Em se tratando de literatura e como subgênero pertencente ao gênero narrativo, a novela configura-se como um relato maior do que o conto e menor do que o romance, sendo, pois, uma narrativa de extensão intermediária entre ambos, grosso modo falando. “Um certo Miguilim morava com sua mãe, seu pai e seus irmãos, longe, longe daqui, muito depois da Vereda-do-Frango-d’Água e de outras veredas sem nome ou pouco conhecidas, em ponto remoto, no Mutum. No meio dos Campos Gerais, mas num covoão em trecho de matas, terra preta, pé de serra. Miguilim tinha oito anos.” Assim começa a novela Campo Geral, obra-prima de Guimarães Rosa (1908-1967).
Em se tratando da antiga novela em áudio, sabe-se que durante a década de 1930 esse fenômeno foi se espalhando pelos países da América Latina, com destaque para Cuba. A ideia era contar um pedacinho da história por dia e guardar a continuação para os dias seguintes, ainda que não fosse exatamente esse artifício uma novidade, uma vez que, precedendo às radionovelas, já faziam isso os folhetins. Esse é o nome dado a histórias curtas que os jornais franceses publicavam em capítulos no rodapé das páginas por volta de 1840. E a moda pegou por aqui depois, com nossos folhetins dando origem a obras que se tornaram clássicos da literatura brasileira — Senhora (José de Alencar), Quincas Borba (Machado de Assis) e A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), entre outras.
Pós-produção folhetinesca, as tramas ganharam as ondas do rádio, então em processo de popularização, alcançando “o status de principal produto produzido pelas emissoras na época”, segundo o pesquisador Thiago Guimarães, do acervo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Aliás, o maior sucesso em radionovela de todos os tempos foi O direito de nascer (1951), do cubano Félix Caignet, e que ficou três anos no ar e chegou a ser chamada popularmente de O direito de encher.
Com o advento da televisão e para ela a crescente destinação de grande parte das verbas publicitárias, a radionovela foi perdendo força, com algumas delas sendo adaptadas para a tevê e finalmente sucumbirem ao então novo formato – as telenovelas. E caíram no gosto do brasileiro, por décadas se misturando ao cotidiano das pessoas, com personagens ditando moda (como o turbante usado pela viúva Porcina em Roque Santeiro) ou repetindo bordões disseminados depois por aí (“Não é brinquedo não, hein?”, de dona Jura em O clone); lançamento de trilhas sonoras fadadas ao sucesso (caso de Brasil música de Cazuza e outros, tema de Vale Tudo na voz marcante de Gal Costa) e a influência sobre pais noveleiros na escolha de nomes de seus bebês (Jocasta, Jade, Juma, Igor e Dara...).
Sim. Os tempos são outros. O interesse pelas novelas não é mais o mesmo com a concorrência de novas opções de entretenimento. “A audiência se pulverizou. O streaming e as redes sociais embaralharam o jogo”, observa Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia. Para a novelista Glória Perez, “as novelas são uma crônica do seu tempo e precisam se adaptar ao ritmo de vida do momento”. E às questões e à linguagem de hoje, acrescento eu, sem ser nenhuma expert no assunto.
Com tudo isso, ainda assim, o brasileiro continua noveleiro. E sem essa de dizer que ver novela é coisa só de mulher. Pelo que se percebe hoje, o gênero não faz muito a cabeça dos mais jovens, assim como parece haver entre eles um certo desinteresse no uso da própria televisão (aparelho) no seu dia a dia. Natural essa mudança de foco, pois cada geração vem com suas demandas e prioridades.
Independentemente dessa percepção, há ainda, e isso é fato, um quê de preconceito, principalmente contra as novelas (ou a maioria delas), vistas por muitos como uma produção de qualidade inferior na programação televisiva, o que não procede como regra geral. Caso talvez de um ranço contra algo tão popular.
Volto ao tempo e me vejo assistindo novelas e séries com minha mãe, em tão boa companhia escrevendo um capítulo real de minha história com ela em ótimas interações nossas diante do desenrolar das tramas da TV.