Abrindo novos caminhos

O mercado de emissões de carbono e a crise climática

09 de Junho de 2023, por José Venâncio de Resende 0

O robô inteligente, do outro lado (foto extraída do site da BBC News).

Uma entrevista com o ChaGPT sobre a crise climática e o mercado de emissões de carbono como uma das soluções apontadas para enfrentar o aquecimento global. As respostas do assistente virtual inteligente (em formato chatbot online com inteligência artificial, desenvolvido pela OpenAI) não sofreram, propositadamente, nenhum tipo de correção.

Qual é a gravidade da crise climática para a existência na Terra?

A crise climática representa uma ameaça significativa para a existência na Terra e para o futuro de todas as formas de vida que habitam o planeta. A gravidade da crise climática se manifesta em várias formas:

Aquecimento global: O aumento das emissões de gases de efeito estufa, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis e à destruição de florestas, está levando a um aumento das temperaturas globais. Esse aquecimento causa uma série de impactos, como o derretimento das calotas polares, o aumento do nível do mar, eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, como tempestades mais fortes, secas prolongadas e ondas de calor intensas.

Perda de biodiversidade: As mudanças climáticas estão causando a perda acelerada de habitats naturais, o que leva à extinção de muitas espécies. Os ecossistemas estão sendo desestabilizados, afetando a cadeia alimentar e a interdependência entre as espécies. A perda de biodiversidade pode ter efeitos cascata em todo o planeta, comprometendo a resiliência dos ecossistemas e a capacidade de sustentar a vida.

Escassez de recursos hídricos: As mudanças climáticas afetam o ciclo da água, levando a padrões de precipitação alterados e eventos extremos, como secas e inundações. A escassez de água potável afeta a disponibilidade de recursos essenciais para a vida humana, agricultura, indústria e ecossistemas naturais.

Impacto na segurança alimentar: As mudanças climáticas têm consequências significativas na produção de alimentos, com alterações nos padrões de cultivo, aumento de pragas e doenças, e diminuição da produtividade agrícola. Isso pode levar à insegurança alimentar, afetando principalmente as populações mais vulneráveis.

Consequências socioeconômicas: A crise climática tem implicações socioeconômicas significativas, com o potencial de agravar desigualdades existentes. Comunidades pobres e países em desenvolvimento são particularmente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, devido à falta de recursos e infraestrutura para se adaptarem adequadamente.

Risco de colapso dos ecossistemas: À medida que os impactos das mudanças climáticas se intensificam, existe o risco de que alguns ecossistemas importantes entrem em colapso, como recifes de coral, florestas tropicais e sistemas de gelo polar. O colapso desses ecossistemas teria consequências devastadoras para a biodiversidade e para a saúde do planeta como um todo.

Portanto, a crise climática é uma ameaça séria e urgente, exigindo ação coletiva para mitigar suas causas e adaptar-se aos impactos já em curso. É crucial que governos, empresas e indivíduos adotem medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, investir em energia limpa e sustentável, conservar os ecossistemas e adotar práticas agrícolas mais sustentáveis.

Mercado de carbono

O que é o mercado de emissões de carbono e como funciona?

O mercado de emissões de carbono é uma abordagem econômica para lidar com as emissões de gases de efeito estufa (GEE) que contribuem para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Ele tem como objetivo principal incentivar a redução das emissões por meio de mecanismos de precificação do carbono.

O funcionamento do mercado de emissões de carbono envolve a emissão e negociação de unidades de carbono, conhecidas como créditos de carbono. Esses créditos representam uma permissão para emitir uma quantidade específica de gases de efeito estufa. O mercado de carbono pode ser implementado em nível nacional ou regional, como a União Europeia, ou por meio de acordos internacionais, como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris.

Existem dois principais tipos de sistemas de mercado de emissões de carbono: o sistema de cap-and-trade (limite e comércio) e o sistema de taxas. No sistema de cap-and-trade, um limite máximo de emissões é estabelecido e as emissões são divididas em cotas individuais que podem ser compradas e vendidas entre as empresas. Se uma empresa reduz suas emissões abaixo do limite, ela pode vender as cotas excedentes para outras empresas que excederam suas cotas. Isso cria um incentivo financeiro para as empresas reduzirem suas emissões de forma eficiente. Já no sistema de taxas, as empresas pagam uma taxa fixa por unidade de emissão de carbono que produzem, o que também cria um incentivo para reduzir as emissões.

O mercado de emissões de carbono é baseado no princípio de que as emissões de gases de efeito estufa têm um custo ambiental e que esse custo deve ser internalizado nos processos econômicos. Ao atribuir um valor financeiro às emissões de carbono, o mercado incentiva as empresas a adotarem práticas mais sustentáveis e a investirem em tecnologias mais limpas e de baixo carbono.

Além disso, o mercado de emissões de carbono também pode financiar projetos de redução de emissões em países em desenvolvimento, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Esses projetos geram créditos de carbono que podem ser vendidos no mercado, incentivando a transferência de tecnologia limpa e o desenvolvimento sustentável.

No entanto, é importante ressaltar que o mercado de emissões de carbono não é a única solução para enfrentar as mudanças climáticas. Ele deve ser complementado por políticas governamentais abrangentes, investimentos em energias renováveis, eficiência energética e outras medidas para reduzir as emissões e promover uma transição para uma economia de baixo carbono.

Qual é a situação atual do mercado de emissões de carbono?

Como modelo de linguagem, minha informação é atualizada até setembro de 2021, e não tenho acesso a dados em tempo real. Portanto, não posso fornecer informações específicas sobre a situação atual do mercado de emissões de carbono em junho de 2023. No entanto, posso fornecer uma visão geral do funcionamento do mercado de emissões de carbono com base nas informações disponíveis até minha data de corte.

O mercado de emissões de carbono é uma abordagem baseada no mercado para lidar com as mudanças climáticas. Ele foi estabelecido para reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) de forma economicamente eficiente, incentivando a redução de emissões em locais onde isso é mais viável e econômico. O principal objetivo do mercado de emissões de carbono é criar um sistema de precificação do carbono, onde as emissões de GEE têm um custo associado.

O principal instrumento utilizado nos mercados de emissões de carbono é o sistema de cap-and-trade (limite e comércio). Nesse sistema, um limite máximo de emissões é estabelecido e as empresas recebem permissões de emissão correspondentes a uma certa quantidade de emissões. As empresas podem comprar ou vender essas permissões no mercado, o que permite flexibilidade e incentiva a redução de emissões onde for mais econômico.

Existem diferentes mercados de emissões de carbono em todo o mundo, com o mais conhecido sendo o sistema europeu de comércio de emissões (European Union Emissions Trading System - EU ETS). Outros exemplos incluem o sistema de comércio de emissões da Califórnia (California Cap-and-Trade Program) nos Estados Unidos e o esquema de comércio de emissões da Nova Zelândia (New Zealand Emissions Trading Scheme).

A situação atual do mercado de emissões de carbono pode variar dependendo do país ou região específica. Desde a minha data de corte, várias jurisdições têm implementado políticas para fortalecer e expandir seus sistemas de comércio de emissões, com o objetivo de reduzir as emissões e atingir metas climáticas mais ambiciosas. Além disso, existem discussões em andamento sobre a criação de um mercado global de carbono para ajudar a impulsionar os esforços de redução de emissões em todo o mundo.

Para obter informações mais atualizadas sobre a situação específica do mercado de emissões de carbono em junho de 2023, recomendo consultar fontes confiáveis, como relatórios de organizações internacionais, notícias sobre políticas climáticas e sites governamentais relacionados.

 

De imigrantes, negócios e cultura, à sombra da Ucrânia

26 de Abril de 2023, por José Venâncio de Resende 0

Lula e Costa viajaram na aeronave militar da Embraer "padrão NATO" (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República do Brasil).

De Lisboa. 

A assinatura do acordo entre Brasil e Portugal sobre a concessão de equivalência de estudos no ensino fundamental/básico e médio/secundário – uma reivindicação antiga dos imigrantes – e a decisão de reforçar a presença em território português da Embraer – que já vendeu cinco aeronaves KC-390 à Força Aérea Portuguesa (que faz parte da OTAN/NATO*) a operarem a partir deste ano – estão entre as medidas anunciadas durante a recente passagem do presidente Luís Inácio Lula da Silva por Portugal. No caso da cooperação educacional, há ainda a decisão de estudar a ampliação do acordo para a equivalência de graus e títulos de ensino superior.

Quanto à Embraer, a intenção é avançar para o desenvolvimento de uma base tecnológica e industrial de defesa em Portugal, que inclusive permitirá ampliar a produção conjunta de aeronaves militares “padrão NATO”. Como a demanda portuguesa não é suficiente para absorver toda a produção, a empresa vai acabar fornecendo seus aviões para outros países da NATO/OTAN. E como bem salientaram o presidente brasileiro Lula da Silva e o primeiro-ministro português  Antônio Costa, este é um modelo bem-sucedido de parceria na área empresarial que precisa ser estendido a outros setores da economia; ou seja, há um imenso espaço para dinamizar o comércio exterior entre os dois países. Costa ressaltou o potencial de projetos voltados para a transição energética, em especial um estudo conjunto em torno do hidrogênio verde. 

A chegada de Lula da Silva a Portugal foi marcada pela desconfiança em relação à posição do presidente brasileiro sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, manifestada em recente visita à China, na qual ele culpou também o país invadido (e consequentemente seus apoiadores) pela guerra e vinha defendendo um acordo de paz no mínimo assimétrico. Como membro do BRICS (agrupamento de cinco países emergentes)** e com a volta do ativismo do Brasil na política externa, o País passou a ser visto como inclinado a fechar com posições russas e chinesas em questões delicadas como esta, que envolve Estados Unidos e União Europeia no âmbito da NATO/OTAN. Não apenas interesses comerciais, mas também a questão ideológica contamina esta discussão.    

No mesmo dia (24) em que Lula da Silva cumpria agendas no Porto e em Lisboa, Bruxelas, por meio do chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, desafiou o presidente brasileiro a visitar Kiev para conhecer de perto a realidade da guerra, se quiser se credenciar como um potencial mediador “credível” para o conflito. E, um dia depois, na Assembleia da República, durante a cerimônia de recepção a Lula da Silva que antecedeu às comemorações da Revolução de 25 de abril*** – a popular Revolução dos Cravos -, ficaram claras as diferenças de ênfase.

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, foi explícito: “Acreditamos que é urgentíssimo trocar as armas pelas conversações político-diplomáticas, que ponham fim ao conflito e salvaguardem, elas sim, os interesses legítimos em presença. Precisamos, na verdade, de falar mais de negociações e menos de batalhas. A condição é simples e depende unicamente da Federação Russa: é o agressor cessar as hostilidades e retirar-se do país soberano que invadiu”.

Lula da Silva, que em outro momento da visita a Portugal já havia condenado a agressão da Rússia contra a Ucrânia, num possível reposicionamento em relação à invasão russa (pelo menos, esta é a expectativa por aqui), defendeu, em seu discurso na Assembleia da República, o papel do diálogo e da diplomacia para conseguir a paz. Ou seja, não se referiu à devolução dos territórios invadidos, a principal exigência da Ucrânia e de seus aliados.

Acordo UE-Mercosul: a longa espera

Durante o Fórum Empresarial Portugal-Brasil, no dia 24 de abril, em Matosinhos (região do Porto), o primeiro ministro português Antônio Costa destacou que o acordo Mercosul – União Europeia**** é absolutamente estratégico para Portugal, ao permitir melhores oportunidades para aumentar as relações comerciais com o Brasil. Iniciado em 1999 e assinado em 2019, o acordo de livre comércio Mercosul - União Europeia vem se arrastando no tempo. Agora precisa ser ratificado pelos congressos nacionais dos envolvidos dos dois continentes.

Por isso, Costa prometeu “trabalhar mesmo para concluir este acordo entre a União Europeia e o Mercosul. As posições dos dois governos sobre a rápida conclusão deste acordo de livre comércio constam da Declaração Final da XIII Cimeira Luso Brasileira. Ao mesmo tempo, Lula da Silva e Costa reafirmaram o interesse em ver ampliados os investimentos bilaterais em áreas prioritárias como infraestruturas, energia, novas tecnologias, saúde, espaço, defesa e mar e oceanos.

O problema é que o diabo mora nos detalhes, no caso do acordo Mercosul - União Europeia. São negociações complexas que envolvem áreas como marcos regulatórios, tarifas alfandegárias, regras sanitárias, propriedade intelectual e compras públicas. E sobretudo interesses conflitantes. Daí as dificuldades em aprovar o acordo nos parlamentos de cada país.

Dois escritores, duas situações

Com a presença dos presidentes Marcelo Rebelo de Sousa (Portugal) e Luís Inácio Lula da Silva (Brasil), o músico e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda recebeu formalmente, em 24 de abril, o Prêmio Camões de literatura em língua portuguesa, quatro anos depois de seu anúncio. Se a entrega do Prêmio Camões a Chico Buarque teve ampla repercussão nas mídias portuguesa e brasileira, passou meio que despercebida a referência à escritora Clarice Lispector***** feita por Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República de Portugal, na sessão solene de recepção ao presidente brasileiro Lula da Silva, anterior à sessão oficial do Dia da Revolução de 25 de abril.

Eis o trecho do discurso de Santos Silva:

“O elo mais fundo entre Portugal e o Brasil é a língua comum. A língua e as literaturas que nela se exprimem e que constantemente a recriam. Assim nos oferecendo um modo particular de nos entendermos, de nos situarmos e compreendermos o mundo. Inquietos, imaginativos, desassossegados, como tão bem nos fazem ver dois escritores universais, que cultivaram como poucos a nossa língua: Fernando Pessoa e Clarice Lispector.

Pessoa e Lispector foram, ao mesmo tempo, criadores e personagens de vários mundos: das circunstâncias em que se fizeram, ela brasileira nascida na Ucrânia, ele lisboeta parcialmente formado na África do Sul; e dos tempos outros que souberam forjar, com seu gênio, solidão e ousadia. Pois quero pedir de empréstimo, a Clarice Lispector, o título da coletânea de crônicas que acaba de ser publicada em Lisboa: A Descoberta do Mundo.

Preciso desse título. Porque o mundo existe para ser descoberto. Para nos descobrirmos descobrindo-o. Claro que, como tão bem mostrou a poesia de Alberto Caeiro, o mundo existe sempre antes de nós o descobrirmos; já está lá antes de o vermos. Mas é o vê-lo que nos faz ser; descobrindo-o é que nós descobrimos o nosso ser. Descobrir o mundo, descobrir a pluralidade dos universos que existem; e descobrir os novos mundos que vamos todos, em maior ou menor harmonia, construindo.”

Pedido de desculpas

A sessão solene na Assembleia da República, que marcou os 49 anos da Revolução dos Cravos, foi marcada por um discurso “pedagógico” (expressão usada por alguns analistas políticos) do presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Entre outras afirmações, ele disse que Portugal deve um pedido de desculpas ao Brasil pelas dores do processo de colonização. Não é apenas pedir desculpa - devida, sem dúvida - por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil; pede-se desculpa, vira-se as costas e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado.”

Conhecido ainda como o “Dia da Liberdade”, a data mereceu ainda um alerta do presidente português: “Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024 (ano do cinquentário), seja um momento de evocação da democracia que ele tornou possível, da liberdade que ele permitiu que fosse vivida pelo maior número de portugueses, de passos pela descolonização e pós-descolonização tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucessos e fracassos, do desenvolvimento que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucessos e fracassos”. 

Por fim, enfatizou o papel do povo na democracia: “Última palavra no povo, com o povo tendo a possibilidade que só em liberdade a democracia existe, nunca em ditadura, de continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que saiba que é imperfeito, que durará pouco tempo e ficará aquém das expectativas, com a certeza de que o 25 de Abril está vivo porque nasceu para criar a ambição, para criar a insatisfação, para criar o não acomodamento, para criar a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor, sempre. Viva o 25 de Abril, viva a liberdade, viva a democracia, viva Portugal.”

*Organização do Tratado do Atlântico Norte (da sigla em inglês NATO) 
** Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
***Revolução de 25 de abril, também conhecida como Revolução dos Cravos, foi movimento político e social, ocorrido em 1974, que depôs a ditadura salazarista do Estado Novo, vigente desde 1933, iniciando o processo de redemocratização do país consolidado com a entrada em vigor da Constitutição de 25 de abril de 1976. 
****Mercado Comum do Sul que reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. 
*****Clarice Lispector, escritora brasileira, nascida na Ucrânia, considerada uma das mais importantes do século XX. De família judaica, perdeu suas rendas com a Guerra Civil Russa e foi obrigada a emigrar, em 1922, com os pais e duas irmãs, em decorrência da perseguição a judeus, inclusive com extermínios em massa.

CARTA DE LISBOA (2022): Invasão da Ucrânia, novo governo e crise climática

06 de Novembro de 2022, por José Venâncio de Resende 0

Uma guerra sem sentido (foto: Vatican News).

“Esta tendência para a irresponsabilidade persiste ainda hoje em muitos de nós: os nossos rios são envenenados por descargas irresponsáveis de esgotos e efluentes tóxicos e industriais, o ar de nossas cidades é imundo e perigoso de se respirar devido ao vomitar dos produtos da combustão descontrolada do carvão, do coque, do petróleo e da gasolina. As nossas cidades estão rodeadas por destroços e pelos restos dos nossos brinquedos – os nossos automóveis e os nossos prazeres embalados. Através de uma pulverização desinibida contra um inimigo, destruímos o equilíbrio natural que a nossa sobrevivência exige. Todos estes males podem e devem ser ultrapassados, se a América e os americanos pretenderem sobreviver; mas muitos de nós ainda se comportam como os nossos antepassados se comportavam, roubando ao futuro para nosso benefício imediato e presente.” Trecho do livro A América e os americanos (Livros do Brasil, 2022, Porto) no qual o autor John Steinbeck (1902-1968) fala dos primeiros habitantes “que pilharam o país como se o odiassem”. Foi um dos melhores livros que li este ano, sobretudo a última parte que contém textos valiosos para compreender o seu país.

Nós, os Romanov (Alma Livros, 2021, Lisboa), do grão-duque Aleksandr Mikhailovich, e Jerusalém a Biografia (3ª edição, editora Crítica, 2021, Lisboa), de Simon Sebag Montefiore foram outros livros que marcaram meu ano porque me ajudaram a perceber melhor que, por trás da ambição desmedida do Sr Putin em recuperar o grande império russo, governado por uma monarquia absoluta nos séculos que antecederam a revolução russa de 1917, está a mistura tóxica entre política e religião. Em “Jerusalém”, por exemplo, o autor relata que, em 1453, com a queda de Constantinopla, “os grandes príncipes de Moscou tinham-se assumido como herdeiros dos últimos imperadores bizantinos, vendo Moscou como a terceira Roma; os príncipes adotaram a águia bizantina de duas cabeças, bem como o título de César, ou seja, czar. Nas guerras que travaram contra os khans islâmicos da Crimeia, e depois contra os sultões otomanos, os csares sempre apresentaram a promoção do império russo como uma cruzada ortodoxa”. Em outra passagem sobre a forte presença dos peregrinos russos em Jerusalém no século 19: “Esta devoção russa estava fundada na piedosa pertença à igreja ortodoxa, que abrangia toda a sociedade, desde a base – dos andrajosos camponeses das minúsculas e longínquas aldeias da Sibéria – até ao topo, incluindo o próprio imperador, o csar Nicalau I. A missão ortodoxa da sagrada Rússia era partilhada por todos eles”.

Em nome de Deus tem-se feito barbaridades – diz um especialista militar que esta é uma guerra violenta e que terá longa duração. A Rússia do Sr Putin invadiu o território do país vizinho, numa cruzada político-religiosa de contornos fanático e saudosista; não são gratuitas as invasões russas da Geórgia (2008), da Crimeia (2014) e da Ucrânia (24 de fevereiro deste ano) nem tampouco o temor que levou Finlândia e Suécia, tradicionalmente neutros, a aderirem à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO). A aventura do Sr Putin na Ucrânia ocorreu num ano que prometia ser o de início da recuperação de dois anos de pandemia e que, de repente, se transformou no começo de uma nova crise de futuro incerto.

De olho no próximo inverno, o Sr Putin está impingindo uma “guerra fria” aos ucranianos, ao usar mísseis e drones para destruir casas, prédios e infraestrutura de água e energia e matar civis inocentes. É impressionante ver imagens de pessoas idosas resilientes, tentando sobreviver em meio aos escombros, buscando água em baldes e catando galhos de árvores, para cozinhar algumas batatas e se aquecer do frio que já começa a dar as caras. “A Ucrânia vem sendo devastada, sofrendo com o deslocamento de milhões de refugiados, a morte de milhares de civis, a destruição generalizada da infraestrutura e uma brutal contração da atividade econômica” (trecho de documento do Clube de Madri, citado pelo cientista político Bolívar Lamounier em artigo no Estado de S. Paulo de 05/11).

Fala-se mesmo de um drama humanitário principalmente no interior da Ucrânia durante o próximo inverno. E tudo indica que a estratégia do Sr Putin é fazer não apenas a sofrida Ucrânia mas também a Europa a sentir mais frio e assim ferir a solidariedade entre os países-membros da União Europeia (UE), na medida em que uns (em especial do leste) sejam mais prejudicados do que outros com a escassez de gás natural. Acredita-se que o “general inverno” será inclemente durante o frio tanto nos próximos meses quanto em 2023/24 devido aos baixos estoques de gás natural. É com isso que joga o Sr Putin para dividir os apoiantes da Ucrânia; ou seja, com a impopularidade dos governos aliados da Ucrânia por conta da inflação nas alturas, principalmente devido aos preços da energia e dos alimentos, e do risco real de recessão em 2023 que imponha custos sociais muito elevados.

Num sentido mais amplo, Rússia e Estados Unidos/Europa praticamente estão envolvidos numa guerra (militar e econômica) que pode ser “quente” neste momento, mas há o temor de que se torne uma “guerra fria” nos moldes da época da União Soviética, acrescida da China. A Ucrânia virou um grande campo de testes de novos e mais sofisticados armamentos, embora ironicamente já se considera que o seu maior fornecedor de veículos militares seja a Rússia (os ucranianos recuperam em suas oficinas os tanques deixados para trás nas fugas dos soldados russos). E ainda há o risco de escalada para uma “guerra da energia”, em articulação com a OPEP (o cartel do petróleo), que pode levar à redução da oferta e à explosão dos preços, beneficiando as finanças da Rússia e prejudicando o abastecimento especialmente dos países europeus.

Muitos analistas entendem que UE, Reino Unido e Estados Unidos vacilaram quando das invasões da Geórgia (2008) e da Criméia (2014); houve até mesmo quem acreditasse na boa-fé do Sr Putin, como foi o caso da Sra Angela Merkel, então primeira-ministra da Alemanha, que de maneira pouco sensata colocou todos os ovos na cesta do Sr Putin, não apenas aprofundando a dependência do gás russo mais barato como também desativando as usinas nucleares do seu país. A questão é saber até quanto a UE vai manter o apoio decisivo à Ucrânia. Uma saída para fugir da chantagem russa, que seria a compra conjunta de gás natural de outros fornecedores, como foi a bem-sucedida aquisição comum de vacinas anti-convid, esbarra no conflito de interesses entre os países-membros. Estamos há quase um ano do início da guerra e não houve consenso sobre o boicote ao gás natural russo, gerando a situação desconfortável de a própria Europa ajudar a financiar o exército russo. Por conta disso, as sanções econômicas (já são 12.739 medidas sancionatórias desde a invasão em 24 de Fevereiro, segundo o jornal Público de 03/11) ainda não foram suficientemente eficazes. 

Mas ainda há outro risco. No curso prazo, os democratas podem perder a maioria no Senado e na Câmara dos Deputados dos EUA e, nas próximas eleições presidenciais, não está descartada a possibilidade de o Sr Trump retornar ao poder. Com ficaria o apoio dos EUA à Ucrânia? Há analistas que acreditam que, se esta guerra não for decidida antes, uma possível volta do Partido Republicano do Sr Trump ao poder forçaria o fim do conflito, provavelmente em benefício do Sr. Putin. Não nos iludamos: a Rússia nunca desistiu de tentar subjugar a Ucrânia. E a China, sua aliada, aguarda de camarote um desfecho favorável aos russos porque pretende anexar Taiwan, ainda que a força.

De qualquer forma, há quem acredite que a Europa em particular e o mundo em geral acabarão por beneficiar-se desta crise. “Da mesma forma que a covid acelerou a transição digital, esta crise vai acelerar a transição energética”, diz a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva). Mas ela alerta que, antes disso, as pessoas precisam ajudar a sair desta crise economizando energia porque, se as importações de gás natural da Rússia secarem totalmente, a Europa não terá como repor os estoques em 2023, tornando o inverno ainda mais rigoroso. E para acelerar a transição energética a UE precisa priorizar as interconecções energéticas (energias renováveis e gás natural), o que exige entendimento, nem sempre fácil, entre os países-membros, para investir em infraestruturas (gasodutos, linhas de transmissão, terminais de gás natural liquefeito etc.) cujos projetos são geralmente de médio e de longo alcance.

É por tudo isso que estou do lado da Ucrânia nesta sua luta para sobreviver à barbárie como país e nação. O Sr Putin completou 70 anos (em 7 de outubro); pouco mais de dois meses mais novo do que eu. Fico a pensar como podem “véios” como nós estarem a brincar com fogo. É a busca insana por dinheiro e poder!

Na minha pequenez perante tanta ambição, limito-me a ações mais modestas tais como mais uma apresentação do livro “Cidades e Resendes”, desta vez em Vila do Porto na ilha açoriana de Santa Maria – terra do meu antepassado João de Resende Costa -, e a implantação (em andamento) do portal de integração denominado Rede de Cidades Resendenses (RCR).  

SOBRE O BRASIL

Desejo ao presidente eleito, Sr Lula da Silva, muita clarividência para que trate em alto nível e com transparência a relação constitucional com o Congresso Nacional, que se tornou mais conservador nas últimas eleições, tendo sempre em conta os interesses maiores da nação. Espero que o novo governo priorize facilitar os investimentos em infraestrutura básica – que é o que beneficia a maior parte da população -; estimular a inovação tecnológica e promover a reciclagem/treinamento de mão-de-obra numa ação articulada com municípios e empresas; e intensificar ações voltadas à promoção da igualdade de oportunidades, como o fortalecimento da educação básica e média.

Também espero que o novo governo recupere o protagonismo do poder público na preservação da Amazônia – e na maximização dos benefícios que o país pode ganhar com projetos de desenvolvimento sustentáveis - e que adote um plano nacional de estímulo às energias renováveis (solar fotovoltaica, eólica etc.) e à criação do mercado nacional de carro elétrico por meio do incentivo ao seu consumo.

SOBRE A CRISE CLIMÁTICA

Tudo indica que o Acordo de Paris (2015) foi por água abaixo e a Terra ficou mais quente. A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27), no Egito, acontece sob o fracasso do Acordo de Paris que estabelecia limitar o aumento da temperatura média mundial em 1,5 °C em relação aos níveis anteriores à industrialização. Em palavras simples, os mesmos países que assinaram o Acordo de Paris sobre alterações climáticas falharam em cortar suas emissões de gases de efeito estufa em níveis suficientes para atingir os objetivos; na verdade, as emissões globais estão aumentando. O mundo já está cerca de 1,2°C mais quente do que era nos tempos pré-industriais, segundo a revista The Economist (05/11).

Com a pandemia e a guerra na Ucrânia, muitos países voltaram a produzir energia a partir do carvão e atrasaram a transição da matriz energética para fontes limpas e renováveis. Além disso, a proposta de criação do Fundo Climático, de US$ 100 bilhões, para ajudar os países mais pobres não saiu do papel, como lembrou o jornalista Celso Ming (O Estado de S. Paulo, 05/11). A questão das alterações climáticas é um problema mundial e, sendo assim, exige que todos os países trabalhem juntos no seu enfrentamento.

Recentemente, o Clube de Madri defendeu que se acelere a transição energética, ainda de acordo com Bolívar Lamounier. “É imperativo reduzir as emissões de gás em 43% até 2030, para viabilizar a neutralidade do carvão agregado até 2050. Isso imporá custos econômicos no curto prazo, mas o Fundo Monetário Internacional avalia que tais custos serão compensados por benefícios da desaceleração da mudança climática no longo prazo. Reduzir as emissões produzidas pelos maiores emissores é essencial para uma efetiva mitigação dos danos ambientais.”

 

“Centrão” amplia presença conservadora na Câmara dos Deputados

03 de Outubro de 2022, por José Venâncio de Resende 0

O “centrão”, com mais de 330 deputados (cerca de 65% do total), continuará como o grande protagonista do jogo político no Congresso Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, qualquer que seja o novo presidente eleito no segundo turno. Trata-se de uma estimativa pois não inclui pequenos partidos, como PSC (6 deputados), Solidariedade e Patriota (4 cada), PROS (3) e PTB (1).

A novidade desta eleição é que o Partido Liberal (PL), com 99 deputados, tornou-se a principal sigla da próxima legislatura, a menos que haja alguma fusão entre partidos deste grupo. Os outros integrantes do centrão são: União Brasil (59 deputados), PP (47), Republicanos, MDB e PSD (42 deputados cada); uma lista que poderá ser alargada para incluir outros partidos, dependendo da conveniência política.  

Os outros grupos partidários que vão compor o plenário da Câmara a partir de 2023 são: Federação Brasil Esperança, que apoia o candidato Luís Inácio Lula da Silva, com 79 deputados; Federação PSDB/Cidadania (18); PDT (17); PSB e Federação PSOL/Rede (14 deputados cada); Podemos (11); Avante (7) e outros partidos que completam as vagas da Câmara.

O termo “centrão” – agrupamento informal de partidos políticos de orientação conservadora (centro e centro-direita) que troca apoios ao governo por vantagens como emendas parlamentares, cargos públicos e outros tipos de clientelismo – surgiu na Assembleia Constituinte de 1987. O grupo era integrado pelos partidos PFL, PL, PDS, PDC, PTB e parte do antigo PMDB.

Na legislatura que se encerra no fim deste ano, o bloco alargado é formado por PP, PL, PSD, MDB, Republicanos, DEM, Solidariedade e PTB, somando mais de 200 deputados (cerca de 45% da Câmara dos Deputados). Mas costuma incluir partidos menores como PROS, PSC e Patriota.

PL

A grande novidade na atual eleição é a ascensão do PL, partido do presidente-candidato Jair Bolsonaro, que elegeu as maiores bancadas para a Câmara em São Paulo (21,68%), Minas Gerais (20,92%) e Rio de Janeiro (18,77%). O que poderá levar partidos como PP, Republicanos e União Brasil a se fundirem para superar o PL em tamanho e poder de barganha. 

Assim, o novo presidente da República terá pela frente duras negociações com lideranças experientes, as chamadas “raposas”, de um grupo ampliado do centrão, que terá o controle sobre cargos estratégicos da Câmara e grande influência, senão o domínio, na elaboração do orçamento e na aprovação de projetos de lei.

Senado

No Senado, que representa os Estados, o centrão reúne cerca de 50 parlamentares (mais de 60% do total), com destaque para o MDB (13), PSD (11) PP e União Brasil (8 cada), PL (7), PTB (2) e Republicanos (1). Eventuais membros deste grupo, PROS e PSC conquistaram respectivamente 2 e 1 cadeiras. 

Podemos (8 deputados), PT (7), PSDB (6), PDT (3), Cidadania, PSB e Rede (1 cada) complementam o novo plenário do Senado.  

Vertentes

Em Minas Gerais, o PL elegeu 11 deputados federais, puxado pelo campeão nacional de votos, o vereador Nikolas Ferreira (1.49 milhão de votos). Em 2º lugar, aparece o PT (10 deputados), seguido pelo Avante (5). 

Na microrregião das Vertentes, com sede em São João del-Rei, entre os mais votados estão Aécio Neves (PSDB), Dr. Frederico (Patriota), Diego Andrade (PSD), Domingos Sávio (PL) e Reginaldo Lopes (PT). 

 

Rota Lisboa (2, 2022): O encontro de dois impérios próximos do fim*

19 de Julho de 2022, por José Venâncio de Resende 0

“Os Europeus falam frequentemente sobre a alegada juventude dos países sul-americanos”, disse ele com grande tristeza na voz. “Nenhum deles percebe que somos irremediavelmente velhos. Somos mais velhos do que o mundo. Nada restou, ou pelo menos nada foi descoberto até agora que pertencesse aos que habitavam o continente há milhares de séculos. Há apenas uma coisa que há de ficar para sempre na América do Sul: o espírito de um ódio irrequieto. Vem da selva. Ataca-nos a mente. As ideias políticas de hoje estão ligadas às de ontem por nenhum outro elo que não o do perpétuo desejo de mudança. Nenhum governo consegue resistir porque a selva nos instiga a lutar. Neste momento, existe uma grande agitação em favor de um regime republicano. Pois bem, eles hão de o ter. Conheço demasiado bem o meu povo para tentar impor um derramamento de sangue desnecessário. Estou cansado. Os futuros presidentes que tentem manter a paz civil no Brasil.”

Este trecho faz parte do capítulo sete: “Um Grão-Duque por sua conta”, do livro Nós, Os Romanov – A história secreta de uma dinastia, de autoria do grão-duque Aleksandr Mikhailovich (editora Alma dos Livros, tradução de Francisco Silva Pereira, 1ª edição, Maio de 2021, Lisboa). Foi proferido durante uma conversa entre o Imperador D. Pedro II e o jovem grão-duque, subtenente da Marinha russa, primo e futuro genro do Czar Aleksandr III, em visita ao Brasil a bordo do navio Rynda em sua volta ao mundo. 

“Alguns anos depois, o Brasil tornou-se uma república”, escreveu o grão-duque. “D. Pedro fez o que tinha prometido: abdicou voluntária e alegremente, deixando os seus nervosos sú(b)ditos ligeiramente surpreendidos com a dece(p)cionante facilidade da vitória.”

Na Rússia, a “morte prematura de Aleksandr III (em 1894) antecipou o eclodir da revolução (comunista) em pelo menos 25 anos”, relatou seu primo, ao se referir ao sucessor, o inexperiente Nikolai II. “Essa afirmação certamente não será do agrado dos historiadores marxistas, mas não podemos esquecer que um trono é tão forte quanto o seu pilar mais fraco.”

Voltemos ao início da narrativa do autor sobre a sua passagem pelo Brasil. “Um porto que desafia as arrogantes pretensões de Sydney, São Francisco e Vancouver. Um imperador de barba branca que discute o triunfo iminente da democracia. Uma selva que conserva a atmosfera da primeira semana da Criação. Uma rapariga (moça) de cintura estreita a dançar ao som de La Paloma. Estas quatro imagens ficarão para sempre associadas na minha mente à palavra ´Brasil´.” O autor admite mesmo que “pagaria quase qualquer preço para viver mais uma vez a emoção de me sentir arrebatado pelo espetáculo do belo Rio”.

O grão-duque conta que foi instruído por São Petersburgo a fazer uma visita oficial ao Imperador D. Pedro do Brasil. Era janeiro e o monarca se encontrava na sua residência de verão em Petrópolis, no alto das montanhas, “e um antiquado funicular aos ziguezagues encosta acima constituía o único meio de transporte”. Durou três horas a “aventura” na selva, entre árvores gigantescas e adensamento de plantas, palmeiras, lianas e “outros colossos”, miríades em luta pela existência, papagaios que gritavam, cobras que se arrastavam, pássaros assustados, grandes borboletas que se aparentavam “felizes”. 
                
“Os meus companheiros – dois jovens tenentes do Rynda – benzeram-se quando, ao chegarmos ao topo da montanha, vimos o Sr. Ionin, o Embaixador da Rússia no Brasil. Por aquela altura, já começávamos a duvidar da existência de seres humanos naquele canto do mundo”, assim reagiu o grão-duque. 

O primo do Czar russo disse que gostou muito do Imperador brasileiro “e, uma vez que ele não estava com pressa, passamos mais de duas horas no seu escritório despretensioso e confortável, com grandes janelas que se abriam para um vasto jardim onde inúmeros colibris se atarefavam em busca da sua refeição da tarde. Falamos em francês”. 

“Quando estávamos prontos para partir – prossegue o grão-duque -, ele apôs-me no peito a cruz da Grande Ordem do Brasil. Apreciei a honra, mas admiti a preferência pela Ordem da Rosa, uma estrela de nove pontas numa coroa de rosas. Ele riu-se:

- A Ordem da Rosa é uma das nossas condecorações mais humildes. Praticamente todos a têm. 

“Mesmo assim. Adequava-se melhor à minha ideia do Brasil. Chegamos a um compromisso e aceitei ambas”, resumiu o grão-duque Aleksandr Mikhailovich.

O jovem grão-duque passou os cinco dias restantes da visita na “fazenda” de um comerciante de café russo casado com uma nativa muito abastada, segundo suas próprias palavras. “A mulher de nosso anfitrião tinha duas sobrinhas que viviam com ela na fazenda. Eram ambas jovens, altas, esguias, de cabelo escuro e cintura estreita. (…) Qualquer rapariga a dançar ao som de La Paloma tocada numa viola num jardim tropical iluminado por pirilampos teria parecido linda a um rapaz enregelado pela neblina de São Petersburgo. Sucumbi aos encantos da mais velha – voluntária e avidamente. Talvez ela tenha gostado de mim; talvez quisesse apurar como o Brasil afeta um grão-duque russo. Nada poderia ter sido mais inocente do que aquele romance adolescente de uma ternura acanhada.” 

Aos 63 anos, o grão-duque ainda recordava, com gratidão, aqueles serões de janeiro de 1887.

*Bastante oportuno, por ocasião das comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil