entre outros). O sistema de saúde municipal será orientado, inclusive com cursos de capacitação, no sentido de prevenir, mas também de detectar, estes efeitos e encaminhar para o tratamento necessário.  

É um programa de fôlego que certamente precisará de continuidade por parte das administrações posteriores. Meu desejo é que o município se torne uma vitrine para todo o país e que estimule o “turismo verde”, inclusive de grupos organizados de escolas.   

Europa vai às urnas em momento de “ameaça existencial”

07 de Junho de 2024, por José Venâncio de Resende 0

Parlamento Europeu, em Estrasburgo, às portas de renovação com novas eleições.

A Europa vai às eleições parlamentares numa encruzilhada, denominada “ameaça existencial” pela especialista em assuntos internacionais, a professora Diana Soller, em comentário na CNN Portugal. Para além do empenho dos Estados Unidos em “serenar os ânimos” neste ambiente assumidamente de “pré-guerra”, a Europa tenta preparar-se para o futuro, para muitos nem tão distante, de uma inevitável guerra contra o instinto imperialista da Rússia. Líderes políticos e militares, principalmente do norte, já advertem abertamente que a Europa se deve preparar para um conflito continental nos próximos três ou quatro anos. É sempre bom lembrar que a Europa já foi palco de duas guerras mundiais, ainda que o inimigo tenha sido outro.

É nesse clima meio sombrio, frente às últimas reações à invasão da Ucrânia, que a União Europeia vai às urnas. E assuntos espinhosos, da maior importância, estarão sobre a mesa, aguardando a manifetação dos eleitos. São decisões que ganharão um tom dramático, principalmente porque os analistas prevêem um Parlamento Europeu (poder legislativo da União Europeia) mais conservador, com grande peso da direita radical. Pelo menos em Portugal (não deve ser muito diferente nos outros países), a campanha para as eleições europeias acabou contaminada por assuntos locais; até parece que os candidatos vivem outra realidade.

De qualquer forma, vão ter de decidir sobre questões vitais para o futuro da Europa. Entre estes temas polêmicos, está o alargamento da União Europeia, para incluir a Ucrânia (processo iniciado recentemente) e outros países candidatos do leste (Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia, Turquia, Ucrânia, Moldova e Geórgia) que aguardam há mais tempo; processo este que, para alguns, deve ser acelerado por conta da ameaça russa, mas há resistências por parte de países que temem a concorrência na divisão do bolo dos fundos europeus.

Outro tema divisivo é a questão da imigração. Na medida em que os partidos de direita ganham espaço a cada eleição, as reações aos imigrantes são mais estridentes e, em geral, embricadas com racismo e xenofobia (aversão a estrangeiros). Há países como a Hungria que se recusam a receber imigrantes, mesmo com o encolhimento da população; há países como a Polônia que preferem receber imigrantes como os ucranianos (eslavos); e mesmo em países como Portugal, que recebe milhares de imigrantes lusófonos e asiáticos, o discurso de ódio começa a ganhar espaço. O que se percebe é uma pressão para o fechamento das fronteiras, dificultando cada vez mais a entrada de “estrangeiros”, o que é incoerente com uma população tendencialmente envelhecida.

Um terceiro tema é a política de transição energética para combater o impacto das mudanças climáticas. Aqui há problemas de várias naturezas, desde as importações baratas (subvalorizadas) de carros elétricos e equipamentos de energia solar e eólica da China (há pressões no sentido de taxar com imposto esses bens, ou subsidiar os locais, para proteger e incentivar a indústria), passando pela falta de integração efetiva do sistema ferroviário (para concorrer com o transporte aéreo e rodoviário) e até mesmo a adoção de medidas conjuntas para financiar o projeto energético europeu (como ocorreu com a compra de vacinas na pandemia ou o financiamento comum a longo prazo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Os investimentos em defesa, perante a crescente ameaça russa, são outro desafio para os novos eleitos. Já se discute a volta ou o alargamento do serviço militar obrigatório (alguns países já o adotam e querem incluir as mulheres). Há os que defendem um complexo industrial militar moderno na Europa, que inclua a experiência ucraniana no campo de batalha unindo tecnologia avançada e drones inteligentes. E há quem simplesmente defenda que se deva continuar importando armas e equipamentos a preços mais acessíveis. Uma discussão entre dependência e autonomia, que se agrava na medida em que incomoda a muitos o futuro incerto das relações com os Estados Unidos. Embora os norte-americanos queiram preservar a ordem liberal através de alianças militares na Europa e na Ásia, para fazer frente à ordem iliberal centrada na China, como disse a revista The Economist (11/05/2024).

Há outros temas como as questões da saúde e da habitação que perpassam o continente.

Sobre o Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu é composto por 705 eurodeputados, o que o torna o segundo maior eleitorado de uma democracia (depois da Índia), com cerca de 400 milhões de eleitores. Juntamente com o Conselho da União Europeia (representantes dos governos nacionais) aprova a legislação europeia, normalmente sob proposta Comissão Europeia.

Os eurodeputados, eleitos pelos cidadãos europeus para mandato de cinco anos, representam os países-membros, de acordo com o contingente populacional. A Alemanha tem o maior número de parlamentares (96 ou 13,62%), seguida de França (79 ou 11,21%) e Itália (76 ou 10,78%). Portugal faz parte do grupo com 21 eurodeputados cada (2,98%) ao lado de países como Suécia e Hungria. Com menor número de deputados (6 ou 0,85%) aparecem Chipre, Luxemburgo e Malta.

O Parlamento Europeu, que se reúne em Estrasburgo (França), é composto por sete famílias políticas das quais as principais são o Partido Popular Europeu (PPE) e os Socialistas e Democratas (S&D). Os grupos da direita radical, como a Identidade e Democracia (ID), devem ganhar terreno na próxima composição do Parlamento.

“O processo legislativo ordinário confere o mesmo peso ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia num vasto leque de domínios como, por exemplo: governação econômica, imigração, energia, transportes, ambiente, proteção do(a)s consumidore(a)s, entre outros. A grande maioria das leis europeias é adotada conjuntamente pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

“O processo de codecisão foi introduzido pelo Tratado de Maastricht sobre a União Europeia (1992) e depois ampliado e adaptado para reforçar a sua eficácia pelo Tratado de Amesterdão (1999). Com o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009, passou a chamar-se processo legislativo ordinário e tornou-se o principal processo legislativo do sistema deliberativo.

“Agora (o Parlamento Europeu) pode colegislar em pé de igualdade com o Conselho na grande maioria dos domínios (…), e a consulta tornou-se um processo legislativo especial (ou, mesmo, um processo não legislativo), usado num número limitado de casos.

“Este processo passou a aplicar-se a um número limitado de domínios legislativos, como as isenções no âmbito do mercado interno e o direito da concorrência. 

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Fonte complementar: Wikipédia

CARTA DE LISBOA (2023): Ano difícil, mas com esperança renovada

24 de Novembro de 2023, por José Venâncio de Resende 0

Foto publicada em 2013 no site do Parlamento Europeu por ocasião de votação sobre o mercado de crédito de carbono.

Caro leitor,

O ano chega ao final, com novas demonstrações de que a situação na nossa Terra vai de mal a pior. Veja o caso do clima: ondas de calor a bater recordes; secas e enchentes cada vez mais rigorosas; tempestades, furacões e tufões mais fortes e mais frequentes; a água do mar mais quente e o nível dos oceanos a subir (com as geleiras a derreterem em ritmo crescente); ar e mar cada vez mais poluídos devido aos transportes, indústrias, aquecimento doméstico e plásticos. É o homo sapiens em ação.

Não sei se há motivo para esperança, mas não custa fazer um esforço extra para acreditar em soluções. Daí que, para mim, um dos principais acontecimentos de 2023 foi a implantação da Lei do Clima pela União Europeia – um roteiro para combater, no continente, o aquecimento da Terra. A lei aprovada pelo Parlamento Europeu propõe reduzir até o ano de 2030, em pelo menos 55%, os níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEE) - no caso o dióxido de carbono (CO2) - tendo como referência 1990.

Uma das propostas deste pacote ambicioso é a ampla reforma do mercado de carbono – o denominado Regime de Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE). A ideia é limitar as emissões do gás tóxico CO2 na atmosfera através da imposição de cotas à indústria. Ou seja, as empresas têm de adquirir, em leilões, licenças de autorização por tonelada de CO2 emitida.

O ChatGPT define o mercado de crédito de carbono como uma abordagem econômica para lidar com as emissões de gases poluentes que contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Ele tem como objetivo principal incentivar a redução das emissões por meio de mecanismos de precificação do carbono. Seu funcionamento envolve a emissão e a negociação de unidades de carbono, conhecidas como créditos de carbono. Esses créditos representam uma permissão para emitir uma quantidade específica de gases de efeito estufa.

A União Europeia tem o maior mercado de carbono do mundo – estimado em cerca de 11 mil instalações industriais emitindo perto de 40% dos GEE. São indústrias poluidoras tais como usinas de eletricidade, refinarias de petróleo, siderurgia, cimento e empresas de aviação. Os Estados europeus determinam, anualmente, o número de cotas que cada empresa terá direito, dependendo do setor de atividade. Se as emissões ultrapassarem a cota da empresa, ela deve comprar partes suplementares no mercado de carbono. Essas cotas devem ser eliminadas progressivamente até 2034.

A nova lei europeia incluiu no mercado de carbono as emissões de GEE dos setores marítimo e de transportes rodoviários e do aquecimento residencial. E ainda aprovou a diminuição gradual dos direitos de poluir da aviação. O caso do transporte aéreo é exemplar por dois motivos. Em primeiro lugar, espera-se o setor aéreo substitua o combustível em uso por combustíveis menos poluentes. Mas também se desenvolve no continente europeu um plano de revigoramento da ferrovia, por meio da integração regional, um “upgrade da rede” para concorrer com os aviões que fazem voos de curta duração.

As cotas, ou direito de poluir, visam fortalecer a competitividade da indústria europeia e evitar a fuga de carbono para países com regras mais brandas. Essas fugas de carbono, ou “dumping ambiental”, serão evitadas com a aplicação de um mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras (MACF), chamado de imposto de carbono. Em outras palavras, evitar a concorrência desleal, ou seja, que as indústrias europeias tenham de cumprir normas exigentes em seu território enquanto são importados bens de países cuja produção acelere o aquecimento global. É o caso da importação de matérias-primas como ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Os importadores destes bens terão de pagar qualquer diferença entre o preço do carbono no país de produção e o preço das licenças de emissão de carbono na União Europeia.

O modelo europeu é apontado por especialistas como exemplar no propósito de reduzir as emissões na atmosfera de dióxido de carbono das fábricas, e assim combater a piora do clima e o aumento da temperatura da terra. Diante das novas propostas, fica a dúvida sobre a viabilização do acordo de livre-comércio União Europeia-Mercosul. Uma novela que já dura décadas e tem exigências acrescidas, recentemente, relativas à proteção ambiental e aos direitos humanos. Mas, de repente, o governo brasileiro quer apressar a assinatura do acordo do papel, por temer a resistência do novo presidente da Argentina, o “ultralibertário” Javier Milei.

Duas guerras, insanidade

O ano termina com o mundo abalado por duas guerras em curso: a invasão russa ao território da Ucrânia, iniciada em 2022, e a mão pesada de Israel em Gaza (para muitos, desproporcional) contra o massacre e o sequestro levados a efeito pelo grupo islâmico Hamas em 7 de outubro em território israelense. Dois conflitos que, para além dos transtornos econômicos, sociais e humanitários, prejudicam o combate às alterações climáticas ao tirar o foco de um problema da maior gravidade. O ataque do Hamas aconteceu, coincidentemente, quando Israel se preparava para assinar um acordo bilateral com a Arábia Saudita, como parte dos “Acordos de Abraão” destinados a normalizar as relações diplomáticas árabe-israelense (já assinados com  os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein em 2020) sob a mediação dos Estados Unidos.

“Quando nos afastamos o suficiente, podemos ver exatamente quais são as forças que movem a geopolítica atual: a Ucrânia está tentando se juntar ao Ocidente. Israel está tentando se juntar a um novo Oriente Médio. E Rússia e Irã se uniram para tentar impedir ambos”, disse Thomas Friedman (03/11/2023 em O Estado de S. Paulo). Rússia e Irã são aliados, e pelos piores motivos; a começar que internamente não há democracia em nenhum dos dois países; segundo, querem combater o isolamento a que estão expostos promovendo (ou provocando) guerras e espalhando incertezas pelo mundo. É preciso lembrar que o Hamas, bancado pelo Irã, é contra a existência de Israel e os radicais israelenses que apoiam o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu são contra a criação do estado da Palestina. Daí as ações de selvageria tanto por parte do Hamas quanto do governo israelense – o “olho por olho, dente por dente”.

É imperioso que se coloque fim aos dois conflitos, um no Leste Europeu e outro no Oriente Médio. Quer pelo abandono por parte da Rússia de seu ímpeto imperialista, deixando os territórios invadidos e o caminho livre para a Ucrânia se consolidar como nação e aderir à União Europeia; quer pela criação do estado palestino (a ser governado por uma Autoridade da Palestina reformada, rejuvenescida e fortalecida). Dois estados onde judeus e palestinos possam conviver de maneira civilizada, cada qual respeitando a crença religiosa e a autodeterminação do outro povo.

Mas para isso é preciso ultrapassar os governos autocrático-religiosos tanto do sr. Putin (Rússia) quanto do sr. Netanyahu (Israel). Vladimir Putin joga claramente com a falta de resultados na contraofensiva ucraniana; o apoio de aliados como Irã, Coreia do Norte e China; o cansaço dos aliados da Ucrânia e a possibilidade da volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. O custo de uma cedência ao instinto imperialista do regime russo será extremamente oneroso para a democracia. Daí porque considero no mínimo incoerente a aposta na aliança a qualquer custo com o eixo autocrático China-Rússia-Irã, tanto no âmbito do chamado “BRICS ampliado”* quanto no do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Africana) ou de outro tipo de organização.

Netanyahu foi um crítico ferrenho dos chamados acordos de Oslo (busca de paz duradoura entre os dois povos) de 1993. A foto do aperto de mãos entre o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, sob o olhar cúmplice do então presidente norte-americano Bill Clinton, ficou para a história. Mas os acordos de Oslo – que representavam esperança real de paz mas que resultaram no assassinato deYitzhak Rabin em 1995 por um judeu fanático - foram “dinamitados” pelo sr. Netanyahu e seus aliados religiosos e radicais de direita.

Na verdade, o risco é não apenas de a guerra na Ucrânia se prolongar no tempo (em benefício da Rússia) e a crise em Gaza se espalhar pelo Oriente Médio (com o envolvimento de países como o Irã de braços dados com a Rússia). Mas também de a China aumentar o seu assédio aos países fronteiriços do mar do sul, bem como invadir Taiwan causando uma disrupção na indústria de semicondutores e na economia mundial. Isto, sem falar das guerras civis que pipocam em países africanos e asiáticos. É o que se pode chamar de “nova (des)ordem internacional”, de acordo com reportagem da revista The Economist**. Tudo isto temperado com um populismo crescente (e perigoso) entre políticos e partidos por toda parte.

Ano difícil

Este foi um ano muito difícil. Nem havíamos recuperado da pandemia quando nos deparamos com os dois conflitos. O impacto econômico e social tem sido forte e há muita incerteza pela frente, inclusive quanto à segurança com o risco acrescido de atentados fruto do radicalismo religioso. Portugal, por exemplo, já não é mais aquele país onde se tinha um dos custos de vida mais baixos da União Europeia. Inflação acima do patamar, juros elevados, custos estratosféricos de imóveis e arrefecimento das exportações – numa Europa praticamente estagnada –, agora agravados pela demissão do governo e novas eleições com resultado imprevisível, compõem a cena de incertezas que só não é mais catastráfica porque o nível de desemprego ainda está baixo. Condicionado por este cenário, tive de adiar meus planos de fazer algumas viagens pelo continente. Optei por ficar confinado no país e concentrar-me em viagens intrafronteira e na leitura de livros.

Entre os livros que li este ano, destaco a “biografia” fantástica denominada Roma – História da Cidade Eterna (Crítica, 2022), de Ferdinand Addis. Acaba por ser um roteiro para a viagem que desejo realizar a Roma, talvez em 2024. Para além do robusto conteúdo histórico e da arquitetura antiga, chamou-me a atenção o capítulo sobre as cinco basílicas patriarcais (os chamados “tronos de bispo”) de Roma: São João de Latrão (século V), Santa Maria Maior (século V), São Lourenço (século V), São Paulo (século IV) e de São Pedro (1626).

Aliás, tenho uma lista interminável de livros para ler antes de fazer minha viagem sem volta - muitos de autores com quem nunca tive contato. É o caso, por exemplo, de Ken Follett (mais de 188 milhões de exemplares vendidos de seus 36 livros), que li este ano pela primeira vez. Em Armadilha de Luz (Presença, 2023), o autor romanceia a evolução tecnológica (novas máquinas e novos processos de tecelagem) e as consequentes transformações econômico-sociais decorrentes durante a primeira revolução industrial, como o surgimento do sindicato de operários no setor têxtil - isto em plena guerra contra Napoleão Bonaparte. Um romance histórico que retrata a luta dos mais fracos pelos seus direitos e pela liberdade. “A revolução industrial está em marcha. A modernização desenfreada, feita com novas e perigosas máquinas, está a tornar muitos empregos obsoletos e a destruir famílias. Mas os trabalhadores das fábricas também vivem na miséria. À medida que um conflito internacional se aproxima (guerras napoleônicas), um pequeno grupo de habitantes de Kingsbridge - de que fazem parte a ¬fiandeira Sal Clitheroe, o tecelão David Shovelle - luta pela liberdade e pelo seu futuro” (do autor em entrevista à CNN Portugal, 19/11/2023).

E acabo de ler O segredo de Espinosa (Planeta, 2023), de José Rodrigues dos Santos, que conta a história de Bento (Benedictus) de Espinosa, o judeu português, nascido em Amsterdã (República dos Países Baixos, vulgo Holanda), que em pleno século XVII, para além de defender a separação entre Estado e religião que inspirou a Constituição dos Estados Unidos, levou ao extremo o cartesianismo do filósofo francês René Descartes. Como observou o professor Theodore Kraanen, da Universidade de Leiden: “O problema é que o seu Tractatus Theologico-Politicus levou o uso da razão até aos seus derradeiros limites. Nunca até agora ninguém tinha feito isso. O próprio Descartes, quando propôs o uso da razão como instrumento para desvendar a natureza, teve o cuidado de reservar um lugar especial para a intervenção divina. Deus manteve sempre o seu papel no grande esquema das coisas. O mesmo fizeram todos os outros filósofos, desde Galileu a Hobbes, passando por Bacon. A razão sempre teve Deus como limite. O problema é que o seu livro ultrapassou esse limite e veio dizer que a razão se sobrepõe à Bíblia. Pior, o seu tratado afirma mesmo que o próprio Deus está submetido às regras da razão. Isso é uma mensagem muito perigosa, como decerto não ignora. Ao mostrar que a lógica racional cartesiana, quando assumida em todas as suas implicações e levada às últimas consequências, coloca Deus numa situação de submissão à razão, é natural que muitas pessoas fiquem escandalizadas”.

Escandalizou não apenas os calvinistas como também os filósofos racionalistas seus contemporâneos. O livro de Bento teve a sua publicação proibida, numa época em que a maioria tinha a Bíblia como a única fonte de informação e ensinamento – mediante a interpretação dos religiosos -, mas, em conversa com o filósofo alemão Gottfried Leibniz, ele revelou o seu segredo: “Quando afirmo que Deus emite leis, senhor Leibniz, estou na verdade a afirmar que a natureza emite leis. Ou seja, quando falo de Deus, falo da natureza. Não diferencio Deus e a natureza. Se o mundo é regido por leis naturais e tudo o que ele contém é natural, então Deus é natural”. Como diz o autor do livro, Bento sempre negou que fosse ateu, mas “propôs que se substituíssem as religiões que apregoavam superstições por um sistema que usasse a razão”. E o seu conceito acabou por contribuir “para a emergência ou o desenvolvimento de um novo tipo de religião, as religiões políticas, como o liberalismo, o socialismo, o nacionalismo e o socialismo nacionalista”.

Espero que tenhamos um novo ano com menos espaço para a “desordem internacional” e para ódio e ressentimento, o que tornaria mais fácil resolver os problemas do mundo assim como de nossas vidas. Feliz 2024!

*BRICS: Originalmente, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; recentemente, foram aprovados como novos membros Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã.

**From Gaza to Ukraine, wars and crises are piling up (The Economist, 13/11/2023).