Morreu-nos Rosalvo


Homenagem Especial

João Bosco de Castro Teixeira*0

Há pessoas sobre as quais falar é muito fácil. E, também, muito difícil.

Com Rosalvo é assim. Fácil falar dele, porque lhe sobram virtudes. Difícil, porque não há novidade, para ninguém, no dizer qualquer coisa sobre ele.

Atrevo-me, entretanto.

Havia em Rosalvo uma atitude admirável: cada um que dele se aproximasse tinha a impressão de que Rosalvo só existia para esse seu interlocutor. Cada um se realizava nele, porque para cada um ele se fazia presente, compassivo, solidário. Cada um se encontrava nele.  Ora, isso não é qualquer coisa. Pelo contrário, isso é tudo. Nada mais as pessoas pedem na vida que aquilo de se sentirem presentes. Rosalvo se fazia presença para cada um. Quem conviveu com ele pode dizer na alegria: Rosalvo me sabia, ele entendia de mim. Que beleza!

Por isso é que, quando ainda jovem nos seus vinte anos, aqueles alunos dos colégios salesianos em que Rosalvo trabalhou tinham-no como modelo. Seus alunos queriam ser como ele. A serenidade com que Rosalvo levava a vida, mesmo na função de superior, deixava todos com a sensação de que podiam ser como eram, sem precisarem se esconder em falsidades, em comportamentos submissos. Rosalvo aparecia para seus alunos como possuidor de virtudes e qualidades a serem constitutivas das próprias vidas. Rosalvo transmitia paz.

Nós, seus colegas e contemporâneos, nos deixávamos admirar pela tranquilidade, pela serenidade exuberante. A dimensão científica, de que era possuidor, não empalidecia em nada a humanidade de que era portador. Mas nós, colegas, sabíamos também de um detalhe extraordinário, não muito perceptível: Rosalvo tinha precioso senso de humor. Mais: tinha uma dimensão irônica frente aos absurdos existenciais. Não deixava de vivenciá-los. E até sofrer com eles. Em nossas vidas de seminaristas, cursando teologia, passamos por momentos difíceis. Eram os complicados anos da década de sessenta. Rosalvo, na sua reserva, sabia chegar a cada um como parceiro inconfundível, quando não como mentor de variadas rebeldias. Com sua dedicação ao estudo, com seu respeito ao ordinário da vida, se não se envolvia em determinadas situações, também não deixava de trazer o apoio, a força e a coragem para aqueles mais afoitos que estavam enfrentando momentos adversos. Ele sabia se reservar para momentos maiores.

A morte configura o completo esvaziamento de nossas vidas. Mas ela é a condição para nosso nascer para Deus, quando já não teremos Deus sobre nós, mas Deus em nós. Rosalvo já usufrui dessa realidade.

Em nossas vidas, ou em nós, há pedaços dos outros que nos completam. Rosalvo viveu em tanta profundidade a solidariedade, que deixou pedaços na vida de tantos. Agora, ausente, estamos empobrecidos, pois sentimos que, com ele, foi-se algo de nós. Consola-nos saber que nos levou consigo.

Falei quase nada do que Rosalvo foi. Beth falaria muito mais. E eu não negaria nada.

É triste, mas morreu-nos Rosalvo.

 

*Professor aposentado da UFSJ, membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

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