Novelas brasileiras – tradição e transformação
30 de Abril de 2025, por Regina Coelho 0
Em se tratando de literatura e como subgênero pertencente ao gênero narrativo, a novela configura-se como um relato maior do que o conto e menor do que o romance, sendo, pois, uma narrativa de extensão intermediária entre ambos, grosso modo falando. “Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. No meio dos Campos Gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos.” Assim começa a novela Campo Geral, obra-prima de Guimarães Rosa (1908-1967).
Em se tratando da antiga novela em áudio, sabe-se que durante a década de 1930 esse fenômeno foi se espalhando pelos países da América Latina, com destaque para Cuba. A ideia era contar um pedacinho da história por dia e guardar a continuação para os dias seguintes, ainda que não fosse exatamente esse artifício uma novidade, uma vez que, precedendo às radionovelas, já faziam isso os folhetins. Esse é o nome dado a histórias curtas que os jornais franceses publicavam em capítulos no rodapé das páginas por volta de 1840. E a moda pegou por aqui depois, com nossos folhetins dando origem a obras que se tornaram clássicos da literatura brasileira — Senhora (José de Alencar), Quincas Borba (Machado de Assis) e A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), entre outras.
Pós-produção folhetinesca, as tramas ganharam as ondas do rádio, então em processo de popularização, alcançando “o status de principal produto produzido pelas emissoras na época”, segundo o pesquisador Thiago Guimarães, do acervo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Aliás, o maior sucesso em radionovela de todos os tempos foi O direito de nascer (1951), do cubano Félix Caignet, e que ficou três anos no ar e chegou a ser chamada popularmente de O direito de encher.
Com o advento da televisão e para ela a crescente destinação de grande parte das verbas publicitárias, a radionovela foi perdendo força, com algumas delas sendo adaptadas para a tevê e finalmente sucumbirem ao então novo formato – as telenovelas. E caíram no gosto do brasileiro, por décadas se misturando ao cotidiano das pessoas, com personagens ditando moda (como o turbante usado pela viúva Porcina em Roque Santeiro) ou repetindo bordões disseminados depois por aí (“Não é brinquedo não, hein?”, de dona Jura em O clone); lançamento de trilhas sonoras fadadas ao sucesso (caso de Brasil música de Cazuza e outros, tema de Vale Tudo na voz marcante de Gal Costa) e a influência sobre pais noveleiros na escolha de nomes de seus bebês (Jocasta, Jade, Juma, Igor e Dara...).
Sim. Os tempos são outros. O interesse pelas novelas não é mais o mesmo com a concorrência de novas opções de entretenimento. “A audiência se pulverizou. O streaming e as redes sociais embaralharam o jogo”, observa Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia. Para a novelista Glória Perez, “as novelas são uma crônica do seu tempo e precisam se adaptar ao ritmo de vida do momento”. E às questões e à linguagem de hoje, acrescento eu, sem ser nenhuma expert no assunto.
Com tudo isso, ainda assim, o brasileiro continua noveleiro. E sem essa de dizer que ver novela é coisa só de mulher. Pelo que se percebe hoje, o gênero não faz muito a cabeça dos mais jovens, assim como parece haver entre eles um certo desinteresse no uso da própria televisão (aparelho) no seu dia a dia. Natural essa mudança de foco, pois cada geração vem com suas demandas e prioridades.
Independentemente dessa percepção, há ainda, e isso é fato, um quê de preconceito, principalmente contra as novelas (ou a maioria delas), vistas por muitos como uma produção de qualidade inferior na programação televisiva, o que não procede como regra geral. Caso talvez de um ranço contra algo tão popular.
Volto ao tempo e me vejo assistindo novelas e séries com minha mãe, em tão boa companhia escrevendo um capítulo real de minha história com ela em ótimas interações nossas diante do desenrolar das tramas da TV.
O fim de uma era
26 de Marco de 2025, por Regina Coelho 0
Pesquisando aqui e ali, informei-me de que a primeira exibição pública do telefone ocorreu em 4 de julho de 1876 como parte dos eventos programados para a Exposição Universal da Filadélfia (de 10 de maio a 10 de novembro), realizada em comemoração ao Centenário de Independência dos Estados Unidos. Convidado pelo presidente americano (Ulysses Grant) a participar dos festejos, naquele dia 4 Dom Pedro II era um dos presentes. Ele havia conhecido o inventor do telefone dias antes. No momento em que Graham Bell demonstrava o funcionamento de sua invenção, o imperador brasileiro teve a oportunidade de contribuir com a experiência. “Meu Deus, isto fala!”, exclamou ele, admirado, ao ouvir pelo receptor do aparelho a voz de Alexander Graham Bell, que estava a distância, de posse do transmissor. Encantado com a novidade, Dom Pedro de Alcântara, como preferia ser chamado, decidiu trazê-la para o Brasil e, em 1877, foram instaladas as primeiras linhas telefônicas do país, ligando o Palácio da Quinta da Boa Vista às residências ministeriais. Estava inaugurada a telefonia em terras brasileiras.
Com o tempo, o telefone foi se popularizando por nossas bandas, e o aumento do número de linhas gerou a necessidade da implantação de centrais telefônicas. Operadas por telefonistas, as centrais conectavam manualmente os telefones dos usuários, e assim eram feitas as ligações. Ainda assim, considera-se a presença do sistema telefônico, por anos, apenas nas cidades de maior porte, paulatinamente, nas de médio porte, igualmente com mais força nos setores públicos, industriais e comerciais, bem como nos lares de cidadãos com certo poder aquisitivo.
Sob essa perspectiva, integrando-se à vida das pessoas, os telefones ganharam vez e voz também nas artes. Na música, por exemplo, muitas letras passaram a fazer referências a eles, incorporados que foram a situações cotidianas de muita gente.
Em novembro de 1916, foi gravado o que se considera nosso primeiro samba, Pelo telefone (atribuído a Ernesto dos Santos, o Donga, e a Mauro de Almeida), sucesso no carnaval de 1917 e feito em linguagem que evoca o espírito carnavalesco e a malandragem associada a esse gênero musical. Alô... Alô?, lançada em 1933 (de André Filho e Mário Reis), ganhou interpretação de Cármen Miranda, com participação de Reis e letra que trata de uma tentativa frustrada de conversa, ao telefone, de alguém que não tem o retorno do outro lado da linha, talvez um amor não correspondido. Nessa mesma linha de relacionamentos amorosos em conflito, inescapável citar o Telefone mudo (1983 – de João Batista de Oliveira, o Franco), hit de sempre na voz do Trio Parada Dura, entre outros. E não dá pra esquecer Alô, alô, marciano (1980 – de Rita Lee e Roberto de Carvalho), um papo telefônico imaginário em que um terrestre se dirige a um “habitante” de Marte em crítica e irônica visão sobre a sociedade da época, diga-se, não muito diferente nos dias atuais.
Consolidado seu lugar de importância na sociedade, a telefonia se expandiu até os municípios menores, abrangendo Resende Costa na administração do prefeito Aristides Coelho (1975-1976). Antes disso, ainda criança e indo a São João (del Rei) com gente da família em visita a parentes, eu ficava fascinada vendo aquele aparelho, geralmente preto (com um disco giratório e os números de 0 a 9), sobre um móvel num canto de sala. E torcia pra ele tocar.
Chegando o telefone em RC, meu pai foi um dos primeiros proprietários de uma linha. Em casa, no início, quando ele tocava, era aquela quantidade de mãos para atender a ligação. Inicialmente também fazer interurbano era coisa custosa, pois a gente discava o zero, esperava que a telefonista atendesse logo a chamada (o que nem sempre ocorria) e completasse a ligação, que, além disso, custava caro.
Vieram os planos de expansão e a supervalorização financeira das linhas telefônicas. Em 1998, a privatização da Telemig, então operadora estatal mineira, hoje extinta. Com a telefonia móvel passamos a viver uma nova realidade. E agora, vivemos praticamente o fim da era dos telefones fixos.
Um instante capturado para a eternidade
25 de Fevereiro de 2025, por Regina Coelho 0
Entre colunas então alusivas ao Natal e outros textos sobre essa época tão propícia a movimentações e comemorações sociais, familiares e religiosas, a edição de dezembro último do JL publicou uma breve nota acompanhada de duas significativas fotografias. O título da matéria, como síntese, já esclarece as imagens em questão: “Turma da Escola Estadual Assis Resende refaz foto de 47 anos atrás”.
Muito boa a iniciativa dessa turma, por sinal, uma tendência atual, ou seja, a recriação de fotos antigas, com a repetição do mesmo cenário e, quando possível, com as mesmas pessoas e seus respectivos lugares, poses e trajes copiados do modelo original. Como nessa linha do tempo dos alunos da Graça Vale (de 1977) e em todas as outras, história é o que não falta, por trás das fotos inclusive ou principalmente, indo muito além da mera constatação, pela aparência mais atualizada dos fotografados, da passagem inexorável dos anos. Natural e democraticamente para todos.
Compondo ou não uma sequência cronológica, verdade é que nem toda fotografia é somente aquilo que se vê e muitas vezes nem é o que julgamos ver. Tenho um daqueles retratos (adoro esta palavra: “retrato”) típicos dos tempos do curso primário tirados por um profissional contratado pela escola e vindo de fora para fazer o registro fotográfico de nossa passagem por lá. Olhando-o agora, faço dele a seguinte descrição: como pano de fundo, à minha direita, há uma ilustração de um grupo de crianças uniformizados, ao ar livre, e uma delas aparece hasteando a bandeira nacional; à minha esquerda, é possível ver a paisagem urbana de uma rua com um bonde vermelho despontando. No centro, em posição de destaque, sentada numa cadeira escura estou eu, com os braços apoiados sobre uma mesa. Do meu lado esquerdo ainda, um globo terrestre e uma bandeirinha do Brasil colocada sobre um livro. Do direito, dois livros sustentam outra bandeirinha de mesa, dessa vez, a de Minas. E à minha frente, destacada, a famosa plaquinha de recordação do G. E. Conjurados Rezende Costa (assim, com Z), hoje E. M. Conjurados.
E o que vejo mais? Vejo que a maneira como fui retratada não condiz comigo nem com a ocasião. Talvez por sugestão (ou seria imposição?) do retratista, faço pose segurando uma caneta com a mão direita, e sempre fui canhota. Outra coisa: provavelmente sem o aviso aos pais a respeito daquele dia diferente na escola, excepcionalmente, para lamentação posterior de minha mãe, a vida toda tão zelosa com os filhos, com nossas roupas também, eu não estava de uniforme, como deveria estar em momento tão único.
Atualmente, únicos ou corriqueiros, momentos vividos por todos nós não escapam das câmeras possantes dos nossos celulares, que, desbancando as máquinas fotográficas amadoras, decretaram praticamente a aposentadoria desses aparelhos, hoje repousando em alguma gaveta em casa. Muda a ferramenta, mas a fotografia não perde seu espaço. Outrora coisa rara, restrita a grupos e ambientes seletos e/ou a ocasiões especiais, com o passar dos anos popularizando-se, a imagem congelada e captada de um exato instante, não por acaso é chamada também de um instantâneo, no entanto se eterniza no papel e nos arquivos digitais.
Como lugares de registros e lembranças, fotografias contam histórias e documentam fatos, assim preservando a memória e a cultura de épocas diversas. Muitas se tornam famosas pelo que traduzem da realidade e da arte, provocando em nós emoções felizes, perturbadoras ou indignantes.
Para o escritor francês Roland Barthes (1915-1980), “o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”.
Assim e restringindo-me a um passado mais recente (5/8/2024), lembro aqui a imagem icônica de Rebeca Andrade, maior medalhista brasileira em Olimpíadas (seis medalhas), ouro no pescoço, reverenciada pela campeoníssima Simone Biles (prata) e por Jordan Chiles (bronze) e destacada em cliques que correram mundo e entraram para a história. Aquele dia, não mais! A figura de Rebeca no alto do pódio, para sempre.
Apelidar alguém
22 de Janeiro de 2025, por Regina Coelho 0
influenciado pelo pai, o menino Dico sempre foi fã de futebol e logo começou a fazer parte dos times de garotos que jogavam bola na rua. Gostava de atuar no gol, por se inspirar no goleiro Bilé, amigo de time de seu pai, que também jogava. Com a dicção ainda se formando e, por isso, sem conseguir pronunciar corretamente o apelido de Bilé, durante os jogos com os colegas de time, falava algo equivalente a “Segura Pilééé!”, quando, entusiasmado, fazia suas próprias defesas. O fato fez com que os companheiros passassem a chamá-lo de Pilé, Pelé, o que não o agradava. E como quase todo bom apelido nessa situação, a alcunha pegou. E como pegou! Com ela e, principalmente, com a genialidade demonstrada mais tarde como jogador profissional (na nomenclatura atual, com a função de meia-atacante), o mineiro criado no interior paulista fez a vida, a fama e se tornou mundialmente conhecido e reconhecido como o Rei de Futebol.
Pelé é o nome à frente do homem Edson Arantes do Nascimento, que costumava se referir a si mesmo na terceira pessoa do singular, em se tratando do atleta. Assim, fazia distinção entre o apelido e seu nome civil, como que sinalizando ser ele alguém dividido em duas pessoas diferentes. Não é exatamente o caso de Xuxa, tão somente registrada como Maria da Graça Meneghel, mas chamada, desde o berço, pelo apelido que lhe atribuiu o irmão mais velho e que contou com a pronta aprovação da mãe.
Pelé e Xuxa, curiosamente, um ex-casal, pela imensa popularidade alcançada no país, foram responsáveis pela replicação espontânea de seus apelidos por aí. A imagem dele, em especial, fez muitos jovens pretos virarem Pelé, pelo menos no apelido, tendo surgido até um Pelé de sucesso no vôlei (Minas Tênis Clube e Seleção Brasileira, em destaque). E o Pelezinho, personagem de histórias em quadrinhos criado (1976) por Maurício de Sousa e baseado na infância do Rei. Já a Rainha dos baixinhos, em seus áureos tempos de reinado, provocou uma onda forte de Xuxas covers, ou seja, de moças que, com o visual idêntico ao dela, é claro, se apresentavam em programas de tevê e em shows por este Brasilzão. E foi por conta do cabelo louro e semelhante ao da apresentadora que o hoje ex-nadador e sempre medalhista olímpico Fernando Scherer, ao ganhar projeção (em 1992) no Troféu Brasil com vitórias importantes, ganhou também o apelido Xuxa.
Considerando a força e a presença dos apelidos na vida de muita gente, fica fácil entender a opção de quem incorporou judicialmente esse outro termo ao seu nome de registro, casos da própria Xuxa e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (antes, sem o Lula), entre outros.
Não se cogita aqui falar sobre o ato de apelidar alguém com termos ofensivos, depreciativos ou caluniosos, o que, para dizer o mínimo, não tem graça alguma. Falemos, portanto, de afetividade e intimidade, condições propícias para nomear e chamar de outras formas pessoas que amamos e/ou que nos são próximas. No ambiente doméstico, por exemplo, é praticamente inevitável o uso de nomes no diminutivo e no aumentativo carinhosos, sobretudo os endereçados às crianças. Outras vezes, palavras pronunciadas pelos pequenos (como no caso do menino Dico) ou inventadas por eles costumam gerar praticamente outros nomes para os que os recebem.
Ainda em casa e no âmbito do trabalho profissional, passamos também quase sempre pelo processo de redução dos nomes de cada um(a) de nós. Assim surgem a Ju, a Lu, a Cris, a Carol, o Alê, o Beto, o Fê, o Xande... Talvez por isso também, venha crescendo nos últimos anos uma tendência interessante entre os pais quanto à escolha do nome de um bebê: a transformação de apelidos afetivos em nomes próprios usados agora oficialmente em registros de nascimento. Alguns deles: Bela (ou Bella), Theo, Nina, Gabi (ou Gábi), Duda. Em outras palavras, se já existe uma preferência (ou grande possibilidade) de uso constante desse tipo de apelido, por que não oficializá-lo logo?
Gosto dos apelidos afetuosos, sabendo que o emprego deles tem hora e lugar adequados.
Então é Dezembro
25 de Dezembro de 2024, por Regina Coelho 0
Recorrendo às palavras iniciais da versão em português do compositor e produtor musical Cláudio Rabello para Happy Xmas (War is over), canção composta, gravada e lançada em 1971 por John Lennon (1940-1980) e Yoko Ono, estou me dando conta agora, nesse começo de dezembro, de que “Então é Natal”. Verso que por si somente faz lembrar a voz grave de Simone, intérprete brasileira desse verdadeiro hino natalino, a cada temporada de fim de ano ecoando por toda parte.
Nessa toada, aqui duplamente entendida e, em se tratando da letra de Rabello, ainda no comecinho dela, a pergunta é: “e o que você fez?”, na verdade, um chamado à reflexão sobre mais um ano de vida que se finda. Sabe-se que essa época é especialmente propícia a muitos questionamentos ligados a situações de autocobrança, de melancolia típica dos ciclos que se encerram e de apreensão pelo que virá. Para muitas pessoas, as celebrações de Natal e Ano-Novo, principalmente, podem ser custosas, doídas, pois costumam acentuar sentimentos distantes da alegria, e que essas datas tendem a sugerir, como a solidão, sentida pelos que se veem excluídos dessas comemorações. Ou que não têm com quem compartilhar esses momentos.
A tal estado de espírito dá-se o nome de síndrome do fim de ano ou “dezembrite”, termos populares e muito usados nos últimos tempos para designar sentimentos que podem variar entre angústia, tristeza profunda e sensação de fracasso e frustração, entre outros. Nesse contexto, sentir-se uma pessoa fracassada ou frustrada por metas não alcançadas ou expectativas não atendidas é parte desse quadro. O emprego ansiosamente aguardado e que não veio, o sonho desfeito de ter uma casa própria, uma relação amorosa mal-sucedida... e aquela impressão incômoda de não ter feito nada de bom nos outros meses do ano ilustram algumas situações sentidas como mais negativas ainda em cada retrospectiva anual.
Ser acometido(a) por essa síndrome implica também vivenciar sentimentos de pesar e extremo saudosismo pela falta daqueles que não estão mais entre nós, em especial, nossos entes queridos e lembrados pelos inúmeros Natais celebrados com a família então reunida e nos quais eles eram convivência amorosa com os que ficaram. Por outro lado, sofre-se por relações familiares complicadas, quase ausentes ou rompidas.
Volto ao texto do versionista Cláudio Rabello para destacar dele o seguinte trecho: “Que seja feliz quem souber o que é o bem”, em outras palavras, fala-se da solidariedade, um ideal pregado como um aspecto diretamente relacionado à felicidade. Tudo a ver com o autêntico espírito natalino.
Como toda versão envolve a interpretação pessoal de quem a faz, a de Rabello para Happy Christmas, logicamente, não é a única. Certo mesmo é que a letra foi feita originalmente como uma canção de protesto em referência à Guerra do Vietnã (1959-1975) e remete a uma campanha internacional, ainda em 1969, pelo fim dos conflitos e marcada por outdoors espalhados por 12 cidades pelo mundo com os dizeres: “War is over! (A guerra acabou!). Se você quiser – Feliz Natal, de John e Yoko”. São palavras que foram e ainda são um apelo à ação, sugerindo que a paz é uma escolha coletiva e que depende do desejo e do esforço de todos para se tornar realidade.
Mesmo considerando uma possível interpretação sob a ótica da existência individual em tempos de Natal, a música gravada por Simone em 1995 faz alusão à Hiroshima e Nagasaki, de tão tristes memórias e trágicas consequências pelos bombardeios atômicos na Segunda Guerra Mundial. E a Moruroa (atol na Polinésia Francesa), um dos locais onde já foram realizados testes nucleares.
Fala-se de guerras ainda hoje e sempre. Pior, vive-se em guerras. Ucrânia x Rússia. Israel x Hamas... E outras tantas inominadas. Falemos, contudo, de Natal. Melhor, vivamos o Natal, que é nascimento, que é renascimento, que é vida. Que possamos ter um Natal em sua essência – de atitudes mais compassivas com o nosso próximo e de trégua aos nossos desassossegos de todo dia.