Contemplando as Palavras

Coragem extrema

22 de Novembro de 2023, por Regina Coelho 0

Guerras são cenários tão devastadores para os soldados, os que estão na linha de frente, quanto para os civis, as vítimas em potencial expostas forçadamente a toda forma de violência. Para os jornalistas presentes no local dos conflitos a situação é de medo, o que é compreensível. E de enfrentamento também.

No passado, entre os profissionais brasileiros que foram à luta, fazendo seu trabalho em circunstâncias de grave excepcionalidade, José Hamílton Ribeiro (1935) e Joel Silveira (1918-2007) são nomes de referência. Zé Hamílton, que mora hoje numa fazenda em Uberaba, perdeu a perna esquerda na explosão de uma mina terrestre quando fazia a cobertura da Guerra do Vietnã (1968) para a revista Realidade (1966-1976). Silveira, aos 26 anos, como enviado especial pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, cobriu a Segunda Guerra Mundial junto à F.E.B. (Força Expedicionária Brasileira) na Itália.

Hoje, mesmo quando se acompanha o noticiário sobre os confrontos armados pelo mundo praticamente em tempo real, não é possível calcular o grau de perigo a que estão expostos, no epicentro dos acontecimentos, os responsáveis pela produção das matérias que chegam até nós. Mas eles estão lá numa força-tarefa de profissionais que se arriscam no cumprimento do ofício,

A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas deu visibilidade popular à jornalista Paola De Orte, correspondente brasileira no Oriente Médio do Grupo Globo. Já trabalhando sozinha para a Globo News e o jornal O Globo, a partir de Tel Aviv (capital israelense), com os ataques terroristas de 7 de outubro último e seus desdobramentos, Paola, jovem rosto novo da TV aberta global, alcança agora grande projeção pela competência e coragem no exercício de suas funções.

Outro profissional que vem se destacando há um bom tempo, especificamente em trabalhos envolvendo guerras, é Gabriel Chaim. Fotógrafo e cinegrafista independente, o paraense Chaim é especializado em registrar áreas de conflito. Faz trabalhos frequentes para a CNN, Spiegel TV (alemã) e Globo e já recebeu prêmios internacionais importantes, além de indicação ao Emmy. Numa entrevista à rede de notícias americana CNN, referindo-se à cobertura que fez das lutas no país do ditador sírio Bashar Al-Assad, disse achar importante que as pessoas conheçam a história da Síria: “Eu não desejo que ninguém veja o que eu vi, mas, por outro lado, as pessoas devem parar de pensar em si mesmas e de olhar a vida apenas através de sua própria experiência. O mundo não é tão bonito quanto queremos acreditar”. Para quem esteve ainda na Ucrânia e chegou antes do avanço dos militares russos sobre o território ucraniano, seu trabalho é uma missão, um significado importante que quis dar à própria vida.

Mais do que destacar a observância do dever profissional dos que se posicionam no front, consequentemente agindo em condições totalmente adversas e considerando aqui a atuação corajosa dos repórteres, é preciso destacar sobretudo a observância do dever humanitário dos que se posicionam em outras zonas conflituosas e/ou atingidas por tragédias naturais e agindo nas mesmas condições, considerando aqui e agora o grande contingente dos voluntários. É inevitável dizer que as causas que abraçam são absolutamente necessárias. Assim entendem eles e por isso podem ser capazes de ir aonde qualquer forma de ajuda é essencial.

Milton Steinman é alguém com esse perfil. Cirurgião-geral no paulistano Hospital Israelita Albert Einstein, o brasileiro é especialista no atendimento a vítimas de situações extremas. Steinman viajou para o Haiti em 2010 após o terremoto que destruiu o país. Na Ucrânia em guerra, passou quinze dias numa cidadezinha onde foi montado um hospital de companha. Entre atendimento e treinamento de outros médicos, ele, por várias vezes ao dia, e os demais desceram aos bunkers (abrigos subterrâneos) por causa dos riscos. “Ser médico de desastres é um chamado”, assim define Miltona motivação para propósito tão desafiador.

Para ele e outros tantos, o que fazem é de valer a pena o risco que correm nesses campos de batalha.

Viva Fernando!

25 de Outubro de 2023, por Regina Coelho 0

“no mundo da literatura, desembarquei desde que me entendo por gente. Ainda menino, descobri que tinha vocação para mentiroso. Contando para os amigos uma história lida ou um filme visto, começava a inventar, alterando o final, acrescentando personagens e episódios, enriquecendo o enredo. Em suma, ajudando o autor.

(...) Desde criança eu já achava que a verdade está muito além da realidade. Para mim, nossos sentidos eram fracos e deficientes, de pouco alcance: a vista devia enxergar mil quilômetros e ver através das paredes, o ouvido devia ouvir além da barreira do som.

Como acontece com o menino no espelho do romance que publiquei em 1982, e que reflete a experiência da minha infância. Adotei nele um critério inverso ao usual: em geral se escreve um romance com elementos da realidade como se fosse ficção. Fiz o contrário: usei a ficção como se fosse realidade, usei todas as minhas fantasias infantis como se tivesse vivido tudo aquilo realmente. É o meu nome, o nome dos meus irmãos, do meu pai, o endereço da casa onde nasci. Todo o enquadramento é pessoal, autobiográfico.

Conto como fiquei invisível quando era menino, como aprendi a voar, como conheci o Tarzã, como derrotei o valentão do colégio, como enfrentei uma onça, como fui campeão de futebol. Um dia encontrei na rua uma senhora que me disse: ‘Você andou exagerando um pouco...’. Inventei tudo isso para descobrir que, no fundo, sou ainda aquele menino.”

o mentiroso em questão é Fernando Sabino, “o menino no espelho” da obra homônima, uma autoficção, a fusão de duas formas de escrita que, em princípio, são consideradas opostas: a autobiografia e a ficção. No específico exemplo, é a história da infância do autor, vivida em Belo Horizonte, intercalada com as tais passagens ficcionais citadas anteriormente.

Fernando Tavares Sabino (1923-2004) estreou na literatura aos 13 anos, com uma história de ação, texto publicado por uma revista da Polícia Mineira chamada Argus. Aos 18, com a ajuda do já consagrado escritor Marques Rebelo (1907-1973), um dos primeiros com quem começou a conviver, lançou seu primeiro livro, Os grilos não cantam mais, cuja edição, de mil exemplares, ele pagou com a parte a que teve direito na venda de um lote feita pelo pai.

O jovem escritor enviou um exemplar a Mário de Andrade (1893-1945), àquela altura, também um nome de prestígio na cena literária nacional, e que acusou o recebimento do livro através de uma carta datada em 10/1/1942 endereçada ao aprendiz e na qual, chamando-o pelo nome completo, de imediato, lhe faz a seguinte ressalva: “Se você quiser continuar sendo escritor, antes de mais nada tem que encurtar o nome. Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino”. Avaliada (a carta) bem mais tarde pelo escritor mineiro como talvez o acontecimento mais importante da sua vida na literatura, a resposta do autor de Macunaíma deu início ainda a um diálogo epistolar entre mestre e discípulo que durou até Mário morrer. Sabino publicou em livro, sob o título Cartas a um jovem escritor (1982), as cartas do amigo por acreditar que pudessem ser úteis a outros jovens escritores.

No caminho desse narrador de muitas prosas, surgiu também Clarice Lispector (1920-1977), de quem se tornou amigo, de encontro diário, enquanto Clarice esteve aqui. E depois que ela deixou o país, “a amizade continuou, intensamente vivida através de cartas, com uma frequência às vezes semanal, de 1949 a 1969 – durante 23 anos, portanto”, dizia. Dela ele se tornou uma espécie de agente literário no Brasil.

O rapaz que chegou a pensar em ser músico de jazz, antes de optar pela carreira de escritor, com o tempo, homem maduro, criou fama especialmente por suas histórias curtas, mas é também autor de duas narrativas longas e relevantes na literatura brasileira: O encontro marcado (1956) e O grande mentecapto (1979). E responsável por conquistar leitores há décadas com seu estilo claro, preciso e bem-humorado.

Neste comemorativo centenário de nascimento de Fernando Sabino, todas as honras a ele, que escolheu ser lembrado como aquele que “nasceu homem, morreu menino”.

Currupacopapaco!

27 de Setembro de 2023, por Regina Coelho 0

Zé Carioca é um personagem desenvolvido no começo da década de 1940 (durante a Segunda Guerra Mundial) pelos Estúdios Walt Disney como parte da política de boa vizinhança que os EUA promoveram para melhorar as relações com os países latino-americanos e obter deles apoio às suas pretensões políticas. Trata-se, na verdade, de uma criação com controvertida legitimidade por ser vista como o estereótipo negativo do carioca/brasileiro preguiçoso, malandro, mentiroso, trapaceiro e avesso ao trabalho, entre outras particularidades. Mas é também o sujeito, melhor dizendo, o papagaio alegre, festeiro, divertido, cantante e hospitaleiro, características essas que aqui nos interessam.

Outra criatura semelhante na postura irreverente era o Louro José (da Ana Maria Braga), o boneco de um papagaio que misturava artifícios de fantoches com a tecnologia de controle remoto e interagia com a apresentadora, saindo de cena em 2020 com a morte de Tom Veiga, responsável pela voz esganiçada e fala afiada do Lourinho e pela manipulação de seus movimentos. Herdeiro do “falecido” Louro José, Louro Mané, interpretado e manipulado por Fábio Canietto, segue firme no Mais Você em bem-humoradas aparições e intervenções matinais na Globo.

De recorrente presença, aliás, são os papagaios, também os de pirata, explorados com certa frequência em variadas artes. A propósito, a expressão “papagaio de pirata” é usada para designar ainda a pessoa que procura ficar à altura do ombro de quem aparece em primeiro plano, na tevê ou nos palanques, com o objetivo de aparecer também para as câmeras ou simplesmente aparecer. Assim, lembrando a ficção, ela é comparada a um vistoso papagaio sobre o ombro de algum pirata.

Bonitos, alegres e engraçados, os papagaios do mundo real são encantadores. Originários das Américas do Sul e Central, eles estão, ou melhor, sempre estiveram entre os pets mais populares, principalmente entre os apreciadores de aves. Além da chamativa plumagem de coloração verde, com variações de cores na cabeça, fronte e bochechas, esses bichos de estimação cativam seus tutores também por sua capacidade de imitar a fala humana.

Diferentemente dos cães e gatos, os campeões na preferência dos que curtem ter seus animais em casa e adoram levá-los para passear e/ou deixar que circulem livremente pelo espaço doméstico, os papagaios ocupam lugares mais restritos nas casas em que moram. Mas nem por isso são menos queridos. E, do local onde são instalados, geralmente nas imediações da cozinha, parecem observar tudo.Viram até ponto de referência e companhia para boas brincadeiras em comunicação interessante com os mais chegados, aqueles com quem aprendem, inclusive, a pronunciar certas palavras.

Li há alguns anos num jornal uma notícia, no mínimo curiosa, a esse respeito. Segundo a matéria, um papagaio foi apreendido pela Polícia Militar do Piauí, em Teresina. Tudo porque ele gritou “Mamãe, polícia!” quando os policiais atenderam uma ocorrência em um local que funcionava como boca de fumo. De acordo com o policial que tinha comandado a ocorrência, a tutora do papagaio, uma mulher conhecida como Índia, já havia sido presa duas vezes por tráfico de drogas. Naquela ocasião, estava acamada por ter sofrido um acidente. E o marido, que foi preso, despachava por ela. Além disso, a filha do casal (menor de idade) escondia porções de maconha nas roupas íntimas. E o papagaio?

__ Ele deve ter sido treinado para isso. Assim que nos aproximamos, começou a gritar “Mamãe, polícia!”, contou o PM à imprensa lá presente.

“Papagaio”! Por essa a PM PI não esperava. Papagaio, no presente caso, é uma gíria antiga que indica espanto. “Fazer um papagaio” pode ser contrair um empréstimo ou confeccionar uma pipa. Papagaiar (ou papaguear) é falar muito, sem refletir, tagarelar; falar ou repetir algo sem compreender o que é dito, como fazem os papagaios.

Em se falando deles, temos também em família um Papagaio. No caso e de especial estima, o nosso pedaço de terra.

Fernando, Hélio, Otto e Paulo

23 de Agosto de 2023, por Regina Coelho 0

“Conheci Hélio Pellegrino no jardim de infância, aos seis anos de idade. Fizemos juntos o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena.

Andamos separados durante o curso de admissão. Fiz o meu com dona Benvinda de Carvalho Azevedo, grande professora, famosa pela sua competência: até hoje sei de cor a lista das preposições e, a bem dizer, tudo mais que aprendi com ela. No Ginásio Mineiro Hélio e eu nos reencontramos e desde então não nos separamos mais. Mesmo ele tendo ido estudar Medicina e eu Direito.

Meu primeiro encontro com Otto Lara Resende se deu bem mais tarde. Era um rapazinho meio introvertido, que vi pela primeira vez na casa do Etienne (João Etienne Filho, escritor e jornalista mineiro) – o que me emprestava livros.

Ele me contaria depois que ficou impressionado porque eu conhecia marcas de automóvel, era campeão de natação e só falava futilidades. Nesse primeiro contacto não tivemos o que dizer um ao outro.

Mas à noite nos encontrávamos na Folha de Minas – onde eu já trabalhava, escrevendo reportagens sobre tiro aos pombos, coisas assim – juntamente com Hélio, de quem ele já se tornara amigo.

Eu o havia encontrado antes e não me lembrava. Foi no meu tempo de escoteiro. Ele também era escoteiro em São João del-Rei, e veio numa delegação nos visitar, na associação de Belo Horizonte. Na nossa sede havia um fio elétrico desencapado junto ao soalho, e a brincadeira era pisar onde dava choque e passar o choque para quem nos segurasse a mão.

(...)

A primeira vez que vi Paulo Mendes Campos foi na varanda da casa do cônsul inglês, durante uma festa em que eu havia entrado de penetra (provavelmente ele também) para ver a namorada. Eu já havia reparado naquele menino de cabelo caído na testa, que passava o tempo todo de lá para cá, empatando o nosso namoro. Não me lembro como começamos uma discussão sobre literatura, cada um querendo mostrar mais conhecimento que o outro. (...)

Morávamos à distância de um tiro de escopeta uns dos outros. (...) Andávamos dia e noite, conversávamos muito (...). Havia um banco na Praça da Liberdade, o nosso banco, primeiro da direita, onde invariavelmente encerrávamos a noite, às vezes já nascendo o dia.

(...) No que completei 17 anos, (o pai) conseguiu para mim um emprego de funcionário público na Secretaria de Finanças, que era em frente à nossa casa: eu precisava de uma colocação, como se dizia, fosse qual fosse. (...)

Meus amigos também já trabalhavam. Hélio Pellegrino, estudante de Medicina, distribuía amostras de remédio nos consultórios médicos. Eu vivia às voltas com uns relógios elétricos de parede que o representante em Belo Horizonte me entregava para tentar vender. Otto Lara Resende dava aulas e era funcionário da mesma Secretaria das Finanças. Paulo Mendes Campos era da Saúde Pública. Como em geral acontece, o emprego não tinha nada a ver conosco.

(...)

Eu ganhava salário mínimo, como funcionário. Fui promovido a oficial de gabinete da Secretaria da Agricultura depois que fiquei noivo da filha do governador (Benedito Valadares), aos 18 anos. Quando me casei, nomearam-me serventuário de justiça no Rio de Janeiro, para onde me mudei no mesmo dia.

(...)

Eu sentia falta dos meus amigos de Belo Horizonte, mas eles foram vindo em seguida – primeiro Paulo, depois Otto. Hélio só veio mais tarde.

(...)

Éramos e continuamos sendo, intransigentemente contra as convenções e conveniências, a começar pela institucionalização de nossa amizade. Tanto assim, que nunca conseguimos fazer juntos nada de útil, com a graça de Deus. Nunca fomos sócios em coisa alguma. Por isso mesmo, fazemos questão de não levar a amizade muito a sério. Exatamente por saber que assim é que ela foi e continua sendo fundamental para a nossa vida.”

O Fernando do título desse artigo é o autor dos fragmentos acima, compilados do exemplar de “O tabuleiro de damas”, que adquiri mediante a presença da Guinha (irmã) no lançamento desse livro em BH, com a seguinte dedicatória de Sabino, cujo centenário de nascimento se celebra neste 2023.

A Regina Coelho

com um afetuoso

abraço do

                Fernando Sabino

                      12/5/88

Uma palavrinha só

26 de Julho de 2023, por Regina Coelho 0

certas palavras parecem se casar harmonicamente com outras e viram até um par, em alguns casos, um trio, quando as duas se unem através de uma preposição ou contração. E como já andam juntas com frequência, nem temos o trabalho de aproximá-las, pois já vêm prontas para uso comum dos falantes. Vejamos: arrepender-se amargamente, cabedal de conhecimentos, considerações iniciais (ou preliminares), céu de brigadeiro, chuvas torrenciais, denominador comum, derrota fragorosa, detalhes sórdidos, discussões acaloradas, fiel escudeiro, inverno rigoroso, leve (ou ligeira) impressão, manjar dos deuses, mar de lama (em sentido figurado, ambiente ou situação de grande degradação moral), morte trágica, mínima ideia, ódio mortal, palpite (ou ideia) infeliz, providências cabíveis, punição exemplar, requintes de crueldade, rigores da lei, sol escaldante (ou inclemente), viagem dos sonhos, vitória acachapante, entre outras construções linguísticas.

Mãos de fada, memória de anjo (ou de elefante = m. excelente), memória de galo (= m. fraca), memória prodigiosa, ouvido absoluto (de quem possui a capacidade de identificar a nota musical de qualquer som, musical ou não, sem precisar de uma referência prévia), ouvido de tuberculoso (= o. apuradíssimo) e voz aveludada (= v. macia) são mais alguns exemplos nessa lista, dessa vez, usados para ressaltar alguma característica ou condição do ser humano.

Ficaram de fora da relação acima, porém, algumas falas que, por hábito ou por desconhecimento, muitas pessoas usam de forma indevida, redundante, repetitiva em termos de significado. Então, se toda certeza é absoluta, se todo consenso é geral, se todo elo é de ligação e se todos detalhes são pequenos, fiquemos só com a certeza e entremos no seguinte consenso: o elo entre as palavras é importante, mas com detalhes a considerar, como o sentido dessa formação linguística, por exemplo.

Pode-se dizer, seguindo um outro caminho, que existem palavras enganosas, que provocam confusão em muita gente. “Luxúria”, que é um dos sete pecados capitais, significa o excesso de busca pelos prazeres carnais e, como se vê, não tem qualquer relação com luxo. Uma outra é “pernóstica”, de ligação zero com a palavra perna. Uma pessoa pernóstica é alguém afetado, pedante, petulante. O termo “reacionário” está ligado etimologicamente ao seu primitivo termo, reação, mas, diferentemente do que se pode pensar, ser reacionário é ser contrário às ideias voltadas para a transformação da sociedade.

Existem aquelas palavras também que, dependendo da situação, caracterizam o que muitos definem como “falar difícil”. São as usadas, seja por dever de ofício, gosto pessoal, conhecimento acadêmico mais conservador ou vaidade em demonstrar erudição. No grupo das difíceis somente na escrita e/ou na pronúncia, estão palavras como “competitividade, meteorologia e subliminarmente”. E há as que chegam a ser ainda um desafio de letras e sílabas corretas e um esforço para que não se comprometa a boa dicção, sem que a pessoa se enrole com a própria língua, como “transubstanciação”.

Das difíceis para as consideradas bonitas, são as palavras que pela aproximação de fonemas e letras (o seu significante, o seu lado material) ao conceito (o seu significado) se completam numa linda união. Encontramos, pois, beleza nas palavras pelo que elas significam: paz, alvorecer, luar, esperança... E o contrário ocorre na mesma medida quando determinadas formas de expressão da língua entram na lista do que não se deve falar, na verdade, por razões sem fundamento, como o de que pronunciar simplesmente certas palavras atrai coisa ruim e de que exemplo maior a palavra “câncer”. “Azarado”, “desgraça”, “maldição” são outras das quais muitos querem distância, nesse específico caso, uma questão de superstição.

Superstições à parte, não se pode negar o grande poder das palavras, mensageiras de nossos pensamentos e sentimentos. Bem a propósito são estes versos de Cecília Meireles: “Ai, palavras, ai, palavras,/ Que estranha potência, a vossa!”.