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Em tempos de populistas, autocratas, "democracia iliberal"...

03 de Julho de 2018, por José Venâncio de Resende

Refugiados acirram divergências políticas (foto: nacoesunidas.org).

É improvável que aconteça no Brasil, nas próximas eleições, o que ocorreu na França nas eleições de 2017. Emannuel Macron, ex-ministro da Economia do impopular governo socialista de François Hollande, foi eleito presidente e conseguiu formar maioria na Assembleia da República (equivalente ao Congresso Nacional) por um novo partido, o República em Marcha (LREM). Macron, porém, é uma ave rara num mundo cada vez mais extremado pela presença de líderes populistas ou autocratas, que, nesses tempos sombrios, florescem por toda parte.

A democracia liberal – com governo livremente eleito e que respeita os direitos individuais e de minoria, a norma lei e as instituições independentes – está perdendo terreno, segundo mostra reportagem recente (16 de junho) da revista The Economist. Em muitos países, está surgindo o que o primeiro ministro da Hungria, Viktor Orban, denominou de “democracia iliberal”. Ou seja, os eleitores estão escolhendo líderes que não respeitam, e estão mesmo gradualmente minando, estas regras. A Hungria alia-se a outros países do leste europeu, como Polônia, República Checa e Eslováquia, no atropelo aos princípios democráticos.

Há ainda casos em que o sistema de “checks and balances” (freios e contrapesos) tem sido bastante danificado pela presença de líderes autocratas, o que facilita a neutralização da democracia em si. Isto pode ocorrer pela anulação da oposição, pela submissão dos poderes Legislativo e Judiciário e pelo sufocamento da imprensa. São exemplos a Rússia de Putin, a Turquia de Erdogan ou a Venezuela de Maduro.

As democracias maduras, mesmo passando por uma fase de turbulências, seguem o seu curso. Casos, por exemplo, das democracias britânica e italiana, que não estão propriamente ameaçadas embora sofram transtornos com a atuação agressiva de populistas (de esquerda e de direita). No Reino Unido, os extremistas da direita conservadora levaram o país a uma profunda divisão com a vitória do Brexit (defensores da saída da União Europeia) e o risco inclusive de isolamento dos britânicos em relação ao continente europeu. Na Itália, dois partidos extremistas – a Liga Norte (direita) e o Movimento 5 Estrelas, M5S (esquerda) -, venceram a eleição e formaram um governo de coalisão, com propostas polêmicas de saída do euro e de fechamento das fronteiras aos refugiados/migrantes.

O fato é que, na Europa atual, uma questão torna-se cada vez mais um ponto de convergência entre as lideranças populistas-extremistas do leste europeu e do sul da Europa, mais especificamente a Itália. Trata-se da rejeição xenófoba à entrada de imigrantes e refugiados, sobretudo dos países africanos. Essa intolerância contra imigrantes e refugiados caminha perigosamente para arrastar a crise para o coração da Europa, aprofundando as divergências entre partidos principalmente em países como a Alemanha de Ângela Merkel. 

O que dizer dos Estados Unidos? Mesmo com o desprezo a normas democráticas por parte do presidente Donald Trump, o sistema de freios e contrapesos não sofre profundos abalos. Tampouco o seu vizinho, México, que acaba de eleger um presidente de esquerda, o populista Andrés Manuel López Obrador, desbancando assim o tradicional PRI (Partido Revolucionário Institucional), parece representar maiores preocupações. Por sua vez, outra democracia estável nas Américas, a da Colômbia, elegeu recentemente um novo presidente, o direitista Iván Duque.

Já a nova potência China é vista como um caso à parte. Com um período de distenção depois da morte de Mao Tsé Tung, liderado por Deng Xiaoping, verifica-se agora uma reversão com a reconcentração do poder em Xi Jinping.

Assim, a verdadeira ameaça está mesmo em democracias menos maduras, onde as instituições são mais frágeis e as práticas democráticas pouco toleradas.

E o Brasil?

Tão logo termine a sua participação na copa do mundo, o Brasil começa a contagem regressiva rumo às próximas eleições no pior dos mundos. Um país onde os políticos estão desacreditados; o setor público (em várias unidades federativas) está quebrado; os cidadãos estão cada vez mais inseguros; a economia vive de altos e baixos (mais recuos do que avanços); o descompasso entre o elevado desemprego e a mão de obra despreparada (para uma economia globalizada) é gritante; o sistema público de saúde está em cacarecos…

Pior, as perspectivas não são nada animadoras. Sobretudo porque nosso modelo político é disfuncional. O sistema bicameral (Câmara e Senado) e o voto proporcional são uma aberração na medida em que não representam verdadeiramente o cidadão; a proliferação de “partidos de aluguel” dificulta a formação de maioria no Congresso, deixando o presidente refém das negociatas a “peso de ouro” e dos grupos de interesse; os caciques políticos controlam a agenda e os recursos partidários, dificultando a renovação… estes e outros são fatores impeditivos a qualquer mudança significativa, tão necessária às próximas décadas.

Acrescente-se a insegurança jurídica gerada pela militância e pelo partidarismo do Judiciário,  que deixa em aberto o quadro eleitoral, o futuro é incerto e a perspectiva angustiante.

 

 

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