Com carinho, ao profeta, à inspiração: confidências de uma também historiadora e fã*


Homenagem Especial

Floriza Beatriz de Sena Paula**0

fotoFloriza e Rosalvo

O eu lírico dessa poesia tem a voz da experiência

Oficial, padrão da idade, sendo, portanto, inquietamente rouca e mímica

Mímica por silenciosa, mas poderosa por tão madura

Tão lúcida e gritante quanto gaga, pausada

Fala a ti confusamente, mas com suficiente conhecimento

Ausaria-me, digo, alzheimer-meria, digo que o diagnóstico médico diz-me que caminho em direção ao vazio

Mas a que vazio poderia eu estar caminhando com uma essência tão ricamente preenchida?

 

Porque ao que dizem “a gente morre e fica tudo aí”. E fica.

Fica o relógio, ficam as contas, o que não fica é o que não foi

Foi a conta de não perder a hora do jantar, mas foi a conta, o que não foi foi o encontro, foi a risada, foi a lembrança, foi o futuro

E ficou tudo o que se fez impactante o suficiente para não ir

Assim, tudo o que não foi, ficou, e marcou

E só caminha ao vazio aquele que não tem marcas e que não marcou

Já a voz deste que lhes soa aos ouvidos atravessou muitas vidas e por elas foi atravessada:

— Eu disse muito e fui a escuta da escuta

Incontrolado, gentil, sábio e ganancioso, deveras, solícito

De ouro, recompensado e sempre recompensando o seu entorno

 

Mesmo que o alzheimer de minhas faculdades tenha me tirado o controle das mãos

Tenha me tirado o ato, o aperto ao botão do controle

Eu, mesmo assim, com a minha rica e sadia essência

Sentarei em minha poltrona, ao lado de minha amada

Com aquela sintonia das pernas entrecruzadas com a direita por cima, que só nós temos

Mesmo que eu não me lembre do meu quadro, do meu livro e de você

A essência da minha memória me fará retorcer o nariz àquele programa idiota e sem graça e me fará sorrir ao que eu sentir que já foi meu

 

Sorrirei a você, meu filho, quando em meio a qualquer crise você vier me abraçar

Sorrirei a você, minha fã, quando em minha casa vier

E continuarei carismático a “nossa”.

— “Nossa” é uma pessoa muito querida que temos em comum, né?

Me esquecerei de tudo, eu sei, mas da voz que me construiu e me guiou até aqui eu não esquecerei

De mim eu não esqueço, jamais, da minha história não

E mesmo que digam que ao vazio eu caminharei

De mim eu não esqueço

Pois sempre fui e serei memória e história

Jamais alzheimeria-me ao apagamento

 

*A Rosalvo Gonçalves Pinto (In memoriam), uma homenagem a esse querido astro luminoso com luz própria desde 10 de janeiro de 1942, às vésperas de seus 81 anos agora em 2023, mas mais radiante em nossos corações a partir de 08 de novembro de 2022. Material escrito em maio de 2022.

**Graduada e Mestranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto.

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