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Entre o deserto e a democracia: Moisés e Tancredo Neves, líderes que deixaram um legado maior que o destino

26 de Marco de 2025, por Mauro Luiz do Nascimento Júnior

A história da humanidade é repleta de figuras que, em diferentes contextos e épocas, assumiram o papel de líderes em busca de uma “terra prometida”. Dois desses personagens, embora separados por milênios e contextos completamente distintos, compartilham uma trajetória marcante: Tancredo Neves, político brasileiro, e Moisés, líder bíblico. Ambos lutaram incansavelmente por um ideal de liberdade e justiça, mas, de maneiras distintas, não conseguiram ver concretizado o sonho pelo qual tanto batalharam. 

Moisés é uma figura central na tradição judaico-cristã. Sua história, narrada no livro do Êxodo, conta como ele foi escolhido por Deus para libertar o povo hebreu da escravidão no Egito. Guiado por uma missão divina, Moisés enfrentou o faraó, realizou milagres e conduziu seu povo através do deserto em direção à Terra Prometida, Canaã. No entanto, apesar de sua dedicação e liderança, Moisés não pôde entrar na terra que tanto almejava. Segundo a narrativa bíblica, ele foi impedido de fazê-lo devido a um ato de desobediência a Deus, quando feriu uma rocha para obter água, em vez de falar com ela, como havia sido ordenado (Nm 20, 7-12). Moisés morreu no Monte Nebo, avistando a Terra Prometida de longe, mas sem nela pisar (Dt 34, 1-5).

Sua história é frequentemente interpretada como um símbolo da luta pela liberdade e da importância de seguir um propósito maior, mesmo que o objetivo final não seja alcançado pessoalmente. Moisés representa a ideia de que a jornada e o legado são tão importantes quanto o destino.

Tancredo Neves, por sua vez, foi um político brasileiro que emergiu como figura central no processo de redemocratização do Brasil após o regime militar (1964-1985). Conhecido por sua habilidade política e discurso conciliador, Tancredo foi eleito Presidente da República em 1985, pelo Colégio Eleitoral, como representante da Aliança Democrática. Sua eleição simbolizou a esperança de um novo começo para o país, marcado pela restauração da democracia e pela superação de anos de autoritarismo.

No entanto, em um trágico desfecho, Tancredo adoeceu gravemente na véspera de sua posse e faleceu em 21 de abril de 1985, sem nunca ter assumido o cargo. Sua morte chocou o país e deixou um sentimento de luto e frustração, já que ele era visto como o líder capaz de conduzir o Brasil em sua transição para a democracia. Assim como Moisés, Tancredo lutou por uma “terra prometida” - no caso, um Brasil livre e democrático -, mas não pôde ver seu sonho plenamente realizado.

Apesar das diferenças históricas e culturais, as trajetórias de Moisés e Tancredo Neves apresentam paralelos. Ambos foram líderes carismáticos que assumiram a responsabilidade de guiar seu povo em momentos de transição e crise. Moisés liderou os hebreus para fora do Egito, enquanto Tancredo simbolizou a esperança de um Brasil livre da opressão militar. Ambos enfrentaram desafios e foram vistos como figuras quase míticas, capazes de realizar o impossível.

Entretanto, o destino reservou a ambos um final amargo: Moisés não pôde entrar em Canaã, e Tancredo não pôde assumir a presidência. Esses desfechos nos levam a refletir sobre a natureza da liderança e do sacrifício. Será que o verdadeiro significado de suas lutas reside no destino final ou no legado que deixaram?

Moisés, embora não tenha entrado na Terra Prometida, consolidou-se como um símbolo de libertação e fé. Sua história inspirou gerações e continua a ser um exemplo de perseverança. Da mesma forma, Tancredo Neves, mesmo sem assumir a presidência, tornou-se um ícone da redemocratização brasileira. Sua morte não apagou o significado de sua luta, mas, ao contrário, reforçou a importância da democracia e da esperança.

As histórias de Moisés e Tancredo Neves nos lembram que a luta por um ideal nem sempre é recompensada com a realização pessoal do sonho. No entanto, o verdadeiro impacto de um líder pode transcender sua própria existência, inspirando outros a continuar. Moisés não entrou em Canaã, mas seu povo o fez. Tancredo não governou o Brasil, mas sua eleição abriu caminho para a consolidação da democracia.

Ambos nos ensinam que a “terra prometida” não é apenas um lugar físico ou um objetivo concreto, mas um símbolo de esperança e transformação. Suas vidas nos convidam a refletir sobre o poder da luta coletiva e o legado que deixamos para as gerações futuras. Afinal, como disse o poeta Mario Quintana, “eles passarão... eu passarinho”. Moisés e Tancredo podem não ter alcançado pessoalmente suas terras prometidas, mas suas lutas continuam nos guiando em direção a um futuro melhor.

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