De um ponto de vista

Pai amoroso

22 de Janeiro de 2025, por João Bosco Teixeira 0

O Deus de Jesus é um PAI infinitamente bom. Isso nos causa um grande constrangimento e se constitui numa real dificuldade para nossa compreensão. Nosso cérebro não tem competência para entender o DEUS de Jesus, no qual nós cristãos acreditamos. Como ter uma noção de algo que vai além das realidades tempo e espaço, em que estamos radicalmente afundados, submersos, submetidos e condicionados? Que experiência podemos ter de algo “infinitamente” grande? E o mais difícil: infinitamente BOM.

Nós humanos vivemos pequenas, minúsculas experiências de grandeza, de bondade, sempre condicionadas a tantas variáveis, até mesmo objetivas, mas, na maioria das vezes, criadas por nós, para justificar tanta atitude indevida. Atingimos o auge da insensatez quando nos pomos a julgar alguém, sabedores que somos de que SÓ DEUS CONHECE OS CORAÇÕES (1Rs 8,30; Lc 16,15).

Mesmo sabedor de tudo isso, Jesus nos contou uma história fantasticamente definidora da INFINITA misericórdia de seu PAI. Trata-se da parábola conhecida entre nós pelo nome de parábola do FILHO PRÓDIGO, que melhor seria identificada por PARÁBOLA DO PAI BOM.

Há tantos elementos a observar nessa história.

Um pai que não pensa em sua própria herança; que respeita a decisão de um filho; que o vê partir, mas não o esquece; que quando o vê de volta se comove, perde o controle e vai ao seu encontro; que se esquece de sua dignidade de “senhor” da família e o abraça e o beija; interrompe a confissão do filho para lhe poupar mais humilhações; não lhe pede explicações para acolhê-lo; não lhe impõe castigo; não exige ritual de purificação. Tem uma única preocupação: que seu filho volte a se sentir bem.

Mais: que tipo de pai é esse que não impõe sua autoridade? Como podia consentir no disparate de um filho que lhe pedia para repartir a herança antes de sua morte? Como dividir sua propriedade pondo em risco o futuro da família?

Os ouvintes de Jesus, e quem sabe nós, não podiam acreditar na acolhida que o pai dera ao filho mais novo. Ele queria proteger o filho da vergonha e da desonra.

É assim que Jesus SENTIA Deus e queria que todos o sentíssemos; é assim que Jesus nos mostrava quem é o Pai de todos, sobretudo de quem se julga “PERDIDO” na vida.

Qualquer pregação ou catequese que esqueça essa parábola central de Jesus não provém de Jesus nem transmite a BOA NOVA de Deus que Ele pregou, boa nova do perdão incondicional, fruto do amor absoluto.

Os teólogos estão, há mais de vinte séculos, elaborando teorias profundas sobre Deus, mas nenhuma supera essa parábola para predicar do INFINITO amor de Deus pelas suas criaturas. É a melhor expressão do MISTÉRIO de Deus. Essa parábola, na verdade, fala melhor do amor do Pai para conosco que todos os livros de teologia.

A gente fica desconcertado diante dessa parábola de Jesus. E ela chama nossa atenção para outra consideração: ao pedir parte de sua herança, o filho mais novo está desejando a morte o pai. Quer ser livre, romper amarras.

Muitos hoje querem se ver livres de Deus, ser felizes sem a presença de um Pai: Deus precisa, deve desaparecer da sociedade e das consciências. Insensatez. Ainda que não se queira, Deus é PAI AMOROSO por excelência.

Natal – celebração da humanização de Deus

25 de Dezembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

É NATAL outra vez. Na minha vida, são oito dezenas de vezes comemorando essa data memorável. Não me canso, pois dia a dia vou emprestando novos significados a esse acontecimento. Cada ano encontro novos motivos para me deixar encantar com ele. E, sobretudo, para louvar e agradecer.

O NATAL é de Jesus.

 “Hoje é Natal, presentes preparar, árvore e presépio de luzes ornar. Que os homens não se esqueçam que o Cristo é quem traz: árvore, presépio, presente que é PAZ”!

Eis tudo: PAZ, que é presente; PAZ que é árvore de vida; PAZ que são luzes para tudo iluminar. PAZ, sobretudo, PRESÉPIO. Presépio que realiza a radicalidade da humanidade de Jesus. No PRESÉPIO se faz pobre como qualquer pobre, rico de toda a humanidade possível, porque destituída de poder, honra e glória. No PRESÉPIO, além de tudo, a origem fatal de toda a nossa esperança, pois não há manifestação divina que não se expresse mediante a carne. E no Presépio, Jesus se fez carne. Na humanidade de Jesus, e do homem, é que Deus se torna visível. E aí, qualquer um de “boa vontade” pode se ver, pode se encontrar, pois tem com quê se identificar. Pode mesmo se divinizar.

 Nisso o meu encanto encantado, o meu entusiasmo com a figura maior da humanidade. Em Jesus qualquer outro templo ou santuário é inútil e ineficaz: é somente na sua radical humanidade que o divino se encontra. Daí, ousadamente, o bom teólogo Magi dizer: “Jesus não é como Deus, mas Deus é como Jesus”.

Que estupenda expressão! Que admirável consolo! Que entusiasmante esperança! Em Jesus, a realidade divina não é uma realidade exterior a ele; não há distância entre o Pai e o Filho, mas fusão e comunhão. E dessa verdade todos participamos. Ó admirável mistério, fruto do insondável amor criador! 

Em Jesus tudo é humanidade, tudo é plenitude de humanidade. Cada gesto seu esteve a favor da restauração da vida. Restauração que se deu pela celebração da incondicional acolhida aos irmãos.

A humanidade plena de Jesus se realiza no dar a vida, no remediar o sofrimento, a enfermidade, a deficiência de qualquer tipo. Jesus captou o mistério de Deus como um mistério de bondade. Ele é o profeta da compaixão de Deus. Humaníssimo, todos quantos dele se aproximavam, e aproximam, podiam e podem tomar consciência de sua plena liberdade e dignidade: livres filhos do Pai.

É hora de se viver a “aldeia global”, “a casa comum de todos os humanos”.

Natal é um abraço de Deus à humanidade que tem, na história, um nome: JESUS, a encarnação da HUMANIZAÇÃO DE DEUS.

“De um ponto de vista” para “O ponto de vista”

27 de Novembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

Escrevi neste periódico expressando-me sempre “De um ponto de vista”. Acredito que os escritos se justificavam, dadas as inúmeras possibilidades de divergência na consideração dos fatos, dos comportamentos, da veracidade ou não dos acontecimentos. A sociedade, na multiplicidade de funções que ela comporta, é enriquecida pela possibilidade de análises e avaliações de variados “pontos de vista”, sempre entendidos como “a vista de um ponto”.

A sociedade brasileira já não precisa de tal riqueza. Tudo ficou transparente. Tudo é absolutamente objetivo. Real. Factual. Tudo agora é “O ponto de vista”. A nação brasileira está engalanada por um grupo de pessoas que se blindaram com poderes superiores a qualquer instância, a qualquer opinião que não nasça de sua peculiar visão dos fatos, dos acontecimentos, da vida.

Desde meus onze anos vivo na querida cidade de São João del-Rei. De algumas dezenas de anos para cá, implantou-se na cidade um grande mal, do “meu ponto de vista”, o maior de todos: a cultura da corrupção que solapa tudo, que transforma até esta culta, bela e possível rica cidade, numa terra por tantos desprezível, dados os qualificativos de abandono, desleixo e ética esquecida de que se revestiu com essa cultura.

Agora me dou conta de que tal cultura foi elevada ao patamar nacional: “A corrupção virou atividade lícita no país”. Está tudo legalizado. Juridicamente legalizado. Tornaram-se desnecessárias as várias instâncias do processo judiciário. Há uma suprema corte que a tudo supre. A palavra suprema cabe ao supremo poder, que desconhece outros legitimamente constituídos, em obediência à Carta Magna. Aliás, como esta desapareceu, é lógico que tudo o mais desapareça. E instituiu-se a Vara Nacional de Assistência à Corrupção e aos Corruptos. “Única corte de Justiça no mundo a legalizar, juridicamente, a corrupção”.  

“Está aberta a militância implacável do STF em favor da ladroagem e dos ladrões”.  “Chegamos, agora, à fase de bater os últimos pregos do caixão” da sensatez, da probidade e, diria eu, gravemente entristecido, do caixão da “República”, da coisa pública, do bem-comum, da Pátria.

Já não há um único preso por corrupção em todo o sistema penitenciário do Brasil”. Empresários que confessaram seus crimes, devolveram bilhões ao patrimônio público, perdoados, andam por aí lépidos e fagueiros porque “Ninguém rouba no Brasil. É tudo mentira”. E tudo em consequência do processo de “recivilização” do país, servindo-me de expressão de um “supremo” que, juntamente com os demais “pede, simplesmente, que você acredite no seguinte: todos os acusados de corrupção neste país são inocentes, sem exceção”.

Quem assim não pensa, quem nisso não acredita é porque não entende nada de nada. Mas, convenhamos, trata-se de desavergonhada proteção ao crime que, entre nós, compensa.

Já não faz sentido a leitura da vida “De um ponto de vista”. Há “O ponto”. E basta.

Sou um crente inveterado: acredito na “gente”

23 de Outubro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

Na última coluna, confessei-me otimista frente à vida. E continuo assim, apesar da presença, no cenário nacional, de um déspota cruel, que adora colocar os outros em um clima de medo e que, com sua incapacidade de diálogo, insensibilidade afetiva, isolamento espiritual, nos dá o direito de o vermos como um autêntico paciente psiquiátrico. Gigante que seja em seu gueto narcisístico, não o considero maior que um enorme número de brasileiros que, no seu dia a dia, me levam a acreditar na nossa gente.

Acredito na humanidade e, especificamente, na nossa gente brasileira, porque presencio cenas encantadoras, manifestação que são de confiança, de compreensão, de oferta e recebimento de carinho e atenção. As cenas que me levam a tal crença se sucedem, ininterruptamente. 

Vejo gente que cede a preferência em tantas circunstâncias, mesmo sabendo de seus direitos. Vejo gente a pedir “licença”, gente que agradece “uma prioridade” que lhe foi oferecida, gente que retribui uma saudação recebida, que cumprimenta outrem por um êxito alcançado, por uma boa ação feita.

Como é bonito ouvir um “muito obrigado”. Como é sublime saber de gente que não se ofende, ainda que tenha sido ofendida; gente que se recusa a sentir ódio por ter sido negligenciada.

É-me extremamente consolador saber que, apesar de todos os acidentes que ocorrem no trânsito, a maioria esmagadora das pessoas se comporta bem, com respeito às pessoas e às leis.

Ah! Fico encantado com tais comportamentos. São a expressão clara de que, entre os humanos, não há maiores nem menores. São atitudes de pessoas sensíveis que acreditam na sensibilidade de seus interlocutores. Essa gente me leva a dizer que, enquanto houver manifestações de atenção, de cuidado, como as exemplificadas, continuarei acreditando na nossa gente e até na humanidade.

Só quem está isolado no mundo não percebe a vida que vibra nas atitudes geradoras de interação entre as pessoas. Só quem se basta não se dá conta de que a vida é possível, a alegria pode clarear o caminhar, a esperança pode alimentar a jornada e a travessia. Só quem está só é que não se dá conta de que a gente se torna aquilo de que participa; a gente se faz naquilo para o que se olha. Só quem está só não tem disposição para se encantar com as pequenas coisas, com as atitudes simples, com os olhares enternecedores, com as mãos amorosas, com as palavras emocionadas, com as companhias enriquecedoras. Que grandeza humana ouvir: “obrigado por me agradecer”. Tradução: não sou o centro, não sou maior, não sou melhor. Sou um como você, sou um com você.

Sinto grande vergonha por não conseguir ver esses sentimentos na maioria de nossos representantes públicos e na quase totalidade dos componentes do supremo órgão judiciário do país. Mas esses não constituem a esmagadora maioria de nossa gente.

Fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas”, por isso procuro cultivá-las.

Sou um crente inveterado.

Sou otimista

25 de Setembro de 2024, por João Bosco Teixeira 0

Não sou capaz de dizer se as pessoas que me ajudaram a crescer estavam tomadas de otimismo ou de pessimismo. Seja no ambiente familiar, seja naquele seminarístico, a presença do sentimento de culpa, motivado pela noção de pecado, era muito marcante. Por outro lado, em ambos os ambientes, a alegria era grandemente cultivada pela presença da arte teatral, da música, dos folguedos, e de um insistente clima de alegria. No seminário, cultivava-se a proclamação de São João Bosco: “Aqui fazemos consistir a santidade em estarmos sempre alegres”. Não sei, entretanto, dizer o que mais marcou minha vida, no período de formação: se uma visão otimista ou pessimista da vida.

Adulto, busquei pautar minha vida de educador por decidida opção pelo otimismo, nada confundível com imbecilidade e irresponsabilidade. Entendo que não havia alternativa. Como trabalhar no processo de educação sem uma visão de esperança, alimentada, diuturnamente, pela alegria, pela crença na possibilidade de superação das adversidades, naturais e menos naturais, que cada um, que se propõe a viver, deve enfrentar? Como viver destituído de coragem e fortaleza face aos “encontrões” da existência, face às “faltas e erros” de que todos padecemos, face aos desafios, nem sempre naturais e de toda ordem, face às mais diversificadas carências que nossa própria existência nos impõe? “Viver é perigoso”. Sei e sempre soube disso. Mas viver sem otimismo, expresso na alegria das artes e de outras manifestações criativas, é uma morte anunciada. Mesmo no campo da espiritualidade: a fé mais sincera pode brotar da dúvida mais dolorosa. Dúvida, entretanto, nascida de uma irresistível vontade de viver.

Na vida, já adiantada na oitava década, não fiz outra coisa senão lidar com o processo educativo. Em primeiro lugar, como discente consciente do processo natural de formação que me foi oferecido num tempo e espaço determinados, por meus pais e toda uma constelação familiar, e pelo ambiente de seminário, com superiores e colegas, mais e menos empenhados no desafiante viver. Em segundo lugar, como protagonista na ajuda do crescimento de tantas pessoas, das mais variadas idades, dado que o desafio de viver e, por conseguinte, de se educar, só termina com a morte. Numa e noutra circunstância, sempre otimista, enfrentando, com otimismo, as situações que se apresentavam e as opções oferecidas.

Sinto-me pessoa privilegiadíssima por lidar na seara da educação. Não são poucos, entretanto, os interlocutores que de mim indagam: vive ainda com otimismo, nesse mundo doido, virado de cabeça para baixo, em que os valores são diferentes de antanho, em que mais se têm motivos para lágrimas de tristeza que de alegria?

É muito fácil dizer que “sim”, continuo otimista, mesmo porque já não sou chamado a responder, responsavelmente, por quase nada na vida. Mas não é esse o motivo. É que a rica travessia de minha vida garante-me que enigmas podem ser esclarecidos, caducidade pode vir a ser realidade e o tempo, numa experiência ainda que mínima, pode anunciar a eternidade.

Nem tudo são flores. Tenho vivido a pior experiência de minha vida, como cidadão educador: aquela da ditadura do judiciário. Quando as pessoas não têm “com quem contar”, resta-lhes pouco para sorrir. Mas essa não será uma situação eterna. Nem eternos são seus protagonistas.

A presença de covardes não me amedronta. Saber que passarão, me estimula. E outros dias virão favoráveis ao otimismo.