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Uma questão de respeito

12 de Marco de 2019, por Regina Coelho

uma peça publicitária veiculada no jornal O TEMPO (8/3/2018) traz na capa o rosto de uma mulher e esta frase: “A rotina de muitas mulheres tem uma face que você não vê.” E a seguinte sugestão a quem está lendo o artigo: “Coloque esta página contra a luz e conheça essa realidade.” Como efeito, a imagem da moça aparece com vários hematomas, ao lado dos quais aparece, no verso, este trecho:

“Ele achou minha saia muito curta.”

Me atrasei 15 minutos pra chegar em casa depois do trabalho.”

O almoço não ficou pronto na hora em que ele mandou.”

Eu não queria sexo naquela noite.”

Ao pé da página, o arremate: “A cada segundo, uma mulher sofre algum tipo de violência no Brasil. Denunciar é mais rápido que ler esse anúncio. Ligue 180.”

Nas falas acima, as partes em negrito destacam algumas possíveis “motivações” para a agressão física. Inaceitáveis todas elas, inclusive as que não foram citadas, porque nada pode justificar tamanha covardia. Passado um ano da publicação dessa matéria, a situação de violência contra nós no país não retrocedeu. Pelo contrário. Casos envolvendo esse tipo de crime se multiplicam numa sucessão impressionante de novas e parecidas ocorrências.

Atente-se ainda para o destaque das frases finais no mesmo texto. Denunciar quem agride pode significar fazer cessar a agressão e não ser conivente com o delito, podendo representar em situações de maior gravidade a diferença entre a vida e a morte da vítima. Segundo o congolês Denis Mukwege, um dos ganhadores do Nobel da Paz de 2018 (juntamente com a iraquiana Nadia Murad, ex-escrava do Estado Islâmico), em seu discurso de premiação, “não são apenas os autores da violência que são responsáveis por seus crimes, mas também os que escolheram fechar os olhos (para isso)”. Nesse sentido, desconsidera-se a aplicação daquele velho ditado popular, segundo o qual “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.”

Como se pode deduzir das palavras de Mukwege, não há distinção geográfica em relação à violência. Muito menos contra as mulheres. Tampouco há distinção social nisso. No Brasil, entre tantos fatos dessa natureza, chamou especialmente a atenção em 2017 o caso de um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, acusado de agredir a mulher durante uma briga do casal, afirmou ter ela se machucado ao escorregar no enxaguante bucal Listerine.

No enfrentamento desse problema, a legislação brasileira conta, desde 2006, com o suporte da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha). De 2015 é a Lei do Feminicídio, aplicada a assassinatos em que a mulher é morta por questões de gênero. Infelizmente, menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacias especializadas de atendimento à mulher. E é claro! É preciso que haja punição contra pessoas agressoras, mas também é importante aumentar a rede de proteção às pessoas agredidas. E principalmente, é necessário mudar a cultura de quem agride, na maioria das vezes, o homem.

E por que ele agride? E por que ele mata? O inconformismo com o fim do relacionamento é a causa imediata mais comum, fruto de sua percepção machista ao tratar a figura feminina como objeto de sua posse, consequentemente sob seu domínio, numa relação na qual a mulher é acintosa ou subliminarmente desrespeitada em sua integridade física, moral e emocional.

Neste março simbólico definitivamente dedicado às mulheres, que bom seria não precisar haver o nosso dia 8! Que bom seria não precisar falar de assunto tão triste! E de outros ligados à realidade feminina como, por exemplo, a desigualdade salarial ainda existente em desfavor das profissionais inseridas no mercado formal de trabalho. Mas lembrando Rita Lee, em Cor de rosa choque (1982/ Lee e Roberto de Carvalho), o “sexo frágil não foge à luta”. E sexo frágil é apenas uma força de expressão. E cor de rosa também, apenas uma mera convenção ligada à condição feminina. O importante mesmo é o respeito incondicional a todas as mulheres. Simples assim!

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