Escrevi neste periódico expressando-me sempre “De um ponto de vista”. Acredito que os escritos se justificavam, dadas as inúmeras possibilidades de divergência na consideração dos fatos, dos comportamentos, da veracidade ou não dos acontecimentos. A sociedade, na multiplicidade de funções que ela comporta, é enriquecida pela possibilidade de análises e avaliações de variados “pontos de vista”, sempre entendidos como “a vista de um ponto”.
A sociedade brasileira já não precisa de tal riqueza. Tudo ficou transparente. Tudo é absolutamente objetivo. Real. Factual. Tudo agora é “O ponto de vista”. A nação brasileira está engalanada por um grupo de pessoas que se blindaram com poderes superiores a qualquer instância, a qualquer opinião que não nasça de sua peculiar visão dos fatos, dos acontecimentos, da vida.
Desde meus onze anos vivo na querida cidade de São João del-Rei. De algumas dezenas de anos para cá, implantou-se na cidade um grande mal, do “meu ponto de vista”, o maior de todos: a cultura da corrupção que solapa tudo, que transforma até esta culta, bela e possível rica cidade, numa terra por tantos desprezível, dados os qualificativos de abandono, desleixo e ética esquecida de que se revestiu com essa cultura.
Agora me dou conta de que tal cultura foi elevada ao patamar nacional: “A corrupção virou atividade lícita no país”. Está tudo legalizado. Juridicamente legalizado. Tornaram-se desnecessárias as várias instâncias do processo judiciário. Há uma suprema corte que a tudo supre. A palavra suprema cabe ao supremo poder, que desconhece outros legitimamente constituídos, em obediência à Carta Magna. Aliás, como esta desapareceu, é lógico que tudo o mais desapareça. E instituiu-se a Vara Nacional de Assistência à Corrupção e aos Corruptos. “Única corte de Justiça no mundo a legalizar, juridicamente, a corrupção”.
“Está aberta a militância implacável do STF em favor da ladroagem e dos ladrões”. “Chegamos, agora, à fase de bater os últimos pregos do caixão” da sensatez, da probidade e, diria eu, gravemente entristecido, do caixão da “República”, da coisa pública, do bem-comum, da Pátria.
“Já não há um único preso por corrupção em todo o sistema penitenciário do Brasil”. Empresários que confessaram seus crimes, devolveram bilhões ao patrimônio público, perdoados, andam por aí lépidos e fagueiros porque “Ninguém rouba no Brasil. É tudo mentira”. E tudo em consequência do processo de “recivilização” do país, servindo-me de expressão de um “supremo” que, juntamente com os demais “pede, simplesmente, que você acredite no seguinte: todos os acusados de corrupção neste país são inocentes, sem exceção”.
Quem assim não pensa, quem nisso não acredita é porque não entende nada de nada. Mas, convenhamos, trata-se de desavergonhada proteção ao crime que, entre nós, compensa.
Já não faz sentido a leitura da vida “De um ponto de vista”. Há “O ponto”. E basta.