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O vice-treco do sub-troço

16 de Agosto de 2020, por João Bosco Teixeira

Li na Folha de S. Paulo uma articulista interessante. Começou por dizer que “Dor é o que sinto, pois é tão difícil entender este país”. Depois, narra dois fatos. “Vi na televisão o segundo homem do Ministério da Saúde enxotando de uma reunião um garçom que só tentava fazer o seu trabalho. Com gestos bruscos de braço, gritava: ‘Sai daí. Eu falei ‘não’”. Mais adiante, narra outro acontecimento, no qual teve participação. Ocorreu num aeroporto. Buscando interagir com um cidadão que se comportava de modo pouco elegante, ouviu dele, de maneira arrogante: “Você sabe com quem está falando? ”.

Não se pode culpar a pandemia, a quarentena por tantos desaforos. Atribuo tais comportamentos a uma razão muito simples: “prepotência”. Segundo o dicionário, prepotência significa abuso de poder, abuso de autoridade, tirania, poder mais alto, entre outros significados. Vou bem além, pois o dicionário não cuida da gênese psicológica do prepotente.

Ele é um cego. Não vê ninguém, nem acima nem além de si mesmo, apesar de estar sempre acompanhado. Mas todos que o acompanham estão “sub-ele”. Ele é surdo: não ouve ninguém. Se ele ouvisse, correria o risco de provar alguma insatisfação, o que não lhe convém. Ele se cabe, ele se basta. É cheio de si mesmo, rempli de soi-même, na bonita expressão francesa. Mas, diferentemente do surdo, ele não é mudo. Falar é sua arma preferida. Aplica-se em falar, para não correr o risco de ouvir. Ele tem grande cuidado consigo mesmo. Ele se preserva. Ele se blinda. Ele não pode dividir nada do que é seu com outros. É um absurdo ele precisar de alguém. Ele se enxerga como tendo tudo o de que necessita para estar presente, não importa onde, em que lugar, em que tempo. E ele não conhece derrota. Seus fracassos são fruto da incompreensão alheia. Ele se orgulha em dizer que uma mentira dele vale mais que duas verdades de seu interlocutor.

E não se pense que ele se julga uma pessoa que abusa do poder. Não. Ele tem o poder, ele é o poder. Não há como abusar de alguma coisa que ele é, que ele pensa que é. O prepotente é um fraco. Só aprendeu a obedecer. Por isso, só sabe mandar.

É um pobre coitado. Ele não sabe que o único lugar em que estará sozinho, sem precisar de ninguém, mas também não tendo ninguém a quem dar ordem, será no caixão.

Para muita gente, trata-se de tipo insuportável. Só que o prepotente não se vê assim. Ele se considera um iluminado. Tem certeza de que quem tem estrela não precisa de bússola. Ele se julga um estrelado.

Para Mário Sérgio Cortella, entretanto, “essa gente é o vice-treco do sub-troço”.

O leitor poderá indagar se esse tipo de personalidade, assim puro, existe na natureza. A experiência de cada um responderá se sim ou não. O interessante, porém, é que para cada um de nós poderão ocorrer momentos em que assim nos comportemos. Vale pensar.

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