Opinião

O PL DAS FAKE NEWS, QUE TRAMITA NO CONGRESSO, É CENSURA?

06 de Maio de 2023, por Fernando Chaves 0

O PL (Projeto de Lei) 2630 trata da regulamentação das redes sociais e ganhou centralidade no debate público nos últimos dias. Os defensores do PL afirmam que ele é necessário para garantir um ambiente de debate mais saudável e menos afetado pela desinformação e pelas fake news. Os opositores afirmam que o PL é uma prática de censura e que vai piorar a internet. O principal argumento contrário ao PL é fundamentado num relativismo radical, que afirma ser necessário permitir todo o tipo de conteúdo político nas redes, pois não seria possível separar verdade de mentira, sem o viés ideológico da interpretação.

É preciso, no entanto, deixar claro que o foco da proposta de regulamentação não está em nós cidadãos que atuamos nas redes de modo individual e espontâneo. O PL, na verdade, busca regulamentar ações profissionalizadas, automatizadas e irresponsáveis. Para tanto, o PL proíbe contas falsas e robôs, permite melhor identificação dos responsáveis por conteúdos criminosos, impede o disparo massivo de mensagens por aplicativos. Quanto à censura, o PL na verdade reduz o poder de megaempresas como o Facebook censurarem conteúdos (obrigando a justificar a ação e apresentando meios de apelar da decisão). Por essa ótica, o PL não é uma ameaça à liberdade de expressão. Na realidade, o projeto busca colocar regras para a atuação das big techs, as grandes empresas de tecnologias responsáveis pelas redes sociais.

A posição das big techs, naturalmente, tem sido contrária ao PL. Vimos isso claramente nos últimos dias em campanhas de publicidade do Google. Essas empresas bilionárias querem responsabilidade zero pelo que propagam mundo a fora. Não querem gastar com mecanismos de filtros de conteúdo irresponsáveis e às vezes criminosos. As big techs sabem que a desinformação, as fake news e o discurso de ódio muitas vezes movimentam suas redes, gerando engajamento e produzindo mais lucros.  

Como aponta o professor e pesquisador da UNB, Luís Felipe Miguel, as big techs não querem ser tratadas pelo que de fato são: empresas de comunicação, não apenas de tecnologia. É o conteúdo – que nós produzimos de graça para elas – que atrai os usuários. Então, tais empresas devem assumir as responsabilidades próprias de empresas de comunicação. Os algoritmos das redes sociais (fórmulas matemáticas que determinam se uma postagem terá mais ou menos alcance e para quem ela será mostrada) precisam ser fiscalizados. Em resumo, o PL propõe reduzir o poder praticamente irrestrito que as big techs têm hoje. Segundo o professor Luís Felipe Miguel, o medo das empresas é que seja seguido o exemplo da União Europeia, onde o poder público está enfrentando as big techs.

Na Europa, a partir do segundo semestre, as  megacorporações digitais estarão submetidas a regras rígidas, como: fiscalização dos algoritmos por especialistas; proibição de publicidade direcionada a crianças; informação aos usuários sobre quem está promovendo cada anúncio; proibição de que anúncios se baseiem em dados como etnia, religião e orientação sexual; garantia maior de privacidade, segurança e proteção de menores; possibilidade de que usuários optem por não participar dos sistemas de recomendação das redes sociais.

Há críticos do PL 2630 que argumentam que o Estado brasileiro não possui um histórico de respeito às liberdades democráticas e que nossas instituições públicas não teriam a autoridade ou a credibilidade suficiente para desempenhar o papel de mediação, verificação e regulamentação do ambiente das redes sociais. Certamente esse é um ponto que precisa ser considerado. Porém, mesmo com as deficiências e imperfeições da atuação dos órgãos públicos como agentes reguladores, a necessidade da regulação da internet se impõe diante do cenário atual em que as big techs gozam de um poder quase irrestrito. É preciso garantir que outros agentes (estado e sociedade) possam participar democraticamente da configuração de um ambiente digital mais saudável. Por isso é necessário que a regulamentação não opere estritamente no âmbito estatal, mas garanta a existência de órgãos públicos de mediação e regulamentação permeáveis à fiscalização e à participação da sociedade civil.

É possível, sim, colocar alguma ordem no ambiente digital e proteger minimamente a sociedade da desinformação e da incitação ao ódio. As grandes empresas e os opositores ao PL tentam dizer que não é possível regulamentar e que o projeto se trata de censura. Mas não. Nós estamos lidando com megaempresas tão lucrativas que elas podem, sim, arcar com os custos de uma gestão mais responsável dos conteúdos. O PL, então, é uma forma de proteger nossas crianças, nossa democracia e nosso direito de acesso à informação de qualidade. A esfera pública (digital ou não) precisa de regras e não pode ser dominada por megaorganizações privadas que atuam visando exclusivamente aos seus próprios interesses.

*Jornalista, mestre em Comunicação Social pela UFJF.

As novas tecnologias e as profissões: o futuro do jornalismo

19 de Fevereiro de 2020, por Fernando Chaves 1

Assistimos, nas últimas décadas, à expansão do acesso à internet por meio dos chamados dispositivos móveis e à consolidação da web 2.0 com as novas mídias sociais, os aplicativos digitais e uma onda de novas tecnologias da comunicação. Por um lado, mais entretenimento, acesso à informação e ao conhecimento, uma explosão de conteúdos gerados descentralizadamente. Por outro, uma transformação radical de hábitos e da cultura, com a midiatização das relações cotidianas e mudanças essenciais no mercado de trabalho para diversas áreas e campos profissionais. 

A cultura se transforma, o mercado também muda. Somos, geralmente, levados a cultuar o avanço tecnológico, ícone da dominação da natureza pelo homem. De fato, o desenvolvimento da técnica proporciona conforto, segurança e vida mais aprazível para o homem ao longo de séculos. É fácil ser entusiasta das novidades tecnológicas. Mas as transformações abruptas da cultura, dos hábitos e costumes sociais, das identidades profissionais, de padrões econômicos e de consumo são transições árduas para uma sociedade, para alguns segmentos e gerações em especial.

Diversas profissões são tensionadas atualmente pelas novas tecnologias de comunicação e passam por uma revisão rápida de paradigmas, modelos e padrões de produção, de venda, de consumo e de acesso à informação. As novas relações humanas midiatizadas, estabelecidas à distância, automatizadas, mediadas pela inteligência artificial têm forçado a adaptação de várias áreas do mercado profissional.

 

“O jornalista contemporâneo deve assumir uma função crescentemente interpretativa, opinativa e investigativa”

O jornalismo tradicional vive uma crise em razão das novas mídias digitais e do surgimento de um novo regime de visibilidade dos fatos sociais. O jornalista antes exercia a função de mediador social e as mídias tradicionais funcionavam como um palco, onde era gerida e administrada a visibilidade pública dos diversos temas e atores sociais. Com a emergência das novas mídias digitais, houve uma mudança no regime de gestão da visibilidade na esfera pública e as mídias convencionais perderam espaço.

No campo da política, por exemplo, o atual presidente da república, Jair Bolsonaro, se elegeu quebrando os paradigmas anteriores da disputa presidencial, ao adotar um regime de visibilidade que prescindiu dos veículos de comunicação tradicionais e que estabeleceu um contato direto com os seus eleitores via dispositivos móveis e aplicativos de mensagem individual, sem a mediação dos veículos tradicionais como a TV. Aconselhada por Steve Bannon, um dos mentores da comunicação política de Donald Trump, a campanha de Bolsonaro se apropriou bem das linguagens e dispositivos de comunicação das novas mídias digitais.

Portador de um discurso de ruptura e de pretenso porta-voz de uma “nova política”, o presidente tem atacado seus opositores com veemência. É o que tem feito com a classe jornalística. Em um dos vários episódios de conflito com a imprensa, Bolsonaro mencionou em resposta aos repórteres que “os jornalistas são uma classe em extinção”.

A fala do presidente suscitou a discussão sobre o futuro da profissão jornalística. Certamente, o jornalismo passará por uma reformulação profunda, mas extinção jamais. Uma das mudanças em curso está na própria função do jornalista, que é cada vez menos a de noticiar, de trazer as novidades à tona, de dar o furo de reportagem, de exercer a gestão da visibilidade pública. Essa função informativa de dar as notícias ou de prover a visibilidade dos fatos agora ocorre de forma mais descentralizada. Os cidadãos em geral trazem os fatos e as notícias a público por meio das novas mídias sociais.

O jornalista contemporâneo deve assumir uma função crescentemente interpretativa, opinativa e investigativa. Deve ajudar o cidadão a interpretar melhor a avalanche de fatos e informações a que as novas mídias nos submetem, deve auxiliar a audiência na separação do joio e do trigo, ajudando a diferenciar o que tem lastro e veracidade daquilo que é fake. Deve lidar de forma ética e profissional com a gestão de dados institucionais, com o vazamento de dados públicos, zelando pela transparência pública, pelo direito de acesso do cidadão às informações de interesse público, resguardados os direitos de privacidade e sigilo da fonte.

Eis alguns aspectos relevantes do futuro jornalístico. Afinal, apesar das severas transformações que as novas tecnologias provocam nos diversos campos profissionais, e apesar dos palpites do presidente Jair Bolsonaro, muito dificilmente o papel social e a relevância democrática da atuação profissional do jornalista serão extintos, mas sim reconfigurados.