Contemplando as Palavras

O uso de citações

28 de Fevereiro de 2024, por Regina Coelho 0

em excelente entrevista publicada na edição de 31 de maio de 2023 de Veja, nas suas tradicionais Páginas Amarelas, espaço nobre do semanário, o consagrado escritor moçambicano Mia Couto foi lembrado pela repórter da revista, no transcorrer da conversa, que certa vez o escritor Umberto Eco (1932-2016) disse que as redes sociais deram voz aos imbecis. Instado pela entrevistadora a responder se concordava com o colega italiano, Couto foi mais comedido. Nem por isso deixou de se posicionar. Entre outras considerações, afirmou que na era da internet percebe que muitas pessoas só leem frases soltas dos livros nas redes. E lhe dizem ter adorado aquela sua frase, que é apenas o fragmento de uma obra muito maior, e ela é ignorada. “Os escritores viraram frasistas”, lamenta ele.

Imagino que Mia Couto nada tenha contra os frasistas, aquelas pessoas que se destacam por expressar com propriedade única ideias sobre política, pessoas, costumes, relacionamentos, enfim, ideias sobre a vida por meio de frases lapidares. Isso acontece em situações diversas. Ser letrado(a) não é necessariamente condição para que alguém produza uma frase marcante. Trata-se de um talento natural e verbal, mas daí a ver alguém desconhecer ou desconsiderar uma obra literária em si e reduzi-la a meras frases descontextualizadas, exaustivamente exploradas principalmente pelos internautas de plantão, é pra lamentar mesmo.

   Sobre essa questão, no entanto, a gente vai e volta porque, para além da larga utilização (pelos usuários assíduos das tais redes sociais) desses fragmentos de textos extraídos não se sabe de onde exatamente e transformados em mensagens, existe a possibilidade interessante do uso de uma citação. Na verdade, citar o que foi dito/escrito por alguém, famoso ou não, para ratificar como ponto de apoio a exposição de nossas opiniões não é demérito para ninguém. Muito pelo contrário. Ao mencionar e usar como argumento de sustentação um pensamento alheio vindo principalmente de gente cuja fala tem peso, como a de especialistas no assunto tratado, estamos legitimando também nossa própria opinião. Vale dizer também que esse recurso linguístico costuma ser empregado para refutar, questionar a argumentação do que foi afirmado.

De um jeito ou de outro, seja para reafirmar ou rebater um ponto de vista, não devemos é pecar pelo excesso de citações nos textos que produzimos, pois com isso podemos revelar insegurança pessoal ou afetação na tentativa de demonstrar erudição.

Um outro problema é o crédito equivocado dado a elas. No ano passado, ganhou repercussão nacional esta “pérola”: “Como diz O Pequeno Príncipe, os fins justificam os meios”. Quem disse isso foi Hery Kattwinkel, advogado de um dos réus condenados pelos deprimentes episódios de 8 de janeiro (2023) em Brasília, confundindo a obra do francês Antoine de Saint-Exupéry com O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Detalhe: nem mesmo Maquiavel escreveu a tal frase. Ela é atribuída ao poeta romano Ovídio. Aliás, usar o verbo atribuir quando não se sabe com certeza a autoria do que foi escrito (em sentido mais amplo, o que foi feito) por outro(a) é uma boa saída. Sobre essa questão toda, nessa e em outras áreas, esse assunto renderia um outro artigo.

Considerando os autores de língua portuguesa, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Cora Coralina, Clarice Lispector, Drummond e o educador Paulo Freire são, entre outros, alguns dos mais citados pelos falantes. Às vezes, equivocadamente, em relação ao que, de fato, teriam (ou não) escrito. Por vezes, citados textualmente, ao pé da letra. Ou por meio de paráfrases, em que são mantidas no novo texto as ideias do texto original, um tipo de intertextualidade entre os dois.

Voltando às citações propriamente ditas, confesso a vocês que sou chegada a usá-las. Com moderação e pertinência, é claro. Gosto de me cercar das boas companhias, também nos meus escritos. Aprendo muito com elas sem deixar de ter minhas convicções pessoais.

Inspiração

25 de Janeiro de 2024, por Regina Coelho 0

“Quem tem fome tem pressa”. de mãos dadas com o bispo paulista Dom Mauro Morelli, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1935 - 1997), criou a frase que serviria de slogan da seminal Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria pela Vida, criada nos anos 1980. O movimento, bonito e fundamental, ajudou, se não a resolver, ao menos a iluminar um problema trágico do Brasil, o da insegurança alimentar, que ainda hoje é uma sombra incômoda. Morelli desde a juventude, logo depois de se formar em filosofia e teologia, se dedicou ao tema, tão próximo dos fiéis que o buscavam na diocese de São Paulo, no início dos anos 1970, como bispo auxiliar de Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016).

   A partir de suas experiências, Morelli ajudou a criar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional durante o governo Itamar Franco (1993-1994) e o Fome Zero do primeiro mandato de Lula. Em maio de 1981, foi nomeado como o primeiro bispo da então criada Diocese de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ele morreu em 9 de outubro (2023), aos 88 anos, em Belo Horizonte.

(Seção “Datas”, Veja, 13 de outubro de 2023)

 

Ativista dos direitos humanos, Betinho morreu antes. Mineiro de Bocaiúva, desde a infância teve a saúde frágil. Hemofílico como seus irmãos Henfil (cartunista) e Chico Mário (músico), ele tinha de se submeter frequentemente a transfusões de sangue em razão da hemofilia, uma condição hereditária que se caracteriza por hemorragias precoces, abundantes e prolongadas. Formado em Sociologia e Política de Administração Pública pela UFMG, ergueu a bandeira da transformação social voltada para o sentido do coletivo e da congregação. Após o golpe militar de 1964, atuou em organizações de combate ao regime político recém-implantado na época por aqui, motivo pelo qual foi exilado, indo morar primeiramente no Chile e depois, no Canadá e no México. Foram sete anos na clandestinidade e oito no exílio. Em 1979, com a anistia política, Betinho retornou ao Brasil.

Mencionar esse momento é lembrar a belíssima música O bêbado e o equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, composta um ano antes e eternizada na voz de Elis Regina. A respeito dessa composição, João Bosco conta que, inicialmente, a ideia era fazer uma homenagem a Charles Chaplin, que havia morrido pouco tempo antes, no Natal de 1977. Mas seu parceiro musical lhe sugeriu, por conta do período sombrio de repressão que ainda se vivia no país, que fosse criado na letra um personagem chapliniano falando, através de metáforas, da condição dos mortos, torturados e exilados pela ditadura. A menção ao Brasil “que sonha com a volta do irmão do Henfil,/ com tanta gente que partiu/ num rabo de foguete” representou o anseio pela abertura política, mais tarde referendada pela lei que concedeu anistia aos perseguidos políticos e abriu caminho para o retorno da democracia brasileira.

Sonho de tantos concretizado com o retorno de Betinho e muitos outros anistiados à “nossa pátria, mãe gentil”, o cidadão Herbert de Souza voltou à luta, dessa vez engajado em várias e diferentes frentes de trabalho voltadas para a sociedade e promovendo uma verdadeira mobilização nacional em favor do seu projeto contra a fome e a miséria. O que ainda hoje é uma situação dramática vivida por milhões de brasileiros, é verdade, mas com a atenção já despertada lá atrás por gente como Betinho e Dom Mauro, para o seu enfrentamento.

Sobre os filhos de dona Maria (famosa pelas “Cartas da Mãe”, de Henfil) aqui nominados, as histórias são parecidas. Tendo driblado a morte por muito tempo e cada um obtido reconhecimento profissional e respeito também pela profunda preocupação social demonstrada em seus respectivos trabalhos, os irmãos hemofílicos acabaram contraindo o HIV em transfusões que não foram bem-sucedidas e sucumbiram. Fica a inspiração. Inspiração para as essenciais causas coletivas e para os nossos acalentados projetos pessoais.

E uma dica, a (re)visitação à vida e obra desses três irmãos de sangue na dor e no amor.

Papai Noel

20 de Dezembro de 2023, por Regina Coelho 0

é inevitável. Falar em Natal é recorrer automaticamente à imagem do Papai Noel, uma das representações mais emblemáticas da festa em que, de acordo com os preceitos do cristianismo, comemora-se o nascimento de Jesus. O aniversariante é o Deus-Menino, mas quem tem ruidosa e onipresente participação nos festejos de todo final de ano é ele, o Bom Velhinho.

Sabe-se, sob o ponto de vista cristão, que a origem desse personagem está intimamente ligada à figura de São Nicolau de Mira, um bispo nascido na Turquia em 280 d.C. que ajudava as pessoas carentes. O que se conta, entre outras coisas, é que esse santo deixava moedas perto das chaminés das casas dos menos favorecidos durante a noite. A descrição física que se tem dele é a de um homem idoso, com roupas vermelhas e uma grande barba branca, praticamente um protótipo do Papai Noel de hoje, também pela generosidade.

Quanto à ficcional criatura desenhada originalmente pelo cartunista Thomas Nast em 1862, ela nem sempre foi assim. Até 1931, o queridinho das crianças era descrito como um homem alto e magro, ou até mesmo como um duende de aparência assustadora, com uma batina de bispo e uma pele de animal de caça. Transformações visuais efetuadas ao longo dos anos à parte, inclusive com a substituição desse traje pelo agora tradicionalíssimo casaco vermelho, credita-se às campanhas publicitárias de Natal da Coca-Cola nas décadas de 1920 e 1930 e atreladas à figura de Papai Noel a consolidação desse “garoto propaganda”, literalmente também de peso, tal qual o vemos já há bastante tempo.

Para muito além da sua simples configuração humana, há um aspecto relevante envolvendo a relação das crianças com esse senhorzinho boa gente, risonho e bonachão. Na infância, até por incentivo dos pais e, sem dúvida, por influência direta da sociedade de consumo como um todo, os pequenos são levados a acreditar na existência real do Papai. Segundo especialistas do comportamento humano, a crença em mitos é saudável até perto da pré-adolescência, uma vez que o faz de conta é um artifício positivo para o desenvolvimento das crianças. E não se deve abreviar esse caminho desfazendo as fantasias naturais do mundo infantil. Por outro lado, advertem que fantasia tem limite, pois a criança não pode ficar fechada o tempo todo em seu mundinho imaginário. E aí? Eis a questão.

Li, faz uns poucos anos, uma matéria a respeito de uma pesquisa na qual se analisou o relato de cerca de quatro mil pessoas, em diversos países, sobre o momento em que descobriram que o morador do Polo Norte, seus trenós e suas renas não passam de uma lenda. De acordo com o autor do projeto, Chris Boyle (psicólogo britânico), 15% dos entrevistados admitiram ter sentido raiva diante da descoberta. E três em cada dez participantes do estudo disseram que à época da revelação passaram a confiar menos nos adultos.

“Recebi histórias muito interessantes sobre meninos que perceberam que Papai Noel não existia ao ver que sua caligrafia é a mesma de seu pai ou da mãe. Também há meninos que perguntam como um homem gordo pode descer pela chaminé ou por que um estranho pode entrar em casa. Além disso, os pais não são capazes de dizer por que as crianças ricas recebem presentes melhores do que as pobres”, comentou Boyle, cujo estudo revela ainda que, em média, crianças perdem a fé nesse senhor em forma de bondade aos oito anos.

De qualquer maneira, tão acostumados à aguardada chegada do Papai Noel com seu enorme saco de presentes para a criançada, em especial e a cada Natal, permitamos que ele se faça presente entre todos, vá lá, como uma brincadeira saudável e, de fato e acima de tudo, como um símbolo dos indispensáveis propósitos de alegria e solidariedade que devem nortear a nossa vida.

Fabular é preciso, mas há beleza real no entorno das nossas fantasias. E, se viver é mesmo melhor do que sonhar, como diz o poeta, saibamos enxergá-la por aí.

Desejo aos leitores do Jornal das Lajes um Natal de paz.

Coragem extrema

22 de Novembro de 2023, por Regina Coelho 0

Guerras são cenários tão devastadores para os soldados, os que estão na linha de frente, quanto para os civis, as vítimas em potencial expostas forçadamente a toda forma de violência. Para os jornalistas presentes no local dos conflitos a situação é de medo, o que é compreensível. E de enfrentamento também.

No passado, entre os profissionais brasileiros que foram à luta, fazendo seu trabalho em circunstâncias de grave excepcionalidade, José Hamílton Ribeiro (1935) e Joel Silveira (1918-2007) são nomes de referência. Zé Hamílton, que mora hoje numa fazenda em Uberaba, perdeu a perna esquerda na explosão de uma mina terrestre quando fazia a cobertura da Guerra do Vietnã (1968) para a revista Realidade (1966-1976). Silveira, aos 26 anos, como enviado especial pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, cobriu a Segunda Guerra Mundial junto à F.E.B. (Força Expedicionária Brasileira) na Itália.

Hoje, mesmo quando se acompanha o noticiário sobre os confrontos armados pelo mundo praticamente em tempo real, não é possível calcular o grau de perigo a que estão expostos, no epicentro dos acontecimentos, os responsáveis pela produção das matérias que chegam até nós. Mas eles estão lá numa força-tarefa de profissionais que se arriscam no cumprimento do ofício,

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas deu visibilidade popular à jornalista Paola De Orte, correspondente brasileira no Oriente Médio do Grupo Globo. Já trabalhando sozinha para a Globo News e o jornal O Globo, a partir de Tel Aviv (capital israelense), com os ataques terroristas de 7 de outubro último e seus desdobramentos, Paola, jovem rosto novo da TV aberta global, alcança agora grande projeção pela competência e coragem no exercício de suas funções.

Outro profissional que vem se destacando há um bom tempo, especificamente em trabalhos envolvendo guerras, é Gabriel Chaim. Fotógrafo e cinegrafista independente, o paraense Chaim é especializado em registrar áreas de conflito. Faz trabalhos frequentes para a CNN, Spiegel TV (alemã) e Globo e já recebeu prêmios internacionais importantes, além de indicação ao Emmy. Numa entrevista à rede de notícias americana CNN, referindo-se à cobertura que fez das lutas no país do ditador sírio Bashar Al-Assad, disse achar importante que as pessoas conheçam a história da Síria: “Eu não desejo que ninguém veja o que eu vi, mas, por outro lado, as pessoas devem parar de pensar em si mesmas e de olhar a vida apenas através de sua própria experiência. O mundo não é tão bonito quanto queremos acreditar”. Para quem esteve ainda na Ucrânia e chegou antes do avanço dos militares russos sobre o território ucraniano, seu trabalho é uma missão, um significado importante que quis dar à própria vida.

Mais do que destacar a observância do dever profissional dos que se posicionam no front, consequentemente agindo em condições totalmente adversas e considerando aqui a atuação corajosa dos repórteres, é preciso destacar sobretudo a observância do dever humanitário dos que se posicionam em outras zonas conflituosas e/ou atingidas por tragédias naturais e agindo nas mesmas condições, considerando aqui e agora o grande contingente dos voluntários. É inevitável dizer que as causas que abraçam são absolutamente necessárias. Assim entendem eles e por isso podem ser capazes de ir aonde qualquer forma de ajuda é essencial.

Milton Steinman é alguém com esse perfil. Cirurgião-geral no paulistano Hospital Israelita Albert Einstein, o brasileiro é especialista no atendimento a vítimas de situações extremas. Steinman viajou para o Haiti em 2010 após o terremoto que destruiu o país. Na Ucrânia em guerra, passou quinze dias numa cidadezinha onde foi montado um hospital de companha. Entre atendimento e treinamento de outros médicos, ele, por várias vezes ao dia, e os demais desceram aos bunkers (abrigos subterrâneos) por causa dos riscos. “Ser médico de desastres é um chamado”, assim define Miltona motivação para propósito tão desafiador.

Para ele e outros tantos, o que fazem é de valer a pena o risco que correm nesses campos de batalha.

Viva Fernando!

25 de Outubro de 2023, por Regina Coelho 0

“no mundo da literatura, desembarquei desde que me entendo por gente. Ainda menino, descobri que tinha vocação para mentiroso. Contando para os amigos uma história lida ou um filme visto, começava a inventar, alterando o final, acrescentando personagens e episódios, enriquecendo o enredo. Em suma, ajudando o autor.

(...) Desde criança eu já achava que a verdade está muito além da realidade. Para mim, nossos sentidos eram fracos e deficientes, de pouco alcance: a vista devia enxergar mil quilômetros e ver através das paredes, o ouvido devia ouvir além da barreira do som.

Como acontece com o menino no espelho do romance que publiquei em 1982, e que reflete a experiência da minha infância. Adotei nele um critério inverso ao usual: em geral se escreve um romance com elementos da realidade como se fosse ficção. Fiz o contrário: usei a ficção como se fosse realidade, usei todas as minhas fantasias infantis como se tivesse vivido tudo aquilo realmente. É o meu nome, o nome dos meus irmãos, do meu pai, o endereço da casa onde nasci. Todo o enquadramento é pessoal, autobiográfico.

Conto como fiquei invisível quando era menino, como aprendi a voar, como conheci o Tarzã, como derrotei o valentão do colégio, como enfrentei uma onça, como fui campeão de futebol. Um dia encontrei na rua uma senhora que me disse: ‘Você andou exagerando um pouco...’. Inventei tudo isso para descobrir que, no fundo, sou ainda aquele menino.”

o mentiroso em questão é Fernando Sabino, “o menino no espelho” da obra homônima, uma autoficção, a fusão de duas formas de escrita que, em princípio, são consideradas opostas: a autobiografia e a ficção. No específico exemplo, é a história da infância do autor, vivida em Belo Horizonte, intercalada com as tais passagens ficcionais citadas anteriormente.

Fernando Tavares Sabino (1923-2004) estreou na literatura aos 13 anos, com uma história de ação, texto publicado por uma revista da Polícia Mineira chamada Argus. Aos 18, com a ajuda do já consagrado escritor Marques Rebelo (1907-1973), um dos primeiros com quem começou a conviver, lançou seu primeiro livro, Os grilos não cantam mais, cuja edição, de mil exemplares, ele pagou com a parte a que teve direito na venda de um lote feita pelo pai.

O jovem escritor enviou um exemplar a Mário de Andrade (1893-1945), àquela altura, também um nome de prestígio na cena literária nacional, e que acusou o recebimento do livro através de uma carta datada em 10/1/1942 endereçada ao aprendiz e na qual, chamando-o pelo nome completo, de imediato, lhe faz a seguinte ressalva: “Se você quiser continuar sendo escritor, antes de mais nada tem que encurtar o nome. Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino”. Avaliada (a carta) bem mais tarde pelo escritor mineiro como talvez o acontecimento mais importante da sua vida na literatura, a resposta do autor de Macunaíma deu início ainda a um diálogo epistolar entre mestre e discípulo que durou até Mário morrer. Sabino publicou em livro, sob o título Cartas a um jovem escritor (1982), as cartas do amigo por acreditar que pudessem ser úteis a outros jovens escritores.

No caminho desse narrador de muitas prosas, surgiu também Clarice Lispector (1920-1977), de quem se tornou amigo, de encontro diário, enquanto Clarice esteve aqui. E depois que ela deixou o país, “a amizade continuou, intensamente vivida através de cartas, com uma frequência às vezes semanal, de 1949 a 1969 – durante 23 anos, portanto”, dizia. Dela ele se tornou uma espécie de agente literário no Brasil.

O rapaz que chegou a pensar em ser músico de jazz, antes de optar pela carreira de escritor, com o tempo, homem maduro, criou fama especialmente por suas histórias curtas, mas é também autor de duas narrativas longas e relevantes na literatura brasileira: O encontro marcado (1956) e O grande mentecapto (1979). E responsável por conquistar leitores há décadas com seu estilo claro, preciso e bem-humorado.

Neste comemorativo centenário de nascimento de Fernando Sabino, todas as honras a ele, que escolheu ser lembrado como aquele que “nasceu homem, morreu menino”.