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A "diáspora" brasileira e a falta de visão estratégica do Estado

01 de Abril de 2017, por José Venâncio de Resende

Genebra, Suíça, de 20 a 22 de outubro de 2017

Uma das definições de diáspora no dicionário da Academia Brasileira de Letras é “dispersão de um povo pelo mundo”. Embora não haja propriamente uma “dispersão” no nosso caso, podemos extrapolar esta definição para abarcar os brasileiros que vivem em outros países, quer na América quer na Europa ou em outras partes do mundo. Em especial, as famílias de imigrantes organizadas com o propósito de preservar a cultura e a língua nacionais.

Neste sentido, é com grande expectativa que aguardamos o III Simpósio Europeu sobre o Ensino de Português como Língua de Herança (SEPOLH), que acontecerá no período de 20 a 22 de Outubro, em Genebra (Suíça). O evento será organizado pela Associação Raízes para a Língua e a Cultura Brasileira e pela Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), ambas sediadas naquele país. Os dois encontros anteriores ocorreram em Londres, Inglaterra (2013), e Munique, Alemanha (2015).

É também uma oportunidade para comentar, não necessariamente nesta ordem, (1) a importância crescente deste movimento na Europa e no mundo e (2) o descaso do governo brasileiro para com estas abnegadas famílias (em geral mães) de imigrantes, preocupadas em legar aos seus filhos “estrangeiros” nossas raízes.

Talvez a postura do governo brasileiro seja um reflexo de como nós, como nação, vemos os nossos emigrantes. Já ouvi várias vezes alguém dizer que muitos brasileiros deixam o país pra fazer trabalhos em outros países que não fariam aqui, como “limpar banheiros”.

Assim, vejo em boa parte de meus compatriotas um certo preconceito em relação aos brasileiros que partem para outras partes do mundo em busca de uma vida melhor. Eles são vistos muitas vezes como aqueles que “abandonam o barco” ou que “não gostam do Brasil” - em outras palavras, seriam antipatriotas.
Há que se ter cuidado com certos estereótipos. Tem-se hoje espalhados pelo mundo desde pessoas que não tiveram oportunidade de estudar no Brasil - e trabalham em atividades diversas como em táxi, construção civil, hotéis, restaurantes/lanchonetes e casas de família – como também pessoas com curso superior, inclusive pós-graduação (mestrado e doutorado), que atuam em áreas de educação, mercado financeiro e tecnologia da informação entre outros setores considerados “mais nobres”.

É importante notar que o perfil destes emigrantes tem mudado muito em anos recentes, embora muitos deles ainda continuem “aventurando-se” em busca de alguma oportunidade. Principalmente, em época de crise econômica e social como a que estamos vivendo deste lado do Oceano Atlântico, o fluxo de “aventureiros” aumenta consideravelmente. É importante ressaltar, muitos deles acabam por vencer, depois de “comer o pão que o diabo amassou”, e estruturar uma família, criar novos laços de amizade e fazer um “pé de meia” para o futuro.

Coordenação

Percebe-se de um lado a falta de conhecimento/informação sobre o movimento organizado e voluntário das famílias de imigrantes, principalmente na Europa, e, de outro, a falta de visão estratégica por parte do governo brasileiro sobre os mecanismos de difusão da língua e da cultura nacionais. Acrescente-se a isto a total ausência de coordenação neste aspecto entre ministérios afins como os de Relações Exteriores, de Educação e de Cultura.

No caso específico das famílias de imigrantes, tenho presenciado o grande esforço dos pais, não apenas para manter uma estrutura mínima de organização (associações) que permita realizar atividades diversas (aulas de português para os filhos, festas e eventos comemorativos de datas importantes, criação de bibliotecas em português, encontros/workshops de reciclagem e formação de pais e professores etc.) como também buscar estreitar as relações com embaixadas e consulados para sensibilizá-los sobre a importância destas ações.

Tenho testemunhado as dificuldades que estas famílias organizadas enfrentam nas relações com o governo brasileiro. A colaboração de embaixadas, por exemplo, só ocorre quando existe algum embaixador ou funcionário do corpo diplomático que conhece e reconhece o trabalho destas famílias.

Uma das maiores dificuldades tem sido conseguir livros didáticos e paradidáticos do MEC e, quando se consegue, em geral apoio na entrega destes livros. É comum ver mães e professoras imigrantes, ao visitar o Brasil, ou mesmo seus parentes, levar livros na própria bagagem. Outra dificuldade é a falta de apoio das embaixadas na realização de contatos com governos municipais/regionais para se conseguir, por exemplo, um local para a realização de workshop, encontros ou quaisquer outros eventos.

O que falta, principalmente, é esta visão estratégica de nação que implique uma política de cooperação do Brasil com outros países - e com a sua própria “diáspora” - focada na difusão de nossa língua e nossa cultura (literatura, artes, folclore etc.). Tem-se conseguido, aqui e acolá, bons resultados fruto basicamente de esforços isolados como o dessas famílias de imigrantes.

É o caso recente da conquista dos “Brasileirinhos no Tirol”, Áustria, liderada por Julliane Rüdisser, que passam a ter direito de receber educação formal na língua de herança. Foram mais de dois anos de luta. “Precisei escrever uma tese, precisei formar uma comunidade, precisei comprar briga, precisei aprender a não desistir quando a resposta foi não, precisei aprender a exercitar a diplomacia, precisei aprender a não deixar de acreditar e a confiar”, resume Julliane.

Em resumo, falta uma instituição no Estado brasileiro que coordene as ações dos vários setores dos governos, nos três níveis da Federação, para fortalecer a ação do país no exterior na área de difusão da cultura e da língua, bem como o espírito estendido de nação. Portugal tem o Instituto Camões, a Alemanha tem o Instituto Goethe, a Espanha tem o Instituto Cervantes e, mais recentemente, a China criou o Instituto Confúcio. E nós? Que tal o “Instituto Machado de Assis”?

LINK RELACIONADO:

https://www.jornaldaslajes.com.br/integra/cresce-na-europa-movimento-de-maes-imigrantes-pelo-portugues-e-a-cultura-brasileira-/1745/

 

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