Matosinhos é um bairro completo, que só não tem agência bancária, resume o corretor de imóveis Eustáquio Coelho Resende, proprietário da Venância Imóveis e morador desde 1997. No jogo de perde e ganha, o bairro perdeu mais um bem histórico – a portada (portal) da antiga igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Mas vai ganhar três empreendimentos econômicos de grande porte: um shopping center e um conjunto de duas torres (prédios) e um prédio residenciais.
Uma “quase cidade” que cresceu muito nas últimas décadas, ao ponto de se subdividir em vários “bairros” (vilas e núcleos habitacionais). Alguns mais centrais, como Jardim Paulo Campos e Genny Guimarães (predomínio de construções horizontais novas e valorizadas), Vila Santo Antônio (casas mais antigas) e Inocoop (conjunto de prédios de até quatro pavimentos). Outros são Vila N. S. de Fátima, Vila Santa Terezinha, Bom Pastor, Jardim N. S. de Fátima, Pio XII, Nossa Senhora da Paz etc.
Para unir esforços em defesa dos interesses das comunidades desses “bairros”, funciona desde 1999 a Associação dos Moradores e Amigos do Grande Matosinhos (ASMAT). Entre outras atividades, a ASMAT edita o jornal “O Grande Matosinhos” (impresso até março de 2013, apenas eletrônico a partir daí), diz José Cláudio Henriques, seu fundador e primeiro presidente, que é membro do Instituto Histórico e Geográfico (IHG) e da Academia de Letras são-joanenses, e autor do livro “Bairro de Matosinhos – berço da cidade de São João del-Rei” (Editora UFSJ, 2003).
O “Grande Matosinhos” é delimitado pelo bairro das Fábricas (confluência dos córregos da Água Limpa e Lenheiro) até a junção com o Rio das Mortes, próximo ao Estádio do América. Daí até as proximidades da Ponte do Porto com a Colônia do Marçal e à montante (direção da nascente do rio). À esquerda do Córrego da Água Limpa, ao pé do morro, faz divisa com o Jardim Central (Caieira). Atualmente, estende-se até a BR-265 (trecho São João del-Rei a Tiradentes), de acordo com José Cláudio.
Portal da discórdia
A perda mais recente do bairro é a portada em pedra sabão da primitiva igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, de 1771-1774, demolida “criminosamente” no início da década de 1970, mesmo sendo tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), diz José Antônio de Ávila, membro do IHG e da Academia de Letras. A portada fora “irregularmente negociada com um magnata paulista (o advogado e banqueiro Mário Pimenta Camargo) que a adquiriu para ornamentar a entrada da sua fazenda. O paradeiro da portada acabou sendo descoberto e, desde o ano de 2003, tramitou na Justiça um processo para que a histórica peça voltasse a integrar o patrimônio cultural são-joanense”.
“Por fim, depois de todos estes anos de luta, conseguimos a devolução da portada pelas vias judiciais e a peça chegou na cidade na tarde de 27 de fevereiro, tendo sido descarregada e guardada no Museu de Arte Sacra (Largo do Rosário/centro da cidade)”, prossegue Ávila. “No entanto, apesar de estar bem guardada, a portada deveria ter voltado para o lugar de onde nunca deveria de ter saído, ou seja, o seu local de origem, o adro do atual Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, onde seria reinstalada num memorial que ficaria o mais próximo possível de seu local de origem, já com a concordância do Padre Bittar, pároco local.”
O retorno da portada não deixa de ser uma vitória dos fundadores do IHG, que “em 1970 manifestaram-se energicamente contra a demolição da igreja”, recorda Ávila. “Com a igreja em processo de extinção, os membros do IHG lutaram para que pelo menos a portada aqui permanecesse.” De nada adiantou e a peça (de aproximadamente seis metros de altura por três de largura) foi vendida pelo padre Jacinto Lovato Filho por cinco mil cruzeiros.
Há cerca de 4 anos, o escultor sacro Osni Paiva elaborou projeto para colocação do portal no interior da atual igreja de Matosinhos. A peça seria instalada próximo ao presbitério junto ao altar, que assim seria reformulado para que formasse, junto com a portada, um conjunto harmonioso. Nesse conjunto estariam incluídas as imagens do Bom Jesus (século 18), de Nossa Senhora da Lapa (imagem portuguesa do Século 18 com “belíssima” coroa de prata), do Divino e de São Libório (século 19), esta última atribuída ao artista são-joanense Joaquim Francisco de Assis Pereira.
Foi realizada uma pesquisa de opinião (internet e presencial) e o resultado foi a aprovação da proposta, conta o santeiro. “Até uma sexta-feira, estava certo que o projeto seria executado. Quando foi na segunda-feira, por forças ocultas o projeto foi desfigurado e não mais incluía a portada.”
Monsenhor Paiva, ex-pároco da Catedral do Pilar, chegou a se interessar pela portada porque já pretendia criar o Museu de Arte Sacra, conta Osni. Mas ele ofereceu um valor de quatro mil cuzeiros, ou seja, mil cruzeiros a menos do que o que seria pago pelo empresário paulista. O portal ficou mais de 40 anos na Fazenda São Martinho da Esperança, em Campinas (SP).
Osni também gostaria que o portal – lavrado em pedra sabão talvez pelo mesmo artista que trabalhou nas portadas em pedra da igreja São Francisco - voltasse para o Matosinhos. Mas reconhece mérito ao padre Geraldo Magela da Silva, atual pároco da Catedral, que se empenhou em guardar a peça no museu sacro.
Empreendimentos de fôlego
O comércio de Matosinhos vai ganhar novo impulso com o shopping center que será erguido na área (15.500 m²) onde funcionou a antiga Fiação e Tecelagem São João, na Avenida Josué de Queiroz. A construção abrangerá área de 7.500 m², distribuída entre supermercado (3.500 m²) e área central (de 4 mil m²) ocupada por 40 lojas (das quais sete nas casinhas da Vila Operária, tombadas pelo Patrimônio Histórico), posto de gasolina e praças de alimentação, além de estacionamento de veículos com cerca de 300 vagas.
A terraplanagem já foi concluída e estão em fase inicial as obras de fundação e de infraestrutura (água, esgoto, pavimentação, instalação elétrica etc.), conta João Lombardi Neto, o Joe Lombardi. A prioridade é a construção do supermercado (com estacionamento no nível superior), cuja inauguração está prevista para o final do ano.
No setor habitacional, um conjunto de duas torres de 12 andares por prédio (cerca de 240 apartamentos no total) será construído na Avenida Tomé Portes del Rei (saída para Santa Cruz de Minas), ao lado do supermercado Sales. Também está prevista a contrução de um prédio de 15 andares na Rua Sete de Setembro, ao lado do supermercado Bergão. A informação é de que já houve até a desapropriação de lojas de comércio e escritórios no local.
Mas estes empreendimentos residenciais não significam, necessariamente, uma tendência de verticalização na região central de Matosinhos, por falta de terrenos disponíveis, explica Eustáquio Resende.
Comércio pujante
Apesar de não mais ter agências bancárias, o centro de Matosinhos é considerado a segunda força comercial da cidade. O radialista Tovar Luiz da Silva, que nasceu e vive no bairro, recorda que já funcionaram lá agências de bancos como Credireal, Banco do Brasil, Itaú e Bradesco.
Ainda assim, o comércio do bairro continua pujante, acrescenta Tovar. São dezenas de lojas de confecção, de autopeças e de material de construção, oficinas mecânicas e de artesanato (ferro e madeira) e postos de gasolina. No ramo de comunicação e tecnologia, a Conecta com sede no bairro Matosinhos vende serviços de internet, TV por assinatura via satélite etc., além de produtos eletrônicos como smartphones. Um dos maiores e mais tradicionais fabricantes de carrocerias de Minas Gerais – o Agostini – também está no bairro, com variada linha de produtos, tanto carrocerias quanto pallets, embalagens de madeira, portas, janelas, materiais de construção e madeiras. Desde 1960 que a empresa produz carrocerias.
Já são três supermercados (Bergão, Esquinão e Sales), com a perspectiva de chegar mais uma bandeira em breve. O Bergão e o Esquinão são propriedade de famílias genuínas de Matosinhos, observa Tovar, respectivamente as famílias Bergo e Nascimento. Aliás, o Bergão adquiriu, há algum tempo, “área gigantesca” na Rua Sete de Setembro (antiga Fazenda do Gualter), utilizada atualmente como estacionamento da frota do supermercado. Um futuro hipermercado para sair do aluguel e fazer frente ao acirramento da concorrência?
No terreno da Paróquia, adquirido do antigo Cotonifício Chagas Dória, existem múltiplas atividades, como quadra poliesportiva e espaço para eventos; brechó beneficente; espaço para ensaios e aulas da sinfônica paroquial; e salão para círculo bíblico. Também funciona a “Arca de Noé” (lojas de artigos religiosos), além de haver espaço para os feirantes, que expõem aos domingos em frente à estação Chagas Dória, guardarem seus pertences. No adro atrás da igreja, há salas para catecismo, reuniões de grupos de oração, dos Narcóticos Anônimos e grupo de cursilho da comunidade.
No setor educacional, a Unopar (universidade à distância) e a “Up” (escola de inglês) tem menos de dois anos, lembra Tovar. Mais antigos são o Sesi/Senai (educação básica e cursos profissionalizantes) e as escolas municipais e estaduais (Tomé Portes del Rei, Matheus Salomé, Governador Milton Campos ou antigo Polivalente e Escola Elpídio Ramalho), além de três creches municipais.
Centros clínicos, de reabilitação e de terapias formam o cenário da área de saúde, como a Policlínica de Matosinhos que atende o bairro e a cidade (caso da oftalmologia), em cujo anexo funcionam programas de saúde da família (PSF), e uma farmácia municipal. A Clínica São Lucas atende a cidade inteira em várias especialidades médicas. Uma inovação é o Centro de Terapias Integradas (CETIN), da psicóloga resende-costense Jane Resende, que desde 2015 oferece atendimentos clínicos nas áreas de psicologia infantil, adolescente, adulto e geriátrica, psicopedagogia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.
Por fim, estão instaladas no bairro secretarias municipais como as de Educação, Saúde, Meio Ambiente e Assistência Social.
Estação “fantasma”
Toda semana, de sexta a domingo incluindo feriados, é comum ouvir o apito característico da Maria Fumaça, que corta o centro de Matosinhos no trajeto de bitola estreita (70 cm) entre São João del-Rei e Tiradentes. Com um detalhe: o trem passa direto pela estação Chagas Dória.
A Estação Ferroviária de Chagas Dória foi inaugurada para atender ao novo ramal, construído nos idos de 1908, entre Matosinhos e as Águas Santas, o conhecido balneário localizado no município de Tiradentes. Até então, o bairro era caminho dos trens da Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), inaugurada em 1881, entre São João del-Rei e Sítio (atual Antônio Carlos) – passando por estações como Tiradentes, Prados, Barroso e Barbacena – que se ligavam com a Estrada de Ferro Pedro II.
Antes da estação, o trem fazia breve parada para o embarque de passageiros e movimentação de cargas. O ponto era mais conhecido como a “Parada do Matosinhos”, relata José Antônio de Ávila. Aquele ramal não existe mais e a estação, “embora retocada por várias reformas paliativas e descaracterizantes, permanece abandonada. A originalidade dela foi bastante afetada por intervenções desastrosas”. Mesmo assim, a “sua romântica plataforma ainda conserva a lateral em pedra original…”.
A estação Chagas Dória pertencia à massa falida da Rede Ferroviária Federal, que passou a ser administrada pelo IPHAN, juntamente com a sede da Rede Ferroviária Oeste de Minas (EFOM) em São João del-Rei e a estação de Tiradentes. “É um importante monumento de valor documental-histórico, tanto que é tombado em nível federal pelo IPHAN”, assinala Ávila.
O acervo da antiga EFOM, atualmente, é explorado para fins turísticos pela Ferrovia Centro Atlântica (FCA), explica Ávila. “A estação Chagas Dória e seu entorno estão sendo transformados em lixeira pública, motel a céu-aberto, local de encontro de consumidores de drogas, pouso de mendigos, além de invadido pelo mato.”
Parece que nem mesmo a permissão para a prefeitura instalar ali um centro de referência do artesanato no local, cuja gestão é feita pela Secretaria Municipal de Cultura, resolveu o problema. Há um movimento para que se crie um atrativo para os turistas (por exemplo, lojas de artesanato) com a Maria Fumaça fazendo uma curta parada na estação, lembra Ávila.
A esperança estaria no projeto de restauração e reurbanização do seu entorno, encomendado há alguns anos pela ASMAT à arquiteta Zuleica Teixeira Lombardi, diz Ávila. “O projeto foi doado para a associação, mas, por falta de interesse público, por injunções políticas negativas e por falta de patrocinador, infelizmente não foi implantado.”
Estátua solitária
Na praça principal do bairro, encontra-se exposto à ação dos vândalos o conjunto chafariz e estátua, adquirido em 1887 na França pela Câmara Municipal e tombado pelo Patrimônio Cultural. A estátua é uma representação masculina, mais provável que seja uma alegoria ao Verão (l´Été, em francês), observa Ávila.
Antes, acreditava-se que fosse a figura mitológica da deusa Ceres, representada por uma escultura colocada em cima de um chafariz, formando “conjunto belíssimo, que ora agoniza no meio da principal praça de Matosinhos”. O chafariz bem que poderia “voltar a jorrar água das bocarras de faunos lá existentes”. Corroído pela ferrugem, o conjunto “merece mais atenção e carinho”, lamenta Ávila.
Do patrimônio histórico e arquitetônico de Matosinhos, restaram apenas dois monumentos decadentes: a Estação Ferroviária de Chagas Dória e o conjunto do Chafariz e Estátua, contabiliza Ávila. O bairro perdeu o pavilhão estilo mourisco e a igreja primitiva do Bom Jesus. “Se o povo e o bairro de Matosinhos já perdeu grande parte da riqueza arquitetônica que possuía, o pouco que restou do seu patrimônio merece maiores e melhores cuidados. Se não cuidarmos deles, as futuras gerações os terão apenas como ´retratos drummondianos´ nas paredes.”
Esporte
O esporte faz parte da vida dos moradores do bairro. Segundo Tovar, três clubes são-joanenses desenvolvem atividades no Matosinhos: o Athletic, um dos mais antigos de Minas (fundado em 1909); o Social, “patrimônio do bairro” e um dos mais tradicionais de São João del-Rei (fundado em 1939); e o Siderúrgica.
O Athletic, que luta pelo acesso à principal categoria do campeonato mineiro, tem estádio (Joaquim Portugal) e sede social (inclusive com restaurante) no bairro onde realiza treinamentos e aloja atletas da base e do profissional. Já o Social, além do estádio Paulo Campos, dispõe de parque aquático, quadras e sauna para sócios e atletas, estes últimos com opção de alojamento.
Por fim, o Siderúrgica, além do estádio João Gonzaga, conta com quadra coberta que é usada também pela comunidade.
Trânsito e transporte
Uma das deficiências do bairro é, “sem dúvidas, o trânsito caótico nas avenidas Josué de Queiroz e Sete de Setembro”, diz José Cláudio Henriques. Além do trânsito normal da cidade, o fluxo de carretas, caminhões e ônibus corta o bairro em direção às (e vindo das) cidades de Lavras e Barbacena.
Matosinhos também é “vítima do péssimo transporte público coletivo, prestado pela concessionária em São João del-Rei”, acrescenta o ativista social Air Sousa Resende, membro da Associação dos Movimentos Sociais, Moradores e Amigos de São João del Rei (AMMAS DEL REI).
Além disso, existem linhas sobrepostas (Tiradentes e Santa Cruz de Minas), que não atendem os usuários de Matosinhos porque os ônibus só pegam passageiros “ponta a ponta”, ou seja, não transportam passageiros dentro da cidade. São exemplos de sobreposição as linhas Tijuco - Santa Cruz de Minas, São João del-Rei – Tiradentes e a linha via BR-265 com destino ao Elvas, que tem ponto final antes da ponte do rio Elvas.
Por isso, Air defende que o governo estadual faça convênio ou consórcio entre estes municípios, para realizar uma licitação comum para o transporte público. É a chamada “metropolização do transporte”, com base na Constituição e na Lei Federal 12587/2012 (lei da mobilidade urbana). “Esse convênio ou consórcio teria preços de tarifas urbanas.”
Histórico
Se Tomé Portes del Rei deu nome a grupo escolar ou atual escola estadual do bairro (criado em 1946), a igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos deu nome ao bairro.
Em 1701, Tomé Portes del Rei tornava-se o primeiro representante da Coroa portuguesa a se estabelecer no Porto Real da Passagem. Além do direito de cobrança pela passagem obrigatória, ele explorou hospedagem e comércio (alimentos, ouro, etc.) na travessia de bandeirantes e suas tropas.
Com o assassinato de Tomé por escravos em 1702, seu genro Antônio Garcia da Cunha não apenas o substituiu como guarda-mor da Coroa como também partiu para explorar ouro no Alto das Mercês, Ribeirão São Francisco Xavier e adjacências. De qualquer forma, essa travessia de barco no Porto Real da Passagem vigorou até 1730, quando então foi construída a ponte de madeira. A ponte de madeira duraria até o início dos anos 1980 quando deu lugar à ponte de concreto.
Acredita-se que um povoado tenha surgido na beira do rio das Mortes nesta época. A primeira construção histórica no bairro teria sido a igreja inacabada de 1703, diz José Cláudio. “Pode-se imaginar que a referida igreja não foi terminada em razão da debandada dos habitantes de Matosinhos, que se retiraram em direção ao alto das Mercês, em São João del Rei, onde se descobriu grande quantidade de ouro.”
Segundo o autor, 67 anos depois, em 1770, “foi iniciado um movimento para que uma nova capela fosse construída e uma petição dirigida à arquidiocese de Mariana foi deferida através da permissão datada de 06/09/1771”. A velha igreja foi finalmente concluída em 1774.
Festa do Divino ou do Rosário?
O artista sacro Osni Paiva liderou o resgate da Festa do Divino, em 1998. “Eu comecei a pesquisar sobre as festas de Matosinhos e me deparei com um acervo fantástico. A Festa do Divino Espírito Santo nasceu em 1783 com a solenidade do Senhor Bom Jesus de Matosinhos.”
José Cláudio, em seu livro, vincula o início da “famosa festa”, dedicada ao Divino e ao Senhor Bom Jesus, “provavelmente” à inauguração da igreja em 1774. Em 1783, “ou seja, nove anos após, o Papa Pio VI já autorizava o Breve Pontifício em que dava indulgência plenária aos fiéis que, em um dos três dias de Pentecostes, tendo confessado e comungado, visitasse a igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos da cidade de São João del Rei…”. O papa certamente sabia do sucesso do Jubileu, que na época acontecia no dia de Pentecostes, acrescenta José Cláudio.
Até 1924, a Festa de Matosinhos recebia romarias de várias regiões e era uma das mais animadas de Minas Gerais. Um dos destaques era a procissão de Santo Antônio (“imperador perpétuo”), na qual o santo era carregado em liteira entre as igrejas de São Francisco e de Matosinhos. “Eram três dias de festas ininterruptas. Praticamente, toda a população da cidade participava (…) Tinha cavalhadas, bailados, jogos de fitas etc.”, narra José Cláudio.
A implantação da ferrovia Oeste de Minas facilitou a condução das pessoas, relata José Cláudio. Mas, em 1924, a festa foi suspensa, pois “ao lado dos devotos e dos que procuravam apenas diversões, surgiam os que exerciam as mais variadas comercializações”, além da “jogatina no Pavilhão de Matosinhos (Jaburu e Roleta)”. E “somente em 15 de maio de 1932 recomeçaram as festas do Divino Espírito Santo, mas com simples programação, sem jogatinas, as quais seguiram nesse ritmo até 1998”.
Em 1994, o santeiro Osni ganhou de Monsenhor Almir uma cópia do documento (em latim) do Jubileu de Matosinhos de 1783. “Este documento foi o ponto de partida para o resgate da Festa do Divino.”
Com o fim da suspensão de 1924, a Festa de Matosinhos passara a ser realizada em 3 de maio (celebração da Santa Cruz) ou em 14 de setembro (exaltação da Santa Cruz). Assim, em 1998, ano do Espírito Santo, Osni conversou com o padre José Raimundo da Costa que aceitou formar uma comissão para reerguer a Festa do Divino.
“A minha proposta era resgatar na íntegra os elementos da festa antiga de Matosinhos, como o coreto na praça - para receber bandas de música -, a liteira com Santo Antônio – que percorreria o trajeto entre a igreja de São Francisco e Matosinhos – e muitos elementos folclóricos como a dança da fita e a dança portuguesa. Outro resgate importantíssimo foi a Folia do Divino, que não existia mais.”
“Assim sendo, a Festa do Divino de Matosinhos teve seu resgate no pentecostes de 1998, tendo como dia maior o 31 de maio”, relata José Cláudio. “Ocorreu com brilhantismo as Festas do Divino de 1998 e 1999, período crítico para o sucesso do resgate.”
Porém, Osni se afastou da organização da festa, que, ao longo do tempo, foi desfigurada, com ênfase demasiada à congada. “Me preocupava muito que a congada se tornasse um elemento quase que principal da festa, quando foi introduzida apenas para dar um colorido a mais. Hoje, parece mais uma Festa do Rosário.”
Fase industrial
A escola profissionalizante do Senai funciona desde 1938 no local onde existia o pavilhão, envolvido na “jogatina” da Festa de Matosinhos. Este pavilhão foi construído por ocasião das comemorações dos 200 anos de elevação de São João del-Rei à Vila, em 8 de dezembro de 1913. O objetivo era “que servisse para mostrar todos os produtos fabricados em nossa cidade e vizinhanças”, relata José Cláudio.
Não apenas não ficou pronta para o bicentenário a construção do “majestoso pavilhão”, como também, a partir de 1914, passou a abrigar uma escola primária que não se viabilizou ante o então Grupo João dos Santos. “Não dando certo, optaram por uma casa de recreação com diversos tipos de jogos. Entregue ao relento, acabou por ser depredado, suas janelas e portas roubadas e, finalmente, servia de moradia para mendigos.” O pavilhão, em estilo mourisco, foi demolido a dinamite em 1938, acrescenta Ávila.
A mesma ferrovia – cuja “linha velha” passava pela atual Rua Amaral Gurgel - que beneficiou a Festa de Matosinhos teria contribuído para a criação de indústrias no bairro. O jornal “O Correio”, em 1946, “já tratava o bairro de Matosinhos como um bairro industrial”, assinala José Cláudio. De fato, ali funcionou fábricas de cervejas e guaranás, curtume de couros (como o Tortoriello) e fábricas de tamancos e têxteis (Cotonifício Chagas Dória, por exemplo).
A indústria têxtil foi alavancada pela famosa Fábrica de Tecidos Matosinhos, fundada em 1937 pelo empresário João Lombardi perto da Estação Chagas Dória e que contou com 160 acionistas. Porém, “teve vida curta, pois em 1949 o Sr. João Lombardi adquiriu a Fábrica de Tecidos Brasil da família Ferreira Guimarães e transferiu todo maquinário para lá”, relata José Cláudio. Assim, o prédio de Matosinhos passou a ser usado esporadicamente para exposições agropecuárias e o Cine Matosinhos. Posteriormente, parte do prédio foi demolida e destinada a residências e atividades comerciais.
Já a Fiação e Tecelagem São João, fundada em 1947 pelo industrial João Hallack, produzia os “famosos cobertores São João”, além de flanelas, e no seu auge chegou a empregar cerca de mil pessoas. Em 1965, a empresa foi adquirida pela Fiação e Tecelagem João Lombardi SA e encerrou suas atividades em 1998.
Outra indústria era a de estanho representada pela fábrica do inglês John Somers (confecção de peças de estanho) e a Rancarlos (encerrada na década de 1970).
“Ressurreição”
Uma capela nos fundos da casa de Osni Paiva, no bairro Pio XII, é a réplica que mantém viva a originalidade da antiga igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, construída em 1771-1774 e demolida em 1970 por padre Jacinto Lovato. A miniatura do templo “ressuscitado” foi inaugurada em 1994 com missa celebrada pelo ex-pároco da Catedral, Monsenhor Almir de Resende Aquino.
Tal como a igreja original, a capela tem estilo rococó (caracterizado pela leveza e pouca presença de ornamentos) e com forte presença de rocalhas (tipo de conchas) na talha, em contraposição às folhas de acanto exploradas no período barroco. Na nave, que termina no arco cruzeiro, há dois púlpitos nas laterais. Ao fundo, a capela-mór onde fica o retábulo (altar) com a imagem do Bom Jesus. Nas laterais, existem dois retábulos, dedicados ao Bom Jesus de Cana Verde e a São Sebastião.
As pinturas do teto da nave (as originais são atribuídas ao artista tiradentino Manuel Vitor de Jesus), em estilo caixotão (tampa de caixão), trazem molduras em cujo interior estão as rocalhas com os símbolos da Paixão. Sem os “caixotões”, as pinturas do teto da capela-mór também trazem os símbolos da Paixão. No frontal do retábulo, encontram-se rocalhas coloridas e, no fundo do camarim, pinturas de anjinhos em meio às nuvens, que contornam a imagem do Bom Jesus.
Uma diferença da igreja antiga é que o portal da capela se encontra na parte lateral por falta de espaço. Acima da curvatura dele, estão presentes os cravos que identificam a Paixão. Outra diferença é que, na igreja antiga, a torre esquerda era de tijolos, sem a escola espiral, já que a original caiu no final do século 19. Tanto a torre quanto a escada espiral direitas eram de pedra. Ao subir esta escada, no interior, tinha-se acesso ao coro, podendo ver-se a entrada falsa do lado oposto.
Segundo Osni, do que restou da igreja antiga, a pia batismal, a porta principal e as janelas almofadadas certamente foram vendidas. Muitos “ex-votos” (pinturas, desenhos ou figuras) da sala de milagres desapareceram e os que restaram se encontram no Museu de Arte Sacra. Também foi para o museu a coroa de prata, “a segunda mais bonita de São João del-Rei”.
Batalha inglória
Uma intensa “batalha” foi travada para preservar a igreja do século do final do século 18. Uma das manifestações foi da prestigiada Revista de História e Arte (1966), que aproveitou a comemoração do centenário da guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), para destacar o papel da Igreja de Matosinhos.
Lembrou a revista, citada no livro de José Cláudio, que “São João del Rei foi dos municípios que mais concorreram com voluntários”. Além disso, recebia “festivamente” e tratava bem companhias de voluntários como as do Sul de Minas, “que se destinavam a Uberaba”.
E a revista prossegue: os grupos de voluntários são-joanenses assistiam à missa, antes da partida, na “igreja histórica” (ameaçada de demolição). “Os grupos de voluntários da cidade de Passos e de outros lugares que por São João del Rei passavam pernoitavam na igreja e, no dia seguinte, ali mesmo assistiam à missa, antes de continuar a marcha”.
Protestos veementes partiram dos meios militar, histórico e cultural, dirigidos ao bispo de São João del-Rei, D. Delfim Ribeiro Guedes, e ao padre Jacinto Lovato, vigário da Paróquia de Matosinhos. A tentativa de barrar a demolição da igreja motivou o surgimento, em 1970, do IHG de São João del-Rei, revela José Antônio Ávila.
Mas as respostas sempre foram genéricas e passavam claramente a ideia de que a decisão já estava tomada. Padre Jacinto, por exemplo, iniciou sua resposta ao ofício 9/70, do IHG, com os seguintes termos: “1. Nenhum valor tem para mim protesto veemente ou sem veemência. 2. O assunto é exclusivamente da alçada da Igreja.” Em um dos trechos da resposta, pergunta, a título de reflexão: “Por que para nós construímos casas em estilo moderno, bonitas, confortáveis etc… e queremos obrigar o Sr. Bom Jesus de Matosinhos a morar numa casa velha, caindo, feia e perquena? Será que ele não merece coisa melhor?”
A igreja, tombada pelo IPHAN, foi sendo demolida lentamente, conta Ávila. Este processo durou cerca de dois anos, e o material (portas, talhas, teto, imagens etc.) foi sendo vendido, sem que o IPHAN tomasse qualquer providência, acrescenta.
Em 1992, o “Jornal dos Poste” publicou, em seu “Adeus”: “A Igreja poderia manter seu acervo histórico, já que era mais antiga do que a monumental Igreja de São Francisco. Agora só restam a Estação de Trem (…) e a Estátua-Chafariz da Deusa Céres, que já passeou por vários locais da cidade e felizmente hoje se encontra defronte ao SENAI”.
Nova igreja
A metade do terreno que pertenceu ao Cotonifício Chagas Dória é propriedade da Paróquia de Matosinhos, que mantém ali diferentes tipos de atividades. “Foi nesse espaço que funcionou a paróquia quando da construção da nova igreja”, observa José Cláudio.
A Paróquia de Matosinhos foi criada em 25 de outubro de 1959 pelo Arcebispo Coadjutor e Administrador Apostólico do Arcebispado de Mariana e instalada em 1º de janeiro de 1960. A nova matriz foi inaugurada em 1º de janeiro de 1980 depois da demolição total da antiga igreja.
O primeiro pároco foi padre Jacinto Lovato Filho, que nasceu no bairro de Matosinhos (em 30/07/1930). Ironicamente, Padre Jacinto fora batizado na mesma igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos que mandou demolir anos mais tarde.
Uma placa em frente à igreja, com data de 20 de agosto de 2010 e os nomes do prefeito Nivaldo José Andrade, da então presidente da Câmara Municipal, Jânia Costa Pereira da Silveira, e de outras autoridades, presta homenagem ao Cônego Jacinto, considerado “Benfeitor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos”.
LINKS RELACIONADOS:
Conjunto Estátua e Chafariz: http://www.patriamineira.com.br/index.php?secao=ver_noticia&id_noticia=1064&id=3
Estação Ferroviária de Chagas Dória: http://www.patriamineira.com.br/imagens...Chagas_Doria.pdf
Jornal O Grande Matosinhos: http://www.ograndematosinhos.com.br/
Memórias do Bairro de Matosinhos: https://www.facebook.com/joseantonio...type=3
Portada da primitiva igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos:
http://www.patriamineira.com.br/imagens...Sao_Joao_del-Rei_-_MG.pdf